Jurisdição brasileira e lei aplicável à sucessão hereditária quando os bens deixados pelo falecido estão situados no brasil e no exterior

AutorNadia de Araujo, Lidia Spitz e Carolina Noronha
Páginas131-152
JURISDIÇÃO BRASILEIRA E LEI APLICÁVEL
À SUCESSÃO HEREDITÁRIA QUANDO OS BENS
DEIXADOS PELO FALECIDO ESTÃO SITUADOS
NO BRASIL E NO EXTERIOR
Nadia de Araujo
Sócia de Nadia de Araujo Advogados. Professora de Direito Internacional Privado,
PUC-Rio. Doutora em Direito Internacional, USP. Mestre em Direito Comparado,
George Washington University.
Lidia Spitz
Sócia de Nadia de Araujo Advogados. Professora de Direito Internacional Privado,
UFRJ. LL.M. em International Business Regulation, Litigation and Arbitration, NYU
School of Law. Doutora e Mestre em Direito Internacional, UERJ.
Carolina Noronha
Sócia de Nadia de Araujo Advogados. Mestre em Direito Internacional, UERJ.
Sumário: 1. Introdução – 2. Jurisdição em matéria de sucessão hereditária; 2.1 Os limites da juris-
dição nacional; 2.2 Pluralidade de juízos sucessórios quando o falecido deixa bens no Brasil e no
exterior; 2.3 Jurisdição brasileira quando a sucessão é aberta no exterior, mas há bens no Brasil; 2.4
Jurisdição brasileira quando a sucessão é aberta no Brasil, mas há bens no exterior – 3. Lei aplicável
em matéria de sucessão hereditária; 3.1 Lei aplicável quando os bens estão situados no Brasil; 3.2
Lei aplicável quando os bens estão situados no exterior – 4. Conclusão – 5. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O direito à herança é uma garantia fundamental prevista na Constituição da
República (Art. 5º, XXX1). Também chamada de monte ou massa, a herança consiste
no patrimônio transmitido causa mortis aos herdeiros do falecido, sendo justamente
esses herdeiros o foco da proteção constitucional.
Inexiste herança de pessoa viva, de modo que é somente com a morte que se opera
a transmissão hereditária, surgindo então o direito à herança. Enquanto a herança
é uma mera expectativa, o Código Civil veda expressamente os pactos sucessórios.2
Por ocasião da abertura da sucessão, isto é, no instante do óbito, os herdeiros passam
1. Art. 5º, XXX, da Constituição da República: “é garantido o direito à herança”.
2. O Código Civil dispõe expressamente em seu art. 426 que “não pode ser objeto de contrato a herança de
pessoa vida”.
NADIA DE ARAUJO, CAROLINA NORONHA E LIDIA SPITZ
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a ser qualif‌icados como legítimos, aqueles que recebem o quinhão por força de lei, e
testamentários, que sucedem em decorrência de disposição em testamento.
Quando a sucessão causa mortis envolve elementos puramente internos, é ine-
quívoca a jurisdição brasileira para processar o inventário e realizar a partilha dos
bens deixados pelo falecido entre os seus herdeiros. Igualmente, quando todas as
circunstâncias apontam para o ambiente doméstico, é a lei brasileira – em particular
os arts. 1.784 e seguintes do Código Civil – que regulará exclusivamente a questão.
Sendo assim, sempre que uma pessoa domiciliada no Brasil vier a aqui falecer, dei-
xando todos os seus bens nesse país, a transmissão de seu conjunto patrimonial aos
seus herdeiros não ensejará a atuação da Justiça estrangeira e tampouco a aplicação
de qualquer lei estranha ao ordenamento brasileiro.
No entanto, a situação é consideravelmente mais complexa quando a sucessão
envolve elementos internacionais, podendo-se vislumbrar dois grandes grupos de
hipóteses distintas. Em primeiro lugar, temos as situações em que o sujeito domici-
liado no Brasil falece aqui, mas deixa bens no exterior. Em segundo lugar, temos os
casos que ref‌letem o outro lado dessa moeda, em que a pessoa domiciliada no exterior
morre naquele país, mas deixa bens no Brasil.
Em todos esses cenários, duas questões antecedentes e fundamentais precisam
ser enfrentadas. A primeira envolve os limites da jurisdição brasileira para decidir
a sucessão no caso em concreto. Qual é a autoridade judiciária competente para
processar o inventário e a partilha? A segunda questão diz respeito à determinação
da lei aplicável para regular a sucessão hereditária. Qual é a lei que determina quem
são os herdeiros do de cujus e rege seus direitos sucessórios?
O manejo das regras de direito internacional privado brasileiro é fundamental
para responder a essas duas questões. As regras sobre a jurisdição internacional
constam do Código de Processo Civil, notadamente do art. 23, II. Já no que concer-
ne à determinação da lei aplicável, ao menos parte da resposta deve ser extraída do
Brasileiro (“LINDB”3), adiante analisados.
Ocorre que a despeito dos dispositivos legais traçarem um norte quanto às regras
aplicáveis à transmissão mortis causa envolvendo aspectos internacionais, fato é que
os casos em que o de cujus deixa bens em mais de um Estado representam um enorme
desaf‌io aos operadores do Direito. De um lado, os magistrados se veem obrigados a
decidir sobre os limites de sua jurisdição e a lidar com a incidência de leis estranhas
à sua usual atuação. De outro lado, não menos laborioso, os advogados são cobrados
pelos (supostos) herdeiros do falecido para que haja a individualização do respectivo
monte da forma mais célere e menos onerosa possível.
Em nossa prática, temos acompanhado de perto o aumento considerável de
sucessões hereditárias com aspectos internacionais. Esta é a realidade de um mundo
3. Decreto-Lei n. 4.657/1942, tendo sido a denominação alterada pela Lei n. 12.376/2010.

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