Obsolescência pro gramada: entre a legalidade e a abusividade da conduta (not as a part ir das decisões do STJ)

AutorFernanda Schaefer e Frederico E. Z. Glitz
Ocupação do AutorPós-Doutorado no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Bioética da PUC-PR, bolsista CAPES/Advogado
Páginas3-19
OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA: ENTRE A
LEGALIDADE E A ABUSIVIDADE DA CONDUTA
(NOTAS A PARTIR DAS DECISÕES DO STJ)
Fernanda Schaefer
Pós-Doutorado no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Bioética da PUC-PR,
bolsista CAPES. Doutorado em Direito das Relações Sociais na Universidade Federal do
Paraná, curso em que realizou Doutorado Sanduíche nas Universidades do País Basco
e Universidade de Deusto (Espanha) como bolsista CAPES. Professora do UniCuritiba.
Assessora Jurídica CAOP Saúde MPPR. Contato: ferschaefer@hotmail.com.
Frederico E. Z. Glitz
Advogado. Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Fede-
ral do Paraná. Professor de Direito Internacional Privado. Professor do UniCuritiba.
Componente da lista de árbitros da Câmara de Arbitragem e Mediação da Federação
das Indústrias do Paraná (CAMFIEP) e da Câmara de Mediação e Arbitragem do Brasil
(CAMEDIARB). Presidente da Comissão de Educação da OAB-PR. frederico@frede-
ricoglitz.adv.br.
Sumário: 1. Introdução – 2. Obsolescência programada (ou planejada) – 3. Consumismo x con-
sumo sustentável: é possível conciliar? – 4. Obsolescência programada como prática abusiva – 5.
Obsolescência programada: análise da recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – 6.
Considerações nais – 7. Referências bibliográcas
1. INTRODUÇÃO
O documentário The Light Bulb Conspiracy (A Conspiração da Lâmpada) apre-
senta, entre outros,1 o famoso caso da lâmpada Livermore, acesa em rede americana
de 110V desde 1901.2 O caso representa como um produto que poderia ter sua vida
extremamente longa, teve sua durabilidade propositadamente reduzida pela indústria
(em 19203) a f‌im de garantir o consumo alto e frequente. E esse talvez seja um dos
mais antigos exemplos da obsolescência programada como estratégia de mercado
e enquanto conceito que se confunde com o próprio desenvolvimento industrial.
1. São exemplos de produtos que poderiam durar muito mais, não fosse a pressão que sofreram para ter sua
durabilidade reduzida: as meias de nylon; os primeiros modelos dos carros Ford; impressoras a jato de tinta
que travam o uso após atingir o máximo de folhas impressas previstas pelo fabricante ou os mais recentes
smartphones que impedem a atualização de sistemas operacionais e/ou de aplicativos em suas versões mais
antigas.
2. Para assistir o funcionamento da lâmpada ao vivo, acesse: https://www.centennialbulb.org/photos.htm.
Acesso em: 20 jun. 2021.
3. Segundo o documentário, em 1920, em Genebra, fabricantes do mundo inteiro se reuniram (Cartel Phoebus)
e determinaram que as lâmpadas deveriam durar 1.000 horas.
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FERNANDA SCHAEFER E FREDERICO E. Z. GLITZ
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Com base em um discurso sedutor que promete emprego, prosperidade, acesso
a um número cada vez maior de bens de consumo e crescimento econômico a obso-
lescência programada faz hoje parte do modelo de produção e distribuição de grande
parte da indústria. O imediatismo do consumo, a obsolescência, as frustrações geradas
pelo ‘não ter’, chegaram a níveis nunca vivenciados e as preocupações decorrentes
desses comportamentos apresentam-se cada vez mais presentes.
As novas fases da Revolução Industrial vivenciadas no século XX intensif‌ica-
ram o consumo para além de um direito, passando a substituí-lo por desejos que
rapidamente são trocados por novas cobiças e ambições. A publicidade se encarrega
de vincular a satisfação pessoal à satisfação daquele desejo e, assim, encurta-se pro-
positadamente o ciclo de vida de produtos e serviços para que novas vontades sejam
diariamente criadas. Se para alguns economistas e fornecedores esses movimentos se
justif‌icam, toda essa efemeridade gerada pelo hiperconsumo acaba impactando não
apenas no meio ambiente, mas nas próprias relações sociais criando uma sociedade
ansiosa por ‘inovação’.
É nesse cenário e às portas da nova Revolução Industrial (4.0) que o presente
trabalho, sem pretensão de esgotar o tema, a partir de pesquisa normativa, jurispru-
dencial e bibliográf‌ica, recortada segundo a perspectiva brasileira, procura discutir a
relação entre a obsolescência programada e as noções de sustentabilidade investigando
os necessários limites a essa prática e eventual caracterização como prática abusiva.
2. OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA (OU PLANEJADA)
Conceito desenvolvido após a grande crise econômica de 19294 e que se popu-
larizou na década de 1950 (com Brooks Stevens), como mecanismo de recuperação
econômica, a obsolescência programada (ou planejada), chegou ao século XXI como
marca registrada do consumo em excesso, irref‌letido, exagerado, movido por desejos
e não por necessidades, estabelecendo seus fundamentados até mesmo como parte
de políticas públicas (vide, por exemplo, o American way of life). Em algum sentido,
pode-se dizer que a prática se naturalizou ao ponto de se tornar quase imperceptível
(ASSUMPÇÃO, 2017, p. 147), conduzindo e formatando as decisões de consumo.
A obsolescência programada refere-se à redução ou limitação planejada da
vida útil de um produto ou serviço, criando necessidade de sua substituição sem,
no entanto, permitir ao consumidor imputar essa necessidade à baixa qualidade do
bem ou a um comportamento proposital do fornecedor. São estratégias que buscam
incentivar o consumo contínuo de bens, descartando-os sem ter esgotado sua po-
tencialidade ou uso e, ao mesmo tempo, diluindo a responsabilidade do fornecedor
pelo incentivo ao consumo muitas vezes irracional e insustentável.
4. Embora possam ser encontradas notícias de que a prática já havia sido identif‌icada e era utilizada desde o
início do século XIX, o fenômeno ganha visibilidade e passa a ser estudado a partir do primeiro quarto do
século XX.
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