Responsabilidade civil pela publicidade abusiva decorrente de ligações de 'telemarketing': uma abordagem a partir do direito do consumidor ao sossego

AutorElcio Nacur Rezende e Paulo Antônio Grahl Monteiro de Castro
Ocupação do AutorPós-Doutor, Doutor e Mestre em Direito. Professor da Escola Superior Dom Helder Câmara e da Faculdade Milton Campos. Procurador da Fazenda Nacional/Procurador do Município de Belo Horizonte
Páginas603-618
RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PUBLICIDADE
ABUSIVA DECORRENTE DE LIGAÇÕES DE
“TELEMARKETING”: UMA ABORDAGEM A PARTIR
DO DIREITO DO CONSUMIDOR AO SOSSEGO
Elcio Nacur Rezende
Pós-Doutor, Doutor e Mestre em Direito. Professor da Escola Superior Dom Helder
Câmara e da Faculdade Milton Campos. Procurador da Fazenda Nacional.
E-mail: elcionrezende@yahoo.com.br
Paulo Antônio Grahl Monteiro de Castro
Procurador do Município de Belo Horizonte. Doutorando e Mestre em Direito pela
Escola Superior Dom Helder Câmara. Bacharel em Direito pela Universidade Federal
de Minas Gerais. Especialista em Advocacia Pública pela Universidade de Coimbra,
em parceria com o Instituto Democrático, e em Direito Penal e Processual Penal, pela
Universidade Gama Filho. Pós-graduando em Mediação, Conciliação e Arbitragem
pelo Instituto Democrático em parceria com a Faculdade Arnaldo. Professor do curso
de Graduação em Direito da Escola Superior Dom Helder Câmara. Advogado.
E-mail: paulo_monteiro@terra.com.br
Sumário: 1. Introdução – 2. O direito ao sossego como direito da personalidade, a merecer devida
proteção, mediante responsabilização civil do eventual ofensor – 3. Entendimento jurisprudencial
vacilante: a violação ao sossego caracteriza dano moral indenizável ou implica um mero aborrecimen-
to? – 4. Projetos de lei que enfrentam o tema – 5. Considerações nais – 6. Referências bibliográcas.
1. INTRODUÇÃO
Desde o Código Civil Brasileiro de 1916, já há referência, no direito privado
brasileiro, à temática do sossego. O art. 554 do referido diploma dava ao proprietário
ou inquilino de um prédio o direito de impedir que o mau uso da propriedade vizinha
pudesse prejudicar a segurança, o sossego e a saúde dos que o habitam. Com pequena
modif‌icação, dispõe o art. 1.277, do Código Civil Brasileiro de 2002, ao cuidar dos
direitos de vizinhança, ter o proprietário ou o possuidor de um prédio o direito de
fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o
habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha. Estabelece, também, o
atual Código Civil, em seu art. 1.336, IV, ser dever do condômino dar às suas partes
a mesma destinação que tem a edif‌icação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao
sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.
A Lei de Condomínio e Incorporações, de 1964, por seu turno, já dispunha,
em seu art. 10, III, ser defeso a qualquer condômino destinar a unidade a utilização
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ELCIO NACUR REZENDE E PAULO ANTÔNIO GRAHL MONTEIRO DE CASTRO
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diversa de f‌inalidade do prédio, ou usá-la de forma nociva ou perigosa ao sossego, à
salubridade e à segurança dos demais condôminos.
De fato, desde o advento do Código Beviláqua, passando pela Lei de Condomínio
e Incorporações e chegando ao atual Código Civil, percebe-se já existir preocupação
com o direito ao sossego, muito embora fosse ela restrita ao direito de vizinhança.
Lado outro, no contexto atual, a noção de sossego (e da sua respectiva proteção)
exige releitura, na medida em que, com a intensif‌icação das relações humanas, os con-
sumidores estão sujeitos a serem perturbados das mais variadas formas, mormente num
contexto de um capitalismo conexionista, em cujo bojo os dados pessoais acabam sendo
utilizados, corriqueiramente, entre outras f‌inalidades, para o direcionamento especí-
f‌ico de publicidade, o que ocorre, muitas das vezes, de modo francamente indevido.
Referido direcionamento de publicidade, aos consumidores, para além de estar
cada vez mais frequente, acaba sendo levado a efeito por diversos meios, tais como
anúncios explícitos (veiculados em redes sociais ou durante a navegação pela Inter-
net), mensagens de correio eletrônico, mensagens de SMS (“short message service”),
ou, até mesmo, pela via das indesejadas ligações de “telemarketing”.
Apesar de não se descurar do fato de que mensagens de correio eletrônico ou por
SMS (“short message service”) e anúncios explícitos, veiculados em redes sociais, ou
durante a navegação pela Internet, possam acarretar violação ao sossego, o fato é que
acabam por chamar especial atenção, nesse contexto, as ligações de “telemarketing”.
Af‌irma-se isso na medida em que o atendimento a ligações telefônicas exige do
consumidor, muitas vezes, atenção especial, acabando por, até mesmo, interromper
atividades cotidianas, inclusive prof‌issionais, ou por atrapalhar momentos de des-
canso. Esse quadro, aliás, pode, inclusive, se mostrar ainda mais grave, a depender
das atividades empreendidas pelo consumidor, ou, mesmo, de situações pessoais
propriamente ditas (como no caso das pessoas idosas, adoentadas, debilitadas, ou
que tenham f‌ilhos pequenos).
O grau de perturbação decorrente de ligações telefônicas de “telemarketing
supera aquele em razão do direcionamento de mensagens, ou de outros anúncios em
geral, os quais, muito embora possam, também, ser desagradáveis, não costumam
exigir do destinatário atenção específ‌ica (ou exclusiva) nem interromper eventual
descanso ou outras tarefas que estejam sendo desempenhadas.
Aliás, chamadas telefônicas de “telemarketing” têm o potencial de perturbar, até
mesmo, o sono do consumidor, bem assim interromper compromissos importantes
de que ele possa estar participando, tais como videochamadas, que, em muito, se
intensif‌icaram, a partir da pandemia de Covid-19, tal como noticiado pela imprensa.1
1. RIBEIRO, Denise. WELLS, Anthony. Com pandemia, demanda por videoconferências dispara em empresas
brasileiras. CNN BRASIL. São Paulo, 15 abr. 2020. Caderno Business. Disponível em: https://www.cnnbrasil.
com.br/business/2020 abr. 15/com-pandemia-demanda-por-videoconferencias-dispara-em-empresas-bra-
sileiras. Acesso em: 11 jul. 2021.
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