A responsabilidade civil por vícios construtivos para além do código civil e do código de defesa do consumidor

AutorCarlos Edison do Rêgo Monteiro Filho e Nelson Rosenvald
Ocupação do AutorProfessor Titular de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro ? UERJ (graduação, mestrado e doutorado)/Professor do corpo permanente do Doutorado e Mestrado do IDP/DF
Páginas173-190
A RESPONSABILIDADE CIVIL POR VÍCIOS
CONSTRUTIVOS PARA ALÉM DO CÓDIGO CIVIL
Carlos Edison do Rêgo Monteiro Filho
Professor Titular de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ
(graduação, mestrado e doutorado). Ex-coordenador do Programa de Pós-Graduação
em Direito da UERJ. Doutor em Direito Civil e Mestre em Direito da Cidade pela UERJ.
Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Vice-presidente do Instituto Brasileiro de Es-
tudos de Responsabilidade Civil (IBERC). Associado Fundador do Instituto Avançado
de Proteção de Dados (IAPD). Membro da Comissão de Direito Civil da Ordem dos
Advogados do Brasil – Seccional do Rio de Janeiro (OAB/RJ), do Instituto Brasileiro
de Direito Civil (IBDCivil) e do Comitê Brasileiro da Association Henri Capitant des
amis de la culture juridique française (AHC-Brasil). Sócio fundador de Carlos Edison
do Rêgo Monteiro Filho Advogados.
Nelson Rosenvald
Professor do corpo permanente do Doutorado e Mestrado do IDP/DF. Procurador de
Justiça do Ministério Público de Minas Gerais. Pós-Doutor em Direito Civil na Università
Roma Tre (IT-2011). Pós-Doutor em Direito Societário na Universidade de Coimbra
(PO-2017). Visiting Academic, Oxford University (UK-2016/17). Professor Visitante
na Universidade Carlos III (ES-2018). Doutor e Mestre em Direito Civil pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Presidente do Instituto Brasileiro de
Estudos de Responsabilidade Civil – IBERC.
Sumário: 1. Introdução – 2. Responsabilidade civil do empreiteiro de construção perante o dono
da obra por vícios construtivos – 3. Vícios construtivos e relação de consumo – 4. Da liability a ac-
countability e a responsibility nos vícios construtivos – 5. Conclusão – 6. Referências bibliográcas.
1. INTRODUÇÃO
Quando do estudo das faculdades que compõem a estrutura do direito subje-
tivo de propriedade (art. 1.228, CC), referencia-se o jus fruendi como o direito de
seu titular em explorar economicamente a coisa, dela extraindo todas as vantagens,
percebendo frutos e produtos. Insere-se ainda na faculdade de gozo ou fruição o
poder de introduzir acréscimos na coisa – as chamadas acessões (art. 1.253, CC).
Destarte, o direito de construir é uma emanação dominial de grande relevância do
direito de propriedade.
Contudo, há uma complexidade inerente ao fato jurídico da construção. Para
além do espaço de liberdade constitucional de edif‌icar, como direito fundamental do
proprietário (art. 5º, XXII, CF), há uma necessária conformação entre a propriedade
como “garantia” de seu titular – seja uma garantia pessoal de seu titular e garantia
institucional da ordem econômica (art. 170, CF) – e a propriedade como “acesso”
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por parte daqueles não titulares que perseguem o direito à propriedade (art. 5º, caput,
CF), pela via negocial (para as mais diversas f‌inalidades), ou por políticas públicas
de af‌irmação do direito social de moradia.1 Nada obstante, a faculdade dominial da
construção também se coaduna com o princípio e cláusula geral da função social da
propriedade (art. 5º, XXIII, CF), evidenciando que a propriedade do século XXI é uma
situação jurídica complexa, verdadeiro poder-dever, na qual o retorno individual ao
titular não se destaca das suas responsabilidades perante a coletividade, concretizada
em uma série de obrigações mediatizadas pelo legislador.
Verif‌ica-se, outrossim, quando se enfoca a responsabilidade civil decorrente do
fato jurídico da construção, um quadro disperso em um cipoal de normas, em que se
podem destacar dois grandes setores: a responsabilidade contratual na incorporação
e a responsabilidade contratual e extracontratual pelos vícios construtivos.
Em breve síntese, a responsabilidade na incorporação é originariamente tratada
pela Lei 4.591/64 e atualizada pela Lei 13.786/18, cujo desiderato foi o de tornar os
empreendimentos autossustentáveis, priorizando a conservação do negócio jurídico
de incorporação e a sua função social perante a comunidade de adquirentes, con-
siderando a existência de uma rede contratual coligada na qual há uma mitigação
de riscos de cada contrato de promessa de compra e venda, desde o memorial de
incorporação, passando pelo patrimônio de afetação e pelo quadro-resumo. A tutela
ao adquirente é complementada por uma previsão das consequências jurídicas da
resilição unilateral (por arrependimento ou denúncia) e da resolução por inadim-
plemento contratual, de modo a salvaguardar a construção das vicissitudes de cada
relação obrigacional, priorizando o distrato (daí a menção a “lei do distrato”), em
relação às demais formas patológicas de desfecho contratual.2
Além disso, a responsabilidade civil pelo fato jurídico da construção também
é materializada pela disciplina dos vícios construtivos, normatizada de forma as-
sistemática, em uma série de preceitos difusamente localizados no Código Civil e
no Código de Defesa do Consumidor. Diferentemente da responsabilidade civil na
incorporação – que lida com os fenômenos da resilição e resolução contratual – os
vícios construtivos se afeiçoam à rescisão contratual, como forma de desconstituição
1. Sobre o direito de propriedade como acesso e como garantia, v. MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do
Rêgo. Usucapião imobiliária independente de metragem mínima: uma concretização da função social da
propriedade. In: MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo. Rumos contemporâneos do direito civil: estu-
dos em perspectiva civil-constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2017. p. 256, onde se lê: “Para além de
corresponder à noção de garantia, o direito de propriedade, hoje, representa igualmente a ideia de acesso.
Valoriza-se, funcionalmente, o dito direito à propriedade”.
2 . Certamente várias críticas pesam sobre a Lei 13.786/18, sobremaneira quanto à onerosidade da cláusula penal
e disposições referentes à corretagem, a ponto de se arguir a sua inaplicabilidade às relações de consumo. No
particular, Frederico da Costa Carvalho Neto pontua que “quem corre riscos nesta relação é o fornecedor e a
nova lei quer eliminar esse risco, estipulando previamente uma multa absolutamente desproporcional e que
certamente gerará o enriquecimento indevido, porque o bem na maioria das vezes não está concluído quando
da desistência ou inadimplência, não perde valor, pelo contrário”. A não incidência da Lei 13.786/2018 nas
relações de consumo. In: MELLO GUERRA, Alexandre Dartanhan; MAISTRO JUNIOR, Gilberto Carlos.
Direito imobiliário. Indaiatuba: Foco, 2019. p. 68.
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