Multiparentalidade e direitos sucessórios: efeitos, possibilidades, limites

AutorRicardo Calderón e Karina Barbosa Franco
Páginas89-109
MULTIPARENTALIDADE
E DIREITOS SUCESSÓRIOS:
EFEITOS, POSSIBILIDADES, LIMITES
Ricardo Calderón
Doutorando e Mestre em Direito Civil pela Universidade Federal do Paraná – UFPR.
Pós-graduado em Direito Processual Civil e em Teoria Geral do Direito. Coordenador
de curso de pós-graduação da Academia Brasileira de Direito Constitucional. Diretor
Nacional do IBDFAM. Pesquisador do grupo de estudos e pesquisas de Direito Civil
“Virada de Copérnico”, vinculado ao Programa de Pós-graduação da Universidade
Federal do Paraná – PPGD-UFPR. Professor em diversas instituições. Advogado. Autor.
calderon@calderonadvogados.com.br.
Karina Barbosa Franco
Mestre em Direito Público pela UFAL. Professora Universitária. Membro do IBDFAM
e IBDCIVIL. Advogada. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Constitucionalização das
Relações Privadas (CONREP/UFPE).
Se o homem é imperfeito e as leis vigentes visam à perfeição, terão de se suceder umas
às outras como “um mal eterno” como está no Fausto, de Goethe .”
Orozimbo Nonato
Sumário: 1. Introdução – 2. Projeções sucessórias nas famílias multiparentais – 3. Demandas ar-
gentárias, abusivas ou mercenárias: quais as soluções possíveis? – 4. Um caso emblemático julgado
pelo superior tribunal de justiça – 5. Considerações nais – 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Uma das relevantes questões do direito de família contemporâneo é a discussão
sobre as projeções decorrentes dos casos de multiparentalidade:1 situações existen-
ciais nas quais uma pessoa possui vínculo de f‌iliação múltiplo (com três ascendentes
de primeiro grau concomitantes, por exemplo). Esta situação foi admitida no Brasil
recentemente, de forma jurisprudencial,2 a partir da Repercussão Geral n. 622 do
STF, sendo que até o momento ainda não há lei detalhando todas as suas consequ-
ências jurídicas.
Em vista disso, cabe novamente à doutrina e à jurisprudência confeccionar
as respostas para as diversas demandas correlatas que passaram a bater à porta do
1. Para ler mais sobre o tema: CALDERÓN, Ricardo. Princípio da afetividade no Direito de Família. 2. ed. rev.,
atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
2. Em especial a partir do julgamento da Repercussão Geral n. 622 pelo Supremo Tribunal Federal, ocorrido
em meados de 2016.
RICARDO CALDERÓN E KARINA BARBOSA FRANCO
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Poder Judiciário a partir do acolhimento da multiparentalidade, muitas delas de
difícil solução.
Um dos aspectos que vem suscitando muitas indagações diz respeito ao direito
sucessório nessas famílias múltiplas. Isto porque, o paradigma até então era uma pes-
soa ter dois ascendentes, herdando, portanto, de duas pessoas. O livro de sucessões do
Código Civil de 2002 foi editado sob este prisma biparental. Diante da possibilidade
de f‌iliação múltipla, algumas regras do direito sucessório são colocadas em xeque,
face a situação inovadora que passe a se apresentar.
Ao mesmo tempo, passaram a surgir situações nas quais um interesse exclusi-
vamente patrimonial acabaria por estabelecer uma situação existencial, com o risco
de uma excessiva patrimonialização das relações familiares, o que estaria causando
um certo espanto em parte da doutrina e da jurisprudência.
Neste particular, urge uma hermenêutica que parta das diretrizes constitucio-
nais, perpasse os dispositivos codif‌icados e leve em conta todas as peculiaridades da
situação fática subjacente, percurso que permitirá uma escorreita compreensão de
como pode se dar a sucessão nestas famílias multiparentais.
O presente trabalho visa discorrer sobre os principais ref‌lexos sucessórios des-
sas relações multiparentais, de modo a destacar os atuais pontos de consenso e de
dissenso na doutrina e na jurisprudência.
2. PROJEÇÕES SUCESSÓRIAS NAS FAMÍLIAS MULTIPARENTAIS
Após a admissão da multiparentalidade no direito brasileiro um questionamento
que surge quase de forma automática é o seguinte: nesses casos, haverá a possibilidade
de uma pessoa herdar mais de uma vez de pais e mães diferentes, como efeito jurídico no
âmbito sucessório? Hipoteticamente, um f‌ilho pode herdar de dois pais? Ou então um
f‌ilho que tenha dois pais e uma mãe reconhecidos e registrados, poderia herdar três vezes?
Estas questões são recorrentes a quem analisa o tema pela primeira vez.
Como visto, apesar da nossa legislação não tratar diretamente deste tema, cumpre
notar que não há no ordenamento jurídico norma que inviabilize o recebimento de
múltiplas heranças. Esta ausência de vedação é singular e permite que esta possibi-
lidade seja analisada mais a fundo.3
O direito constitucional à herança é cláusula pétrea (art. 5º, XXX) e decorre
diretamente da f‌iliação, não sendo diferente no caso da f‌iliação múltipla, haja vista
ser um “efeito natural e consequente de quaisquer dos ascendentes a favor do des-
cendente de primeiro grau.”4
3. Para ler mais sobre o tema: CALDERÓN, Ricardo; GRUBERT, Camila. Projeções sucessórias da multipa-
rentalidade. In: TEIXEIRA, Daniele (coord.). Arquitetura do planejamento sucessório. 2. ed. Belo Horizonte:
Fórum, 2019. p. 285-298.
4. CARVALHO, Luiz Paulo Vieira de; COELHO, Luiz Cláudio Guimarães. Multiparentalidade e herança: alguns
apontamentos. Revista IBDFAM: famílias e sucessões, Belo Horizonte, n. 19, p. 11-24, jan./fev. 2017. p. 20.

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