Critérios diferenciadores da doação e partilha em vida

AutorConrado Paulino da Rosa e Fernanda Rosa Coelho
Páginas251-268
CRITÉRIOS DIFERENCIADORES
DA DOAÇÃO E PARTILHA EM VIDA
Conrado Paulino da Rosa
Advogado especializado em Direito de Família e Sucessões. Pós-doutor em Direito
pela UFSC. Doutor em Serviço Social pela PUC-RS. Mestre em Direito pela UNISC,
com a defesa realizada na Università Degli Studi di Napoli Federico II, em Nápoles,
Itália. Professor da graduação e do mestrado em Direito da Fundação Escola Superior
do Ministério Público (FMP/RS). Coordenador da pós-graduação lato sensu em Família
e Sucessões EAD e presencial na FMP/RS. Presidente da Comissão Especial de Direito
de Família e Sucessões da OAB/RS (triênio 2019/2021). Membro da Diretoria Executiva
do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM/RS). Autor de livros sobre Direito
de Família, Sucessões e Mediação Familiar.
Fernanda Rosa Coelho
Advogada. Mestranda em Direito Processual pela Universidade de São Paulo (USP).
Pós-graduada em Direito de Família e Sucessões pela Fundação Escola Superior do
Ministério Público (FMP/RS). Graduada pela FMP. Pesquisadora do Grupo de Estudos
Família, Sucessões, Criança e Adolescente e Direitos Transindividuais, coordenado
pelo Prof. Dr. Conrado Paulino da Rosa, vinculado ao PPGD/FMP.
Sumário: 1. Introdução – 2. Noções preliminares e limitações ao planejamento sucessório; 2.1 Reser-
va da legítima; 2.2 Proibição do pacto sucessório (pacta corvina) – 3. Doação; 3.1 Restrições legais
à doação; 3.2 Possibilidades de doação; 3.3 Doação para ascendente, descendente e cônjuge – 4.
Partilha em vida – 5. Diferença entre a partilha em vida e a doação – 6. Conclusão – 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Não é novidade a ninguém, sobretudo aos operadores do Direito, a morosidade
que assola o Poder Judiciário desde há muito. Em se tratando de Direito Sucessório,
a demora na tramitação e conclusão dos inventários judiciais são latentes. Não por
acaso um dos processos mais longos da história do Brasil foi justamente um inven-
tário: o inventário do Comendador Domingos Faustino Correa, que faleceu em
1873, tendo a ação tramitado por cerca de 107 anos.1 Em tempo de tramitação esse
inventário talvez perca apenas para a disputa judicial acerca da posse do Palácio da
Guanabara, ajuizada em 1895 por Isabel de Orleans e Bragança (Princesa Isabel) que
1. O inventário do Comendador Domingos Faustino Correa conta com mais de 2,4 mil volumes de documentos
acondicionados em 520 caixas acomodadas em 13 estantes, que chegavam a encher uma sala inteira do Foro
de Rio Grande. Atualmente os arquivos históricos do processo encontram-se no Centro de Documentação
Histórica da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (Furg.). Cf. ANOREG. Inventário mais longo do
país agora é material de pesquisa. Disponível em: https://www.anoreg.org.br/site/2006/06/06/imported_6430/.
Acesso em: 19 set. 2020.
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teve seu término recentemente com o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal,
tramitando por 125 anos.2
Muito além das questões imensamente debatidas acerca da gestão de processos
pelo Poder Judiciário, que foge ao tema desse artigo, nos inventários judiciais muitas
vezes o grande motivador da sua exaustiva demora é o litígio entre os herdeiros. Na
maioria dos casos, inclusive, parece haver uma lógica simples, quase matemática:
quanto maior o patrimônio inventariado, maior a briga por ele e, assim, maior o
tempo de tramitação do processo.
Pensando nessa situação (ou complicação, melhor dizendo) pode-se fazer uso
de alguns instrumentos legais com a f‌inalidade de organizar a sucessão dos bens e
direitos em momento anterior ao falecimento, mitigando a possibilidade de litígios e
ainda atendendo, tanto quanto possível, a vontade da pessoa mesmo após sua morte.
Tem-se, aqui, o chamado planejamento sucessório. É normal, no entanto, que haja
muitas dúvidas acerca da melhor maneira de se realizar o planejamento sucessório,
sobretudo no que tange às diferenças entre os instrumentos disponíveis para exercer
tal função.
Nesse contexto, o presente artigo tem como objetivo analisar dois desses ins-
trumentos de planejamento sucessório, quais sejam, a doação e a partilha em vida,
traçando as características e distinções entre si. Para isso, ab initio, são apontadas
algumas linhas iniciais e preliminares acerca do planejamento sucessório e suas
limitações, notadamente no que diz respeito à reserva da legitima e à proibição do
pacto sucessório, o chamado pacta corvina. Ato contínuo, examina-se a doação e
seu regramento no ordenamento jurídico pátrio, suas restrições e possibilidades,
bem como os efeitos da doação praticada em favor de ascendente, descendente ou
cônjuge. Logo após, passa-se ao estudo da partilha em vida e do debate doutrinário
que ronda a sua aplicação e efetividade na prática forense. Por f‌im, verif‌ica-se quais as
principais diferenças entre os institutos em questão, a partir das análises realizadas,
apoiada também no entendimento jurisprudencial sobre o tema.
2. NOÇÕES PRELIMINARES E LIMITAÇÕES AO PLANEJAMENTO
SUCESSÓRIO
A morte certamente não é um dos temas mais populares entre nós, “o brasileiro
não gosta, em princípio, de falar a respeito da morte, e sua circunstância é ainda bas-
tante mistif‌icada e resguardada, como se isso servisse para ‘afastar maus f‌luidos e más
agruras’”.3 No entanto, para além das perdas afetivas e sentimentais que envolvem a
2. CONJUR. Supremo coloca f‌im a processo de 125 anos, iniciado pela Princesa Isabel. Disponível em: https://
www.conjur.com.br/2020-set-02/stf-poe-f‌im-processo-125-anos-iniciado-princesa-isabel. Acesso em: 19
set. 2020.
3. CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito das Sucessões. 3. ed. São
Paulo: Revista do Tribunais, 2007. p. 215. Complementam, os autores: “Assim, por exemplo, não se encontra
arraigado em nossos costumes o hábito de adquirir, por antecipação, o lugar destinado ao nosso túmulo

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