Seguro de responsabilidade civil produtos: efetividade da garantia de indenização aos consumidores

AutorWalter A. Polido
Ocupação do AutorMestre em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP
Páginas119-134
SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
PRODUTOS: EFETIVIDADE DA GARANTIA DE
INDENIZAÇÃO AOS CONSUMIDORES
Walter A. Polido
Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP; Árbitro em seguros e resseguro;
Sócio e professor da Conhecer Seguros; Coordenador Acadêmico da Especialização
em Direito do Seguro e Resseguro da ESA-OAB-São Paulo; Autor de livros; Consultor
e Parecerista
walter@polidoconsultoria.com.br
Sumário: 1. Responsabilidade civil pela circulação de produtos – Defeito do produto – Código Civil
e Código de Defesa do Consumidor – 2. Seguro de Responsabilidade Civil Produtos (RC Produtos);
2.1 Escopo da cobertura e os elementos essenciais da apólice; 2.2 RC Produtos e operações com-
pletadas – Conceitos; 2.3 Riscos excluídos na apólice – 3. Produtos exportados – 4. Rechamada
de produtos; 4.1 Products recall insurance; 4.2 Tipos de coberturas de recall – 5. Conclusões – 6.
Referências bibliográcas.
1. RESPONSABILIDADE CIVIL PELA CIRCULAÇÃO DE PRODUTOS –
DEFEITO DO PRODUTO – CÓDIGO CIVIL E CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR
O Código de Defesa do Consumidor introduziu a def‌inição legal de produtos e
serviços no ordenamento nacional, em 1990, conforme o disposto no art. 3º, §§ 1º e
2º. O Código Civil de 1916 sequer mencionava a nomenclatura, acolhida pelo CC
de 2002, imantado pelo CDC, assim como preconizou o artigo 931: “ressalvados
outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas
respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos
em circulação”.
A condição def‌inida no novo CC determinou uma amplitude considerável, nem
sempre percebida integralmente: “produtos postos em circulação”. Assim, o simples
fato de o produto deixar a esfera privada do fabricante ou do distribuidor, circulan-
do, impõe a responsabilidade civil para eles em face do consumidor, seja da esfera
consumerista em sentido estrito ou equiparado, seja da esfera empresarial e paritá-
ria (fabricante/distribuidor cliente também empresário). Não bastando a abertura
preconizada pelo CC em relação à responsabilização objetiva daquele que coloca o
produto em circulação, a norma, com a natureza de cláusula geral, inovou ainda mais,
e prescindiu do fator “defeito” em relação ao produto. Tula Wesendonck apresentou
estudo primoroso sobre a hermenêutica subjacente no art. 931 do CC, concluindo:
“a redação contida na legislação civilista é mais ampla que a consumerista, porque o
nexo de imputação da responsabilidade civil não depende da existência de defeito do
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WALTER A. POLIDO
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produto como previsto no Código de Defesa do Consumidor”.1 Este entendimento
determina alguns desdobramentos, mas neste texto apenas aqueles que interessam
diretamente ao estudo do Seguro de Responsabilidade Civil Produtos serão breve-
mente comentados. O risco de desenvolvimento, acolhido pelo CC, assim como o
diálogo das fontes em razão do disposto nos artigos 7º e 12 do CDC e o art. 931 do
CC, se sobressaem. O art. 7º do CDC, justamente por subsumir a “legislação interna
ordinária” entre os direitos ou fontes, estabeleceu o entendimento de que a inovação
trazida pelo CC pode perfeitamente ser aplicada também em sede consumerista.
Desse modo, se o artigo 931 do CC prescindiu do defeito do produto, também o art.
12 do CDC pode ser relativizado, na medida em que puder benef‌iciar o consumidor
prejudicado. O entendimento jurisprudencial caminha neste sentido, sendo que os
Enunciados do Conselho da Justiça Federal – CJF2, conf‌irmam a posição.
No tocante ao contrato de Seguro de Responsabilidade Civil Produtos, impende
destacar, desde logo, a necessidade de o produto entregue ao terceiro produzir perdas
e danos efetivos e de modo a dispararem o mecanismo (trigger) reparatório da apó-
lice contratada. O simples não funcionamento do produto, constitui um dos riscos
excluídos pelo mencionado seguro, salvo se a inadequação também produzir danos
patrimoniais e danos pessoais consequentes.
2. SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL PRODUTOS (RC PRODUTOS)
Entre as mais diversas modalidades de seguros de responsabilidade civil, a de RC
Produtos representa uma das mais destacadas e complexas. Este seguro se envolve
não só com os mais diferentes tipos de produtos industrializados, como também está
sujeito a outras diferentes situações: risco de longa latência (long-term exposure);
probabilidade de ocorrer sinistros em série e todos eles decorrentes de um mesmo fato
gerador; dif‌iculdade quanto a determinação da data efetiva do sinistro e sobre qual
apólice deve recair a obrigação de indenizar; entre outras. Dependendo do tipo de
produto distribuído, várias teorias jurídicas já surgiram e continuam movimentando
a doutrina e a prática cotidiana nas cortes de justiça mundiais: a do risco integral, que
não leva mais em conta o ato culposo, mas o “controle de um risco ou de uma fonte
de riscos ou de potenciais danos, aliado ao princípio da justiça distributiva segundo
a qual quem tira o lucro ou benef‌icia de certa coisa ou actividade, que constitui uma
fonte de riscos para terceiros, deve suportar os correspondentes encargos (ubi com-
moda, ibi incommoda)”.3 Também a teoria do “market share liability”, proveniente
1. WESENDONCK, Tula. O Regime da Responsabilidade Civil pelo fato dos produtos postos em circulação. Uma
proposta de interpretação do artigo 931 do Código Civil sob a perspectiva do direito comparado. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2015. p. 232.
2. Ver Enunciados 42, 43, 190 e 378 do CJF. Disponíveis em: http://www.cjf.jus.br/enunciados. Acesso em:
23 nov. 2021.
3. SILVEIRA, Diana Montenegro da. Responsabilidade civil por danos causados por medicamentos defeituosos.
Coimbra: Coimbra, 2010. p. 105.
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