Revisitando a natureza jurídica da alienação fiduciária de bens imóveis
Autor | Ivandro Ristum Trevelim |
Páginas | 165-184 |
REVISITANDO A NATUREZA JURÍDICA
DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS IMÓVEIS
Ivandro Ristum Trev elim
Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP) em 2014. Mestre em
Direito Civil e Financiamento Imobiliário pela Universidade de São Paulo (USP) em
2008. Pós-graduado em Direito Societário pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo (PUC-SP) em 2002. Pós-graduado em Negócios Imobiliários pela Fundação
Armando Alvares Penteado (FAAP) em 2000. Formado em Direito pela Universidade
de São Paulo (USP) em 1998. Presidente da Comissão de Imóveis Rurais e Contratos
Agrários do IBRADIM (Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário).
1. INTRODUÇÃO
A alienação fiduciária em garantia há várias décadas chama a atenção dos dou-
trinadores pátrios, que se voltaram para entender seu conceito e significado, muitas
vezes sendo surpreendidos com seu vasto campo de atuação. Causa, de fato, espécie,
sua dúplice manifestação, como transferência de titularidade e como prestação de
garantia.
Primeiramente, esta modalidade de garantia foi introduzida com vistas ao fi-
nanciamento de bens (móveis) de consumo durável e, tempos depois foi instituída
no país a alienação fiduciária de bem imóveis, com a edição da Lei 9.517 de 1997, no
âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário – SFI, para substituir o combalido
Sistema Financeiro Habitacional – SFH.
Muito tem contribuído a alienação fiduciária em garantia tendo por objeto bens
imóveis para o desenvolvimento do mercado imobiliário brasileiro. Precisamos,
portanto, entender as origens do instituto, intimamente ligado à fidúcia do Direito
Romano, bem como sua autonomia em relação a outras modalidades de estruturação
da transmissão da propriedade. Pois é exatamente neste ponto que se encontra o
cerne da questão: a utilização da própria propriedade, com finalidade de garantia, e
os contornos específicos que ganha a propriedade em razão deste escopo.
A alienação fiduciária em garantia sempre despertou fortes posicionamentos no
meio jurídico, tanto no sentido de desqualificá-la, como enaltecendo os benefícios
por ela trazidos.
Sua própria natureza, de fato e à primeira vista, leva a uma sensação de estranheza,
pela sua manifestação dúplice de transferência de titularidade e prestação de garantia.
Apesar de sua longa existência em nosso ordenamento, continua a atrair reações
emocionadas, ensejando inseguranças que não mais se justificam. Podemos cogitar
se tal situação não se dá por alguma incompreensão sobre a natureza jurídica do pró-
prio instituto. Interessante então voltar às origens da alienação fiduciária, tal como
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originalmente idealizada, buscando contribuir para uma melhor compreensão do
instituto, e também sua revalorização, pois visível que suas vantagens superam as
desvantagens, acabando com uma mistificação distorcida e talvez exagerada em torno
do instituto. Imperioso ressaltar a alienação fiduciária como o principal instrumen-
to jurídico para prestação de garantia atualmente existente do nosso ordenamento
jurídico. Assim, esse instituto pode auxiliar o direcionamento ao caminho do cres-
cimento econômico e desenvolvimento social, também com maior disponibilização
de crédito a custos menores, realimentando o ciclo e o crescimento econômico e a
redução do déficit habitacional brasileiro.
2. NATUREZA JURÍDICA
2.1. Propriedade resolúvel
Inicialmente, necessária a análise do instituto da propriedade resolúvel, para
subsequentemente aprofundarmos o conceito de propriedade fiduciária.
Indaga Aderbal Cunha Gonçalves se seria a perpetuidade uma qualidade essen-
cial ao direito de propriedade, pois enquanto perdura a propriedade, o seu titular
exerce sobre ela a plenitude de suas faculdades de gozo e disposição. Indica referido
autor, todavia, que as faculdades atinentes à propriedade têm efeitos limitados no
tempo, não sendo perpetuidade uma faculdade ligada a propriedade: “a irrevogabi-
lidade da propriedade é um elemento atribuído a sua natureza e, não, porém a sua
essência”1.
Temos que a propriedade nem sempre é eterna e ilimitada, contrariando a de-
finição clássica de origem romana que chega até os dias de hoje em nosso Código
Tal fenômeno ocorre quando, não obstante ser propriedade, com todos seus
atributos, ela é temporária. Podemos indicar duas modalidades previstas no Código
Civil desta propriedade peculiar: (i) a propriedade resolúvel prevista no artigo 1.359;
e (ii) a propriedade revogável, delineada no artigo 1.360, sendo que a primeira en-
contra seu fim em uma causa preexistente e a segunda terminará em razão de uma
causa superveniente3.
O domínio pode então ser excepcionalmente limitado temporalmente, subor-
dinando-se a (i) uma condição resolutiva ou termo final, contidos no próprio título
originador da propriedade; ou (ii) um fato superveniente. Ocorrendo o primeiro, a
venda realizada será entendida como se nunca tivesse ocorrido, pois conhecida desde
a sua matriz e operando efeitos ex tunc, e de outra forma, ocorrendo o segundo, os
1. GONÇALVES, Aderbal Cunha. Da propriedade resolúvel, p. 89.
2. Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder
de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
3. MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Direito das Coisas, p. 273.
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