Sucessão na empresa: o problema das quotas de sociedades limitadas
Autor | Ana Frazão |
Páginas | 405-424 |
SUCESSÃO NA EMPRESA: O PROBLEMA DAS
QUOTAS DE SOCIEDADES LIMITADAS
Ana Frazão
Advogada e Professora-Associada de Direito Civil e Comercial da Faculdade de Direito
da Universidade de Brasília – UnB.
Sumário: 1. Introdução – 2. A dupla dimensão do conito que surge com a morte do sócio – 3.
Distinções entre modelos sucessórios conforme a natureza da sociedade – 4. Desaos da sucessão
causa mortis nas sociedades de pessoas – 5. A questão das sociedades limitadas: o problema da
sucessão nas sociedades híbridas – 6. A importância das soluções contratuais ex ante para equa-
cionar o conito sucessório nas sociedades limitadas – 7. Considerações nais – 8. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A morte de sócio, longe de ser um acontecimento banal, é evento que costuma
ser muito significativo na vida societária, já que normalmente deflagra delicado
conflito entre três diferentes polos de interesses: a própria sociedade, os sócios re-
manescentes e os sucessores.
Não obstante a importância e a recorrência do tema, a doutrina e a prática jurí-
dica nem sempre dão a devida atenção ao assunto. Do ponto de vista teórico, o tema
da morte de sócio fica frequentemente eclipsado por discussões mais abrangentes a
respeito da resolução da sociedade em relação ao sócio, sem ter suas peculiaridades
devidamente exploradas. Do ponto de vista da prática, é comum que os envolvidos
no conflito só percebam a extensão do problema depois do óbito, sem que tenham
feito qualquer tipo de planejamento.
Em se tratando das sociedades limitadas, o problema torna-se ainda maior, diante
do caráter híbrido que normalmente as caracteriza, o que faz com que as soluções
previstas pelo legislador para as sociedades de capitais e para as sociedades de pessoas
nem sempre sejam adequadas à sua realidade.
O resultado disso é a grande insegurança em relação ao assunto e a expressiva
litigiosidade que dele decorre, ainda mais em se tratando do tipo societário mais utili-
zado no Brasil. Como exemplo, podem ser citados pedidos de pensão alimentícia que
têm sido feitos a sociedades por viúvas e herdeiros,1 solução que é manifestamente
1. No julgamento da AC n. 9000094-05.2008.8.26.0100, o TJSP teve a oportunidade de acertadamente afirmar
que “a sociedade ou sócio remanescente não devem alimentos aos dependentes do sócio falecido.” (Rel.
Paulo Eduardo Razuk, julg. 27.8.2013). Todavia, o mesmo TJSP, no AG n. 041700-05.2013.8.26.0000 (Rel.
James Siano, julg. 08.5.2013), reformou a decisão que concedeu alimentos com base em outros fundamentos
que não a impossibilidade jurídica do pedido, como se verifica da ementa: “AGRAVO DE INSTRUMENTO.
Inconformismo contra decisão que nos autos de apuração de haveres deferiu pensionamento mensal da
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incompatível com a dinâmica da sucessão societária e que apenas pode se justificar
diante da ausência de planejamento sucessório e também do desconhecimento da
matéria.
É diante do contexto ora descrito que o presente artigo buscará tratar das conse-
quências da morte de sócio de sociedades limitadas, procurando apontar as principais
questões para a solução do problema.
2. A DUPLA DIMENSÃO DO CONFLITO QUE SURGE COM A MORTE DO
SÓCIO
A sucessão societária envolve aspectos distintos daqueles que estão presentes na
sucessão tradicional, cujo objetivo é a repartição de um patrimônio estático em favor
dos sucessores. Quando se trata de participações societárias, a sucessão tem como
objeto um patrimônio dinâmico, já afetado à determinada finalidade econômica,
tendo vinculações com a existência e a permanência da própria sociedade.
Por essa razão, a sucessão societária não diz respeito apenas à repartição do
patrimônio do falecido entre seus sucessores, mas envolve também outras ques-
tões significativas, como as relacionadas à manutenção da própria sociedade e
à necessária compatibilização entre os interesses dos sucessores e os dos sócios
remanescentes.
Daí o previsível conflito triangular que pode decorrer da morte do sócio, tendo
em vista que os interesses de cada um dos três polos – a sociedade, os sócios rema-
nescentes e os sucessores – podem ser muito divergentes. Acresce que o conflito
ainda apresenta, no que diz respeito ao seu conteúdo, pelo menos duas importantes
dimensões: a organizacional e a patrimonial.2
A dimensão organizacional diz respeito às consequências do ingresso dos su-
cessores na sociedade, o que é particularmente importante no contexto brasileiro,
diante do número expressivo de empresas familiares.3 Assim, envolve as questões
sobre (i) em que medida os atos constitutivos podem ou devem permitir tal solução,
(ii) em que situações, na omissão dos atos constitutivos, pode ocorrer a entrada dos
quantia de R$ 4.000,00 em prol da viúva meeira do de cujus a ser suportado pela empresa da qual o fale-
cido era sócio. Impossibilidade de se aferir a dimensão da sociedade empresária, a quota parte cabente ao
falecido, bem como a existência de mais bens a fazerem frente a eventual e futura compensação de valores.
Inexistência de notícia até mesmo quanto à origem da apuração de haveres. Pela ausência de tais elementos,
de melhor prudência se mostra a reforma da decisão a fim de se resguardar os direitos dos demais herdeiros.
Recurso provido.”
2. Não se quer, com tal classificação, afastar outras dimensões importantes do conflito, como a que o analisa
sob a perspectiva da gestão, aspecto de fundamental importância em situações nas quais o sócio morto é o
controlador, administrador ou principal gestor da sociedade ou tem papel considerado imprescindível para
a manutenção dos negócios sociais. As dimensões organizacional e patrimonial recebem ênfase no presente
artigo tão somente porque estão presentes em todas as sucessões, ao contrário da dimensão da gestão.
3. De acordo com Eduardo Goulart Pimenta e Maria Leitoguinhos de Lima Abreu (A conceituação jurídica
da empresa familiar. In: COELHO, Fabio; FERES, Marcelo. Empresa familiar. São Paulo: Saraiva, 2014. p.
50), há estatísticas que apontam que mais de 90% das sociedades brasileiras seriam familiares.
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