O fideicomisso: estrutura e função. devemos revitalizar o instituto?

AutorMário Luiz Delgado
Páginas363-389
O FIDEICOMISSO: ESTRUTURA E FUNÇÃO.
DEVEMOS REVITALIZAR O INSTITUTO?
Mário Luiz Delgado
Doutor em Direito Civil pela USP. Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC-SP.
Membro da Academia Brasileira de Direito Civil-ABDC. Presidente da Comissão de
Direito de Família e das Sucessões do Instituo dos Advogados de São Paulo – IASP.
Presidente da Comissão de Assuntos Legislativos do Instituto Brasileiro de Direito de
Família – IBDFAM. Advogado, professor e parecerista.
Sumário: 1. Notas introdutórias: as substituições testamentárias – 2. A substituição deicomissária;
2.1 A limitação do deicomisso pelo CC/2002; 2.2 Distinções entre deicomisso e deixa direta ao
concepturo e a inexistência de prazo certo para que seja concebido o deicomissário; 2.3 Distin-
ções entre deicomisso e usufruto; 2.4 Substituição compendiosa – 3. Propostas para revitalizar o
deicomisso; 3.1 Direito projetado; 3.2 Fideicomisso por ato inter vivos como forma de revitalizar
o instituto; 3.3 Fideicomisso, trust e planejamento sucessório – 4. Conclusões – 5. Referências.
1. NOTAS INTRODUTÓRIAS: AS SUBSTITUIÇÕES TESTAMENTÁRIAS
Na sucessão testamentária, um testador prevenido, ao instituir herdeiros ou
legatários facultativos,1 no exercício da sua liberdade testamentária, deve sempre
se atentar para a escolha dos respectivos substitutos, que receberão a liberalidade
no lugar daqueles, quando uns ou outros não quiserem, ou não puderem, aceitar a
herança ou o legado. Isso, claro, na hipótese de o disponente não preferir que os bens
integrantes da herança ou do legado prejudicados, sejam destinados aos herdeiros
legítimos, seguindo a ordem da vocação hereditária. Não havendo designação de
substitutos aos benef‌iciários do ato de última vontade, é de se presumir que o testador
“nomeou” substitutos os seus herdeiros legítimos, seguindo a previsão do art. 1.788
do Código Civil de 2002.
Substituição, portanto, é a disposição ou verba testamentária, por meio da qual
o testador chama, em lugar do herdeiro ou legatário, um substituto, para que assuma,
no todo ou em parte, as mesmas vantagens e ônus que caberiam à pessoa cuja vocação
cessou. Trata-se de uma manifestação de autonomia privada, em concretização ao
princípio da prevalência da vontade do testador.
1. Por força do princípio da intangibilidade da legítima, não é possível a nomeação de substituto para herdeiro
legitimário. Como bem explica Orosimbo Nonato, “se o herdeiro é meramente legítimo, nenhuma dúvida
poderá haver por que o testador poderá livremente instituí-lo ou excluí-lo da herança; e nomeando-lhe
substituto, entende-se que o instituiu em primeiro grau. Se, porém, o herdeiro é necessário, já não terá
o testador direito de nomear-lhe substituto para a legitima, porque sobre esta sua vontade não se exerce,
não lhe cabe direito de disposição” (NONATO, Orosimbo. Estudos sobre sucessão testamentária. v. I. Rio de
Janeiro: Forense, 1957. p.141).
MÁRIO LUIZ DELGADO
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Já apontava Felício dos Santos2, nos comentários ao seu célebre projeto de có-
digo civil, não haver
[...] quem não queira que seus bens depois da sua morte sejam distribuídos conforme suas afei-
ções, sentimentos lantrópicos ou religiosos. Pode acontecer que depois da morte do testador
não possam ou não queiram receber seus benefícios as pessoas lembradas no testamento, e nada
mais conforme à razão que lhe permitir substituí-las por outras.
Pode a substituição ser feita em qualquer espécie de testamento, público, parti-
cular ou cerrado e não exige o uso de fórmulas sacramentais. As formas sacramentais
foram há muito abolidas e nem mesmo o vocábulo f‌ideicomisso precisa constar do
testamento. Basta que o testador mencione a sucessividade da transmissão, dizendo
que por morte do primeiro benef‌iciário (f‌iduciário) os bens passarão para o segundo
(f‌ideicomissário).
O substituto é um personagem secundário, que somente sobe ao palco da
sucessão quando o protagonista (herdeiro ou legatário) não deseja (renunciante)
ou não pode (indignidade ou impedimento) suceder. Ele não é sucessor e se, nesta
situação, se lhe verif‌ica a morte, nada transmitirá aos seus próprios herdeiros, como
bem destaca, novamente, Orosimbo Nonato:
Nestas circunstâncias enquanto pende a condição, isto é, enquanto não chegue para o instituído
a possibilidade de aceitar a herança, ou porque lhe é deferida puramente ou porque aconteceu a
condição de que dependia pronunciar-se, não se abre para o substituto a sucessão. Mas, o direito
de substituir transmite-se aos herdeiros do substituto se o testador falece antes dele e antes de
recolher o instituído a liberalidade, ou melhor, antes de declarar sua aceitação.3
Ao assumir o lugar vago, o substituto recolherá a herança ou o legado na qua-
lidade de sucessor do de cujus, e não do substituído.
Existem várias modalidades de substituição: a substituição vulgar, as substitui-
ções pupilar e quase pupilar e a substituição f‌ideicomissária.
Na substituição vulgar, comum, ordinária ou direta, o testador elege outra
pessoa para tomar o lugar do herdeiro ou do legatário nomeado, “para o caso de um
ou outro não querer ou não poder aceitar a herança ou o legado, presumindo-se que
a substituição foi determinada para as duas alternativas, ainda que o testador só a
uma se ref‌ira.”4 O substituto é chamado a suceder em caráter alternativo no lugar do
primeiro nomeado, que não pôde ou não quis aceitar a herança ou o legado. Consiste,
assim, na designação pura e simples da pessoa que sucederá no lugar do primeiro
2. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto do Código Civil Brasileiro do Dr. Joaquim Felicio dos Santos precedido
dos atos of‌iciais relativos ao assunto e seguido de um aditamento contendo os Apontamentos do Código
Civil organizados pelo Conselheiro José Thomaz Nabuco de Araujo. Rio de Janeiro: Tipograf‌ia Nacional,
1882.
3. NONATO, Orosimbo. Estudos sôbre sucessão testamentária. v. I. Rio de Janeiro: Forense, 1957. p. 145.
4. Art. 1947, do Código Civil de 2002.

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