Meio do caminho: visão e evolução da agência reguladora (ANEEL) frente às decisões do judiciário nas ações envolvendo o termo de ocorrência e inspeção (TOI)

AutorAna Lucia Buccos Silveira
Ocupação do AutorPesquisadora da Escola de Direito Fundação Getulio Vargas (FGV)
Páginas598-633
598 Temas RelevanTes no DiReiTo De eneRgia eléTRica
1 Introdução
Considerando que as Agências Reguladoras brasileiras foram criadas
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lado, o elevado número de demandas judiciais questionando normas
emanadas por essas Agências poderia a priori denotar a existência de
crise no modelo regulatório adotado, propõe-se, no presente artigo,
a análise da problemática que envolve o questionamento do Termo
de Ocorrência e Inspeção (TOI) lavrado pelas concessionárias, como
forma de combate às irregularidades no consumo de energia elétrica.
Para tanto, serão utilizados dados de reclamações e demandas
judiciais do setor elétrico, julgados do Tribunal de Justiça do Estado
do Rio de Janeiro, bem como o relatório do Tribunal de Contas da
União (TCU) para o exercício de 2010, tudo de forma a contextua-
lizar a questão.
Apesar de o texto constitucional adotar o termo órgão regulador,
conforme menção contida nos arts. 21, inciso XI e 177, par. 2º, inciso
III,1 a legislação infraconstitucional consagrou a expressão Agência
Reguladora, nitidamente inspirada no modelo americano.
Paralelamente ao processo de desestatização ocorrido ao longo
da década de 1990, mais precisamente no Governo do presidente
Fernando Henrique Cardoso, diversas Agências foram criadas. Avan-
çando assim o nosso país para uma posição de Estado mais regulador
e controlador em detrimento à posição de um Estado prestador.
Também nesse contexto, foi promulgada a Lei nº 8.987 de 95, a
qual dispõe sobre o regime jurídico das concessões de serviço público,
onde se destaca a obediência aos critérios de continuidade, regulari-
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A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) foi instituída pela
Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, sob a forma de autarquia em
1
Art. 21. Compete à União: XI – explorar, diretamente ou mediante autorização,
concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da Lei,
que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador
e outros aspectos institucionais. Art. 177. Constituem monopólio da União: § 2º
A Lei a que se refere o § 1º disporá sobre: III - a estrutura e atribuições do órgão
regulador do monopólio da União.
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regime especial e vinculada ao Ministério de Minas e Energia, tendo
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elétrica.
Entre suas atribuições, podemos destacar, no âmbito da distri-
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rios e os agentes do setor elétrico, a garantia de tarifas justas e o zelo
pela qualidade do serviço.
Agência Reguladora
independente é uma autarquia especial, sujeita a regime jurídico que
assegure sua autonomia em face da administração direta e investida
de competência para a regulação setorial”.2
Quanto à terminologia regulação, é importante trazer à baila a
citação do professor Carlos Ari Sundfeld:
“Fazem regulação autoridades cuja missão seja cuidar
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seu conjunto (o mercado de ações, as telecomunicações,
a energia, os seguros de saúde, o petróleo), mas também
aquelas com poderes sobre a generalidade dos agentes de
economia (antigo órgãos ambientais). A regulação atinge
tanto os agentes atuantes em setores ditos privados (o
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dades econômicas em sentido estrito) como os que, estando
especialmente habilitados, operam em áreas de reserva
estatal (prestação de serviços públicos, exploração de bens
públicos e de monopólios estatais).3
O Decreto nº 2.335 de 1997, que regulamentou a Lei nº 9.427 de
1996 que instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL),
estabeleceu no artigo 14, a aplicação e a observância do Código de
Defesa do Consumidor.
Art. 14. As ações de proteção e defesa do consumidor de
energia elétrica serão realizadas pela ANEEL, observado,
2 FILHO, M. J. Curso de Direito Administrativo, 4ª ed, São Paulo: Saraiva, 2009.
p. 584.
3
SUNDFELD, C. A. Introdução às Agências Reguladoras. In: Sundfeld, Carlos Ari
(coord.). Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 18.
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no que couber, o disposto no Código de Proteção e Defesa
do Consumidor, aprovado pela Lei nº 8.078, de 1990, na Lei
nº 8.987 de 1995, e Decreto nº 2.181, de 1997.
Parágrafo único. Objetivando o aperfeiçoamento de suas
ações, a ANEEL articular-se-á com as entidades e os órgãos
estatais e privados de proteção e defesa do consumidor.
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adota medidas para garantir o cumprimento dos três princípios
básicos do Código de Defesa do Consumidor no que se refere à pres-
tação de serviços essenciais, quais sejam: qualidade, continuidade
e universalidade.
Como se vê, o Código de Defesa do Consumidor, anterior ao período
das privatizações e à criação das Agências Reguladoras, é aplicável
aos serviços essenciais, onde se inclui o setor elétrico e foi integral-
mente acolhido na sistemática da ANEEL. Portanto, até aqui, não reside
nenhum problema no modelo regulatório adotado, no que concerne
à aplicação de normas para a defesa dos direitos dos consumidores.
2 o problema
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principal problemática enfrentada nos canais de atendimento aos
usuários, e também no Judiciário, decorre das inspeções realizadas
pelas concessionárias no combate às irregularidades no consumo
praticadas pelos usuários.
O furto e a fraude no consumo de energia elétrica atingem direta-
mente a qualidade, continuidade e segurança do serviço de energia,
em razão da sobrecarga gerada no sistema, causando instabilidade
e interrupção no serviço.
A obra As irregularidades no consumo de energia elétrica expli-
citou muito bem a questão, senão vejamos:
“Registre-se ainda que o problema mais grave ocasionado
por estes ilícitos é que a rede elétrica das concessionárias
distribuidoras é dimensionada para suportar uma demanda
de energia elétrica calculada de acordo com a potência
instalada em cada unidade consumidora, de acordo com
as informações fornecidas pelo usuário e pelo registro dos
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