Da receptação (Previsão legal: art. 180)

AutorFrancisco Dirceu Barros
Ocupação do AutorProcurador-Geral de Justiça
Páginas1419-1436
Tratado Doutrinário de Direito Penal
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Art. 180
1. Conceito do delito de receptação simples
O delito consiste no fato de o sujeito ativo adquiri r,
receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito
próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime,
ou in uir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba
ou oculte.
Paulo José da Costa Júnior leciona que se trata
de crime autônomo, que tem como pressuposto um
crime anterior. Como escreve Manzini, a receptação
chegou a ser considerada cumplicidade a posteriori
existente no crime de furto. Absurdo que alguém
pudesse ser considerado partícipe de um crime já
realizado, não se podendo conceber a causa como
posterior ao efeito. A atividade do receptador advém
quando esgotado o processo executivo do crime, ou
seja, quando a causa determinante do crime-base
se mostra inerte.4270
DIVISÃO DIDÁTICA
De forma didática podemos dividir o delito acima
conceituado em dois:
a) Receptação dolosa própria: consiste no fato de o
sujeito ativo adquirir, receber, transportar, conduzir
ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa
que sabe ser produto de crime.
b) Receptação dolosa imprópria: consiste no fato de
o sujeito ativo in uir para que terceiro, de boa-fé,
a adquira, receba ou oculte.
CURIOSIDADE INTERESSANTE
Algo interessante ocorre na receptação imprópria,
pois a conduta “in uir” geralmente seria punida em
4270 Comentários ao Código Penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 613.
nível de participação, mas, no caso em comento,
estamos diante do núcleo da  gura típica; portanto,
o agente ativo responderá como autor.
2. Análise didática do tipo penal
2.1. A receptação quali cada
Consiste no fato de o sujeito ativo adquirir, receber,
transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmon-
tar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou
de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou
alheio, no exercício de atividade comercial ou indus-
trial, coisa que deve saber ser produto de crime.
Equipara-se à atividade comercial, para efeito
do item 2.1, qualquer forma de comércio irregular
ou clandestino, inclusive o exercido em residência.
Greco4271 anota um elemento importante da previ-
são constante no art. 180, § 2º, acrescida pela lei
nº 9.426/96: “A origem dessa inserção deveu-se,
basicamente, às hipóteses de desmanches clan-
destinos de veículos, tão comuns nos dias de hoje.
Sua  nalidade foi ampliar o conceito de atividade
comercial ou industrial, abrangendo qualquer forma
de comércio, mesmo os irregulares ou clandestinos,
ainda que praticados em residência. Com essa última
indicação, buscou-se amoldar também ao compor-
tamento típico as conhecidas “o cinas de fundo de
quintal”, cujas atividades ilícitas são levadas a efeito
na própria residência do agente.”
INDAGAÇÃO PRÁTICA
Obs.: Agora você já pode resolver esta questão
elaborada do contexto prático forense: Existe a
guradareceptaçãodolosaqualicadanoCódigo
Penal?
4271 GRECO, Rogério. Ob. cit. Capítulo VII.
Capítulo 24
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2.2. A receptação culposa
Consiste no fato de o sujeito ativo adquirir ou
receber coisa que, por sua natureza ou pela des-
proporção entre o valor e o preço, ou pela condição
de quem oferece, deve se presumir obtida por meio
criminoso. Sanches4272 anota, com razão, que tais
circunstâncias não são cumulativas.
Ensinam os professores André Estefam e Pedro
Campos4273 que a condição do ofertante também
pode indicar ser o bem produto de crime quando,
v.g., tal pessoa for totalmente desconhecida do
agente, aparentar não ter condição nanceira
para a aquisição legítima do bem, etc.
2.3. O perdão judicial na receptação
Na receptação culposa, se o criminoso é
primário, pode o Juiz, tendo em consideração as
circunstâncias, deixar de aplicar a pena.
2.4. A receptação privilegiada
Na receptação dolosa, aplica-se o disposto
no § 2o do art. 155, ou seja: “Se o criminoso é
primário, e é de pequeno valor a coisa furtada,
o Juiz pode substituir a pena de reclusão pela
de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou
aplicar somente a pena de multa”. É a chamada
receptação privilegiada.
2.5. A receptação e o concurso de pessoas
A receptação é punível, ainda que desconhe-
cido ou isento de pena o autor do crime de que
proveio a coisa.
Neste sentido, o seguinte julgado do STF:
‘HABEAS CORPUS’. RECEPTAÇÃO. ALEGAÇÃO DE
FALTA DE JUSTA CAUSA, PARA A AÇÃO PENAL,
PORQUE O BEM RECEPTADO FORA SUBTRAIDO
POR MENOR INIMPUTAVEL. CRIME AUTÔNOMO
A RECEPTAÇÃO, E PUNÍVEL AINDA QUE DESCO-
NHECIDO OU ISENTO DE PENA O AUTOR DO CRIME
DE QUE PROVEIO A COISA RECEPTADA. CÓDIGO
PENAL, ART. 180, PARÁGRAFO 2. RECURSO DES-
PROVIDO. (STF - RHC: 64066 SP, Relator: NÉRI DA
SILVEIRA, Data de Julgamento: 17/06/1986, PRIMEIRA
TURMA, Data de Publicação: DJ 26-02-1988 PP-
03190 EMENT VOL-01491-01 PP-00152)
4272 CUNHA, Rogério Sanches. Ob. cit. p. 380.
4273 ESTEFAM, André e CAMPOS, Pedro Franco de. Direito
Penal. v. 3. São Paulo: Saraiva, 2006.
2.6. A receptação e a penalidade em dobro
Consoante alteração realizada o artigo 180, § 6º
do Código Penal, pela lei nº 13.531, de 07 de de-
zembro de 2017.
“Tratando-se de bens do patrimônio da União, de Estado,
do Distrito Federal, de Município ou de autarquia, funda-
ção pública, empresa pública, sociedade de economia
mista ou empresa concessionária de serviços públicos,
aplica-se em dobro a pena prevista no caput deste artigo.”
Os bens da Empresa de Correios e Telégrafos (ECT) —
empresa pública prestadora de serviços públicos equipa-
rada à Fazenda Pública — recebem o mesmo tratamento
dado aos bens da União. Precedentes. A aplicação da
causa de aumento do § 6º do art. 180 do CP, quando
forem objeto do crime de receptação bens da ECT, não
implica interpretação extensiva da norma penal, mas ge-
nuína subsunção dos fatos ao tipo penal, uma vez que
os bens da ECT afetados ao serviço postal compõem o
próprio patrimônio da União. [STF HC 105.542, rel. min.
Rosa Weber, j. 17-4-2012, 1a T, DJE de 14-5-2012.]
CURIOSIDADE INTERESSANTE
O STF já decidiu que o simples fato de alguém
não saber explicar a procedência das coisas que te-
nha em seu poder de modo nenhum tipica o ilícito
da receptação.4274 Contudo, torna-se recomendável
não confundir com o atuar do comerciante legalmen-
te estabelecido, que sempre corre o risco pela natu-
reza de seu comércio (v.g.: o antiquário Caio adquire
do padre “Tício” uma imagem barroca, passando re-
cibo, quando depois é comunicado de que “Tício” a
subtraíra de sua igreja). É comum na vida forense o
acusado alegar que recebeu a coisa como garantia
de dívida, o que não ilide a censura da atitude frente
ao Direito (v.g.: Caio furta um relógio e solicita a “Tí-
cio” determinada importância em dinheiro, ofertan-
do a res furtiva como garantia). Assim, o atuar só é
merecedor de reprovabilidade ético-jurídica quando
a falta de atenção se deve a defeitos da atitude inter-
na, pelo dever que temos de harmonizar a vontade
consciente com as normas do ordenamento jurídico
visando evitar a tempo a lesão ao objeto jurídico.4275
4274 Nesse sentido: STF, RHC 49.428, REL. Min, Luiz Galloti,
julg. Em 30/11/1971, RTJ 60/401.
4275 No mesmo sentido: COSTA, Álvaro MAYRINK da. Direito Pe-
nal, Parte Especial. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 1.160.
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