Cláusulas testamentárias para proteção de herdeiros menores

AutorLuciana Pedroso Xavier e Marília Pedroso Xavier
Páginas319-338
CLÁUSULAS TESTAMENTÁRIAS
PARA PROTEÇÃO DE HERDEIROS MENORES
Luciana Pedroso Xavier
Professora da graduação da Faculdade de Direito da UFPR. Doutora e Mestre em Direito
Civil pela UFPR. Diretora do Instituto Brasileiro de Direito Contratual – IBDCONT.
Advogada. Contato:luciana@pxadvogados.com.br
Marília Pedroso Xavier
Professora da graduação e da pós-graduaçãostricto sensuda Faculdade de Direito da
UFPR. Doutora em Direito Civil pela USP. Mestre e graduada em Direito pela UFPR.
Coordenadora de Direito Privado da Escola Superior de Advocacia do Paraná. Diretora
do Instituto Brasileiro de Direito Contratual – IBDCONT e do Instituto Brasileiro de
Direito de Família – IBDFAM/PR. Advogada. Contato:marilia@pxadvogados.com.br
[...] eu, muitas noites,
me debrucei sobre o teu berço e
verti sobre teu pequenino corpo adormecido
as minhas mais indefesas lágrimas de amor,
e pedi a todas as divindades que cravassem na
minha carne as farpas feitas para a tua [...]
Pedro, meu lho
Vinícius de Moraes
Sumário: 1. Introdução – 2. A tutela jurídica do menor no Brasil: do paradigma da situação irregular
para o sistema de proteção integral – 3. As capacidades e o direito sucessório – 4. A cláusula de
reconhecimento de liação – 5. Cláusulas testamentárias de caráter não patrimonial – 6. Nomea-
ção de tutor ou curador especial – 7. Cláusulas sobre seguro de vida – 8. Legado de alimentos ou
verba periódica – 9. Bem de família voluntário – 10. Direito real de habitação – 11. Usufruto – 12.
Fideicomisso – 13. Conclusão – 14. Referências
1. INTRODUÇÃO
O tema das cláusulas testamentárias para proteção de herdeiros menores está na
pauta do dia. As razões são várias. A primeira delas guarda relação com o contexto
contemporâneo. Na atualidade, o mundo experimenta os efeitos de uma pandemia
sem precedentes. A presença de Tânatos talvez nunca tenha sido tão sentida pela
sociedade. Com isso, a lembrança da f‌initude da vida é diariamente escancarada nos
rostos dos que atônitos anseiam por dias melhores calcados na esperança do advento
das vacinas.
LUCIANA PEDROSO XAVIER E MARÍLIA PEDROSO XAVIER
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Nesse sentido, Daniela Mucilo e Daniele Teixeira advertem que em tempos de
COVID-19 não há mais momento para postergar a elaboração de um planejamento
sucessório.1 Dentre as várias maneiras de levá-lo a efeito, o presente texto abordará
o clássico instituto do testamento.
Mas por qual razão os pais deveriam testar em favor dos f‌ilhos? A resposta en-
contra justif‌icativas de ordem jurídica e meta jurídica. Começaremos pela última com
amparo na epígrafe deste texto. Proteger a prole é um anseio atávico do ser humano,
está ligado ao desejo de perpetuação da vida e da própria família. Para muitos, o que
dá sentido à vida é deixar esse legado aos f‌ilhos para que sejam felizes, prosperem e
se realizem.
No que toca às questões de ordem jurídica, merece destaque o fato de que a
transmissão patrimonial aos f‌ilhos se dá de forma imediata após o falecimento dos
pais, estejam aqueles preparados ou não para gerir suas vidas patrimoniais. Conforme
ensina Giselda Hironaka, o famoso adágio francês le mort saisit le vif (o morto agarra
o vivo) dá origem ao chamado droit de saisine ou princípio de saisine. Com raízes no
medievo e extensões na contemporaneidade, esse princípio faz com que haja ime-
diata transmissão do patrimônio do de cujus para o de seus herdeiros ou legatários.2
Por essa razão, no momento em que ocorrer o falecimento do pai ou da mãe de
determinada criança ou adolescente, este será imediatamente considerado herdei-
ro e, por essa f‌icção jurídica, terá imediatamente transferido para si determinado
quinhão (independentemente de qualquer ato ou expediente para a regularização
formal do patrimônio).
Outro ponto que clama por uma proteção testamentária na contemporaneidade
é o fato de que as regras da sucessão legítima nem sempre estão em harmonia com
as necessidades de todas as famílias. Conforme explica Daniele Teixeira, o direito
sucessório brasileiro está em descompasso com a sociedade brasileira. Isso porque,
nas palavras da autora, “está baseado em uma família que não corresponde ao perf‌il
das famílias da atual sociedade”.3
Logo, nas famílias em que os pais deixam de exercer a autonomia privada para
amoldar os efeitos jurídicos causa mortis, há o risco de gerar frustração aos envol-
vidos, pois a regra prevista na lei pode não ser exatamente justa ou adequada para
aquela determinada realidade.
1. MUCILO, Daniela de Carvalho; TEIXEIRA, Daniele Chaves. COVID-19 e planejamento sucessório: não
há mais momento para postergar. In: NEVARES, Ana Luiza Maia; XAVIER, Marília Pedroso; MARZAGÃO,
Silvia Felipe (coord.). Coronavírus: impactos no direito de família e sucessões. Indaiatuba: Foco, 2020.
p. 333.
2. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Morrer e suceder: passado e presente da transmissão suces-
sória concorrente. São Paulo: Thomson Reuters Revista dos Tribunais, 2014. p. 317.
3. TEIXEIRA, Daniele Chaves. Autonomia privada e f‌lexibilização dos pactos sucessórios no ordenamento
jurídico brasileiro. In: MENEZES, Joyceane Bezerra de; TEPEDINO, Gustavo (coord.). Autonomia privada,
liberdade existencial e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Fórum, 2019. p. 464.

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