A tutela do tempo do consumidor: por uma evolução das práticas contenciosas

AutorLaís Bergstein e José Roberto Trautwein
Ocupação do AutorDoutora em Direito do Consumidor e Concorrencial pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)/Doutorando e Mestre em Direito pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil (Unibrasil)
Páginas581-602
A TUTELA DO TEMPO DO CONSUMIDOR: POR
UMA EVOLUÇÃO DAS PRÁTICAS CONTENCIOSAS
Laís Bergstein
Doutora em Direito do Consumidor e Concorrencial pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), Mestre em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia
Universidade Católica do Paraná (PUC/PR) e Bacharel em Direito pelo Centro Universi-
tário Curitiba. Alumni do Centro de Estudos Europeus e Alemães (UFRGS-PUCRS) e do
programa Summer School in Consumer Law: National, comparative and international
developments da Université du Québec à Montréal (UQÀM). Coordenadora Adjunta
do Programa de Mestrado Prossional em Direito, Mercado, Compliance e Segurança
Humana do CERS. Advogada.
lais@dotti.adv.br
José Roberto Trautwein
Doutorando e Mestre em Direito pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil (Uni-
brasil); Pesquisador vinculado ao GP Virada de Copérnico (UFPR); Especialista em
Direito Constitucional e em Direito Empresarial. Advogado. joseroberto@dotti.adv.br.
Sumário: 1. Introdução – 2. O tempo como bem jurídico – 3. A superação do dano pelo tempo
perdido: por uma evolução das práticas contenciosas – 4. Considerações nais – 5. Referências
bibliográcas.
1. INTRODUÇÃO
“A principal dif‌iculdade à aceitação do dano moral em nossa doutrina e ju-
risprudência é a insondável timidez do jurista brasileiro, timidez que lhe advém,
principalmente, da lamentável inf‌luência da consideração de elementos estranhos
ao problema jurídico, no tratamento e solução de temas doutrinários.”1
A assertiva de José de Aguiar Dias data de 1955, quando o jurista denunciou
que, à época, era frequente, por exemplo, “aparar-se uma condenação pecuniária
só porque exorbita de misteriosa tarifa, além da qual os julgadores, ao que parece,
não admitem cálculo judiciário” e que “também há verdadeira legião a defender o
erário, tardiamente, do erros que não foram evitados e devem ser suportados através
da compensação dos prejudicados.”2
1. DIAS, José de Aguiar. Prefácio da 1ª Edição (1955). In: MELO DA SILVA, Wilson. O dano moral e sua repa-
ração. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1969.
2. DIAS, José de Aguiar. Prefácio da 1ª Edição (1955). In: MELO DA SILVA, Wilson. O dano moral e sua repa-
ração. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1969.
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Nesses últimos 66 anos muito se evoluiu, na doutrina e na prática forense, no
estudo dos critérios de compensação de danos extrapatrimoniais.3 Todavia, a crítica
apontada por Aguiar Dias parece-nos tão contemporânea quanto outrora foi.
Com o avanço tecnológico, quando a natureza deixou de ser o limite de velo-
cidade, a distância e o tempo ganharam novos contornos. Vive-se um paradoxo: o
tempo é o que o ser humano tem de mais relevante – tempo é vida. Não raras vezes,
contudo, a preocupação com o tempo somente surge face à forçada percepção da sua
escassez, diante de um evento dramático.
O presente estudo, pautado no método científ‌ico-dedutivo, aborda inicialmente
os fundamentos do dever de reparação do dano pela perda do tempo nas relações de
consumo no Brasil. Relembram-se os marcos doutrinários que contribuem para a
consolidação da compreensão de que o tempo do consumidor é um bem de relevância
jurídica e que merece especial proteção. Na segunda parte são apresentadas algumas
propostas de evolução das práticas contenciosas visando a prevenção dessa especial
modalidade de dano.
2. O TEMPO COMO BEM JURÍDICO
O ‘Leitmotiv’ da pós-modernidade, o elemento-guia que orienta as relações ju-
rídicas é a valorização dos direitos humanos. Essa concepção, segundo Erik Jayme,
signif‌ica que a concepção de que somente as razões de natureza econômica devem
determinar as ações do homem não é mais convincente, pois as pessoas lutam por
valores mais atraentes, valores inerentes à alma.4 Depois de séculos de racionalismo,
de privilégio da razão sobre as outras dimensões humanas, difunde-se o respeito e a
valorização da emotividade, da criatividade, da subjetividade e de uma estética que
busca o sentido.5
A doutrina de Silvio Rodrigues no início da década de 1960 bem exemplif‌ica
a evolução da compreensão sobre a tutela dos bens jurídicos: “Coisa – é tudo que
existe objetivamente, com exclusão do homem. [...] Bens – ao contrário, são coisas
que, por serem úteis e raras, são suscetíveis de apropriação e contêm valor econô-
mico.” Naquele momento, destacou o autor, “o Direito Civil só se interessa pelas
coisas suscetíveis de apropriação e tem por um dos seus f‌ins disciplinar as relações
entre os homens, concernindo tais bens econômicos”, concluindo que “assim, há
valores preciosos aos homens que escapam à alçada do direito privado, porque não
têm conteúdo econômico. Ref‌iro-me àqueles direitos personalíssimos tais como a
vida, a honra, a liberdade etc.”
3. Por todos: MELO DA SILVA, Wilson. O dano moral e sua reparação. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1969.
4. JAYME, Erik. Identité Culturelle et Intégration: Le droit international privé postmoderne. Cours général
de droit international privé. p. 9-268. In: Recueil des Cours: collected courses of the Hague Academy of Inter-
national Law. Tomo 251. ISBN 978-90-411-0261-2. Haia: Martinus Nijhoff Publishers, 1996. p. 259-262.
5. MASI, Domenico de. O futuro chegou: modelos de vida para uma sociedade desorientada. Trad. Marcelo
Costa Sievers. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2014. p. 545.
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