O balanço do estabelecimento e a apuração de haveres no inventário causa mortis: necessidade de adequada interpretação do artigo 620, § 1º, do cpc

AutorRodrigo Mazzei e Fernanda Bissoli Pinho
Páginas441-458
O BALANÇO DO ESTABELECIMENTO E A
APURAÇÃO DE HAVERES NO INVENTÁRIO
CAUSA MORTIS: NECESSIDADE DE ADEQUADA
INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 620, § 1º, DO CPC1
Rodrigo Mazzei
Doutor (FADISP) e mestre (PUC-SP), com pós-doutoramento (UFES). Líder do Núcleo
de Estudos em Processo e Tratamento de Conitos (NEAPI – UFES). Professor da UFES
(graduação e PPGDir). Advogado e consultor jurídico; e-mail: mazzei@mmp.adv.br.
Fernanda Bissoli Pinho
MBA em Direito Empresarial e em Direito Societário. (FGV-RJ); Advogada; e-mail:
fernanda@mmp.adv.br.
Sumário: 1. Introdução – 2. O falecido como empresário individual ou sócio – 3. O autor da herança
como empresário individual – 4. O autor da herança como titular de “quota societária”; 4.1 A apu-
ração da expressão econômica das quotas sociais: procedimento e metodologia – 4.1.1 Apuração
interna ou remessa às “vias ordinárias”; 4.1.2 A fase de transição: interpretação adequada do art.
1.027 do Código Civil5. Considerações nais – 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Cada dia mais, seja por conveniência f‌iscal, ou mesmo por estratégia de orga-
nização societária e/ou planejamento sucessório, percebe-se uma tendência de que
as ‘pessoas naturais’ deixem de titularizar as relações jurídico-econômicas, passan-
do a desenvolver suas atividades produtivas por meio da estrutura das sociedades
empresárias. Em suma, há o fenômeno da ‘pejotização’, que é a criação de pessoas
jurídicas, com a cobertura de áreas de atividades prof‌issionais e, não raro, de titula-
ção patrimonial.
O cenário propicia o surgimento de novas e distintas relações jurídicas e estas,
por sua vez, trazem consigo uma complexidade no arcabouço de atos e fatos jurídicos,
especialmente no momento da sucessão causa mortis. Isso porque, quando ocorre
o falecimento do empresário individual (pessoa natural), seus bens se transmitem
1. O estudo é também resultado do grupo de pesquisa “Núcleo de Estudos em Processo e Tratamento
de Conf‌litos” – NEAPI, vinculado à Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), cadastrado no
Diretório Nacional de Grupos de Pesquisa do CNPq respectivamente nos endereços http://dgp.cnpq.
br/dgp/espelhogrupo/7007047907532311#identif‌icacao. O grupo é membro fundador da “ProcNet –
Rede Internacional de Pesquisa sobre Justiça Civil e Processo contemporâneo” (http://laprocon.ufes.
br/rede-de-pesquisa).
RODRIGO MAZZEI E FERNANDA BISSOLI PINHO
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diretamente para seus herdeiros ou legatários, na forma da lei, ao passo que, quan-
do da morte de um sócio de sociedade empresária, diferentes e numerosos são os
desdobramentos possíveis, a depender, especialmente, das normas prestigiadas no
bojo do contrato social.
Naturalmente, cada uma destas situações enseja procedimento próprio e, não
obstante a relevância e recorrência do tema, a legislação não é exaustiva e detalhada ao
deles tratar, sendo assim necessário debruçar-se sobre as nuances societárias concer-
nentes à sucessão causa mortis do empresário, especialmente para avaliar o alcance e
dimensão da exegese legal do artigo 620, §1º do CPC – o que é, exatamente, o propósito
deste trabalho.
2. O FALECIDO COMO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL OU SÓCIO
Prevê a atual codif‌icação processual que, já na apresentação das primeiras de-
clarações – um dos atos iniciais do processo de inventário –, o juiz deve determinar
que se proceda “ao balanço do estabelecimento, se o autor da herança era empresário
individual” (art. 620, § 1º, I) e “à apuração de haveres, se o autor da herança era sócio
de sociedade que não anônima” (art. 620, § 1º, II).2
Antes de tudo, é imperioso af‌irmar que o citado art. 620, em seu § 1º, é um dis-
positivo ligado à avaliação, pois já se presume que o inventariante fez a arrecadação
respectiva aos assuntos ali tratados, a saber: (a) estabelecimento de que o autor da
herança é titular exclusivo (na qualidade de empresário individual) – inciso I; (b)
quotas societárias (que não seja sociedade anônima) – inciso II.
Em segundo lugar, a partir da divisão efetuada, é capital que se compreenda que
os incisos I e II do art. 620, § 1º, trabalham com duas situações bem distintas e que,
por isso, possuem desdobramentos próprios. Em exemplo mais f‌lagrante, no caso de
empresa individual, a avaliação irá ref‌letir apenas para os protagonistas do inventário,
enquanto que, no caso de titularidade de quotas de sociedade, a estimação ref‌lete nos
sócios remanescentes (que nem sempre serão seus herdeiros), pois a avaliação não
se faz setorizada à participação do falecido, senão da própria sociedade e, a partir de
tal, se projeta a participação societária do autor da herança.
O panorama justif‌ica que os temas sejam separados, não só para que peculia-
ridades possam ser enaltecidas, mas para se evitar junções de interpretações acerca
que questões sem ponto de contato.
2. Art. 620. Dentro de 20 (vinte) dias contados da data em que prestou o compromisso, o inventariante fará
as primeiras declarações, das quais se lavrará termo circunstanciado, assinado pelo juiz, pelo escrivão e
pelo inventariante, no qual serão exarados: [...] § 1º O juiz determinará que se proceda: I – ao balanço do
estabelecimento, se o autor da herança era empresário individual; II – à apuração de haveres, se o autor da
herança era sócio de sociedade que não anônima.

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