A inteligência artificial aplicada ao marketing e a lei geral de proteção de dados (LGPD): perspectivas sobre a responsabilidade civil no tratamento de dados pessoais para delineamento do perfil do consumidor

AutorSabrina Jiukoski da Silva e Thatiane Cristina Fontão Pires
Ocupação do AutorDoutoranda e mestra em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)/Doutoranda e mestra em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Páginas459-476
A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL APLICADA AO
MARKETING E A LEI GERAL DE PROTEÇÃO
DE DADOS (LGPD): PERSPECTIVAS SOBRE A
RESPONSABILIDADE CIVIL NO TRATAMENTO
DE DADOS PESSOAIS PARA DELINEAMENTO DO
PERFIL DO CONSUMIDOR
Sabrina Jiukoski da Silva
Doutoranda e mestra em Direito pelo Pro grama de Pós-Graduação em Direito da
Uni versidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora Substituta de Direito Civil
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Bolsista CNPq. Membro do Grupo
de Pesquisa de Direito Civil Contem porâneo e do Instituto Brasileiro de Estudos de
Responsabilidade Civil (IBERC).
Thatiane Cristina Fontão Pires
Doutoranda e mestra em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). LL.M. em andamento na Universidade
de Maastricht (Holland-High Potential Scholarship). Membro do Grupo de Pesquisa
de Direito Civil Contemporâneo.
Sumário: 1. Introdução – 2. A inteligência articial aplicada às estratégias de marketing e o processo
de perlização – 3. LGPD e a responsabilidade civil do uso de aplicação de inteligência articial
no delineamento do perl do consumidor – 4. Considerações nais – 5. Referências bibliográcas.
1. INTRODUÇÃO
O avanço tecnológico mudou signif‌icativamente o hábito de compra dos consu-
midores. Pouco tempo atrás, era necessário dirigir-se às lojas físicas para a aquisição
de bens e serviços. Para tanto, as possíveis inf‌luências externas para o ato de consumo
eram propagandas realizadas nas mídias tradicionais. Na contemporaneidade, porém,
o consumidor sequer precisa sair de casa para adquirir um produto ou serviço e,
antes de tudo, utiliza-se de plataformas de busca, como Google, para pesquisar qual
fornecedor tem o produto ou serviço mais indicado para as suas necessidades. Não
satisfeito, consulta redes sociais, como YouTube, Instagram ou Facebook, para saber a
opinião de outros consumidores, blogueiros e famosos acerca do produto escolhido
para, então, tomar sua decisão.
Se na era pré-internet o obstáculo comercial era físico, diante da necessidade
de aproximação entre os consumidores e os fornecedores, atualmente, todos os
serviços, produtos e outros bens da informação podem ser acessados virtualmente.
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Nesse contexto, conforme Pedro Domingos, a dif‌iculdade comercial passou a ser a
previsão dos “cliques”.1
Por conseguinte, as estratégias de marketing também passaram por uma mudança
de paradigma. O foco empresarial migrou das mídias tradicionais para o ambiente
virtual e passou a ser, sobretudo, o perf‌il comportamental do consumidor.2 Entender
o público-alvo, as características demográf‌icas, o comportamento econômico para
expandir as vendas, ref‌inar produtos e preços, padronizar entregas e fornecer o link
perfeito para cada tipo de usuário são, hoje, objetivos prementes do marketing, o
que só se torna possível com o auxílio dos algoritmos3 de Inteligência Artif‌icial (IA).
Notável é o progresso proporcionado pelos algoritmos de IA ao marketing
empresarial, posto que, em maior ou menor grau, essa tecnologia possibilita que
programas de computador, em tempo real e em larga escala, por si próprios, passem
a def‌inir comportamentos humanos individuais ou de grupo – com base na análise
do grande volume de dados pessoais deixados pelos usuários-consumidores no am-
biente virtual – e direcionar campanhas publicitárias em conformidade com os dados
tratados, atingindo resultados que seus criadores não eram capazes de alcançar.4
Esses sistemas são, hoje, classif‌icados como semiautônomos, na medida que
ainda possuem supervisão direta de seus programadores. Todavia, os sistemas de
IA, sejam eles supervisionados ou não, têm o potencial de operar e decidir de forma
verdadeiramente autônoma, ou seja, sem o aval ou, até mesmo, o conhecimento de
seus programadores. E essas ações independentes dos sistemas de IA trazem novos
desaf‌ios jurídicos e, portanto, demandam soluções de forma premente.5
1. DOMINGOS, Pedro. O algoritmo mestre. Trad. Aldir José Coelho Corrêa da Silva. São Paulo: Novatec, 2017,
p. 34.
2. TORRES, Cláudio. A bíblia do marketing digital: tudo o que você precisa saber sobre marketing e publici-
dade na internet e não tinha a quem perguntar. 2. ed. São Paulo: Novatec, 2019. Cumpre consignar que o
marketing engloba todas as composições criativas para se alcançar clientes e vendas, como infere-se: “[...]
quando falamos em marketing, não se iluda, estamos falando também de vendas, de atrair novos clientes,
de f‌idelizar os atuais, enf‌im, de fazer negócios. Como algumas empresas dividem as áreas de marketing e
vendas em dois departamentos, muitas pessoas acabam criando a ideia equivocada de que são duas coisas
distintas. Na verdade, vendas é parte do marketing. É um de seus resultados, mas não o único. Vender com
rentabilidade, f‌idelizar clientes, expandindo o negócio e valorizando a marca no mercado, essa é uma das
funções do marketing.” (TORRES, 2019, p. 65).
3. Em síntese, “um algoritmo é uma sequência de instruções que informa ao computador o que ele deve fazer”
(DOMINGOS, 2017, p. 24).
4. A exemplo, Netf‌lix, Amazon Prime e Disney+ utilizam algoritmos de IA para analisar dados como avaliações
de f‌ilmes, compartilhamento nas redes sociais e histórico de f‌ilmes assistidos nas plataformas, para reco-
mendar novos títulos aos assinantes, assim como entender por que as pessoas são emocionalmente atraídas
por alguns conteúdos e por outros não (MACIEL, Rui. Serviços como Netf‌lix querem usar a IA para criar uma
conexão emocional com você, 2019). As redes varejistas, como Renner e Target, estão utilizando os algoritmos
de IA para analisar o hábito de compra dos consumidores e tornar mais personalizada a venda de produtos
em suas lojas (LOTUFO, Érico. Com inteligência artif‌icial, Renner quer “prever” venda de produtos, 2020; e
TARGET: entenda como a loja monitora o comportamento do consumidor, 2020).
5. Para ilustrar, esse receio de lacunas de responsabilidade é uma das razões que levaram o Parlamento Europeu
a aprovar, em 20 de outubro de 2020, uma resolução que inclui uma “Proposta de Regulamento do Parla-
mento Europeu e do Conselho sobre a responsabilidade pelo funcionamento de Sistemas de inteligência
artif‌icial”. Essa proposta coloca mais pressão sobre a Comissão, que, com base no relatório apresentado pelo
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