A responsabilidade civil pelos riscos do desenvolvimento nas relações de consumo e o contexto da pandemia covid-19

AutorCaroline Vaz
Ocupação do AutorDoutora em Direito pela Universidade de Zaragoza
Páginas339-354
A RESPONSABILIDADE CIVIL PELOS RISCOS
DO DESENVOLVIMENTO NAS RELAÇÕES DE
CONSUMO E O CONTEXTO DA PANDEMIA
COVID-19
Caroline Vaz
Doutora em Direito pela Universidade de Zaragoza.
Promotora de Justiça MPRS.
Sumário: 1. Contextualização do risco na sociedade contemporânea; 1.1 O paradoxo desenvol-
vimento/risco; 1.2 Denição dos riscos do desenvolvimento – 2. Riscos do desenvolvimento nas
relações de consumo – 3. As reexões sobre a responsabilidade pelos riscos do desenvolvimento no
CDC e as vacinas contra a Covid-19; 3.1 Responsabilidade civil no CDC e direitos fundamentais;
3.2 As vacinas contra a Covid-19 e a aplicação da responsabilidade civil do CDC – 4. Considerações
nais – 5. Referências bibliográcas.
1. CONTEXTUALIZAÇÃO DO RISCO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
1.1 O paradoxo desenvolvimento/risco
Dentre tantas consequências dos avanços tecnológicos algumas afetam preju-
dicialmente os seres humanos nos seus direitos mais elementares, como a saúde e a
própria vida. Não se desconhecem, por outro lado, os ref‌lexos positivos que as novas
descobertas científ‌icas trazem à sociedade, mas o paradoxo desenvolvimento/danos
tem sido constante.
Essa realidade gera tamanha incerteza que a sociedade resta por vezes incrédula
quando submetida a experimentar novos medicamentos, substâncias ou tratamentos
que podem ser considerados benéf‌icos para a cura de doenças ou para a melhoria
da qualidade de vida.
É certo também que tais avanços não se descolam do contexto de risco no qual
estamos inseridos no atual quadrante histórico e, nesse sentido, “a gestão dos riscos
passou a ser uma das preocupações de governos e agências internacionais desde o
século XX. Porém, nem sempre as ações se orientam sobre uma matriz ref‌lexiva,
que aponte as diferentes interpretações sobre o risco e suas causas”, como af‌irmam
Zanirato, Ramires, Amicci, Zulimar e Ribeiro.1
1. ZANIRATO, Silvia Helena et al. Sentidos do risco: interpretações teóricas. Biblio 3W, Revista Bibliográf‌ica
de Geografía y Ciencias Sociales, Barcelona, v. 13, n; 785, 25 mayo 2008. Disponível em: http://www.ub.es/
geocrit/b3w-785.htm.
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Assim, importante partir da análise do risco para que se possa compreender
seus contornos e abordagens jurídicas, para além da econômica, social entre outras
que permeiam o interesse no tema.
Segundo Rafaelli Di Giorgi, “a análise do risco na sociedade contemporânea
pode ter a função de racionalizar o medo [...] o tema do risco tornou-se objeto de
interesse e preocupação da opinião púbica quando o problema da ameaça ecológica
permitiu a compreensão de que a sociedade produziria tecnologias que poderiam
acarretar danos incontroláveis”.2
O mesmo autor traz duas alternativas de tratamento do risco, segundo ele,
consequência da verif‌icação de que a segurança é um artefato em que não se pode
conf‌iar. A primeira seria
tratar o risco como uma condição existencial, o resultado de uma condenação à liberdade, que
explicava a insegurança como o reexo de caráter arriscado da existência. [...] a outra trata da
hipótese da segunda modernidade, também chamada de contra-modernidade ou sociedade de
risco. [...] a sociedade sob o domínio absoluto da modernização da indústria [...] esta sociedade
começa aí onde falham pela sua incapacidade de controlar as ameaças que provêm das decisões.
Tais ameaças são de natureza ecológica, tecnológica, política, e as decisões são resultado de
relações que derivam da racionalidade universal.3
Di Giorgi arremata concluindo que “o risco não é nem uma condição existencial
do homem, muito menos a categoria ontológica de sociedade moderna [...] é uma
modalidade de relação com o futuro: é uma forma de determinação das indetermi-
nações segundo a diferença de probabilidade/improbabilidade”.4
Por essa abordagem, compreende-se o fenômeno como algo real, que faz parte
da própria existência humana. Contudo, Ortwin Renn esclarece que pode ter uma
heterogeneidade de sentidos. Para melhor compreendê-lo há que se fazer uma análise
sistemática de seus variados signif‌icados, sendo que explica o risco na perspectiva
técnico-científ‌ica e cultural. Segundo ele, “as análises técnicas são compreendidas
como espelho da relação entre observação e realidade e não consideram que as causas
dos danos e a magnitude das consequências sejam ambas mediadas pelas experiências
e interações sociais.”5
Assim, os aspectos que ref‌letem na saúde da sociedade, notadamente em
relação aos consumidores no momento de fazerem suas escolhas ao comprar
um produto ou contratar um serviço, merecem ref‌lexões e debates não só no
universo jurídico.
2. DI GIORGI, Raffaele. Direito, democracia e risco: vínculo com o futuro. Porto Alegre: Fabris, 1998. p. 194.
3. DI GIORGI, 1998, p. 196.
4. Ibid., p. 197.
5. RENN, Ortwin. Concepts of risk. In: KRIMSKY, S., GOLDING, D. (Eds.). Social theories of risk. Westport:
Praeger, 1992. p. 61.
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