O preço de liquidação de diferenças e a segurança jurídica dos contratos pactuados

AutorClaudio Girardi
Ocupação do AutorSócio do Girardi&Advogados Associados; Ex-Procurador Geral da ANEEL
Páginas636-671
636 Temas RelevanTes no DiReiTo De eneRgia eléTRica
O Preço de Liquidação de Diferenças (PLD), divulgado pela Câmara
de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), deve ser balizado
pelo princípio da imutabilidade, ou seja, uma vez adotado pelos
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custos de energia elétrica a serem contratados, não deve ser alte-
rado por vontade de terceiros, ressalvado, apenas, o período tran-
sitório previsto nos procedimentos de comercialização, ou, se as
partes assim pactuaram.
Decidimos abordar este tema pela sua relevância para o mercado
de energia elétrica e, em especial, para o mercado livre. Trata-se de
um caso concreto, o qual ainda não mereceu por parte da Agência
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que desejarem colher diretamente informações sobre o caso em
apreço, poderão acorrer ao Processo ANEEL nº 48500.004378/2009-
14, cujo interesse primeiro foi da Associação Brasileira de Comer-
cializadores de Energia Elétrica (ABRACEEL) e da Associação dos
Produtores Independentes (APINE), ao recorrerem do Despacho
nº 2.654/2011-SRG/SEM/ANEEL, de 27 de junho de 2011, por
meio do qual se determinara, sem qualquer direito de defesa, que a
CCEE “recalcule o Preço de Liquidações de Diferenças (PLD) de cada
semana operativa correspondente e proceda à recontabilização nos
casos em que houver diferença entre o valor do PLD recalculado e
o original”. Tal determinação decorreu da constatação de erro na
alimentação de dados do programa PREVIVAZ, a cargo do Operador
Nacional do Sistema (ONS).
A consequência do referido despacho é que todos os contratos
de comercialização de energia celebrados nos meses de fevereiro e
março de 2011, registrados na CCEE e que adotaram o PLD como
referência do preço, deveriam ser revistos.
Para entender o alcance e a importância do tema em questão
para o mercado de energia elétrica, faz-se necessário, primeiro, retro-
ceder à década de 1990, quando profundas alterações institucio-
nais foram introduzidas no setor elétrico brasileiro. Após a consoli-
dação dos modelos estatal, federal e estadual, nas décadas de 1960 a
1980, sob a forma verticalizada de prestação do serviço, sustentados
com recursos cobrados nas tarifas arrecadadas dos consumidores,
inicialmente sob o título de Reserva Global de Garantia (RGG), depois,
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o PReço De liquiDação De DifeRenças e a seguRança JuRíDica ... 637
Reserva Nacional de Compensação de Remuneração (RENCOR) e,
ainda, por meio das vigentes contribuições a título de Reserva Global
de Reversão (RGR) e da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC),
o Governo Federal, capitaneado pelo Ministério de Minas e Energia,
levou a efeito uma licitação internacional, de modo a selecionar a
empresa que, com experiência de mercado, viesse a diagnosticar e,
consequentemente, apresentar uma proposta de reestruturação do
setor elétrico brasileiro.
A partir da mencionada licitação, cuja vencedora foi a inglesa
Coopers & Lybrand, após três anos de longos e exaustivos trabalhos,
que contaram com a colaboração de centenas de técnicos brasileiros,
é publicada em 27 de maio de 1998 a Lei nº 9.648, instituindo o
novo modelo institucional para o setor elétrico. De fato, este diploma
legal foi um marco setorial, na medida em que introduziu substan-
ciosas mudanças institucionais no setor elétrico, as quais, somadas
às que haviam sido implantadas precedentemente e às decorrentes
de Leis posteriores, constituem os alicerces do funcionamento do
atual modelo do setor elétrico, possibilitando que bilhões e bilhões
de reais fossem investidos nos últimos anos, multiplicando o número
de agentes e a quantidade de projetos em operação nas atividades
de geração, transmissão, distribuição e comercialização de energia.
A principal característica das aludidas mudanças foi a introdução
de um modelo competitivo. As bases para o início da competição no
setor elétrico surgiram a partir do advento da Lei nº 8.631 de 1993,
que promoveu a desequalização tarifária extinguindo, por conse-
quência, o regime de remuneração garantida, bem assim o sistema
de transferência interna de recursos. Além de outras disposições,
também estabeleceu a obrigatoriedade de contratação do supri-
mento de energia elétrica.
Já a Lei Geral de Serviços Públicos, de nº 8.987 de 1995, por
sua vez, incrementou a ideia de competitividade ao estabelecer que
a delegação de serviço público será explorada por conta e risco
do concessionário, mediante licitação pública, na modalidade de
concorrência. Foi, contudo, a Lei nº 9.648 de 1998, que consagrou o
Novo Modelo Institucional do Setor Elétrico Brasileiro, cujas bases
decorreram dos estudos e das propostas apresentados pela Coopers
& Lybrand, a qual tinha por objeto o desenvolvimento de estudos com
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vistas a reformar o modelo setorial até então vigente, criando para o
setor novas bases legais e meios que proporcionassem a atração de
novos capitais, garantindo que o parque gerador nacional pudesse
fazer face à crescente demanda por energia elétrica e proporcionando
à população brasileira a prestação de serviço adequado.
Tal modelo foi, de fato, instituído sob a forma concorrencial
para o setor elétrico brasileiro, a começar por instituir a livre nego-
ciação da compra e venda de energia elétrica entre os concessio-
nários, permissionários e autorizados, além de inúmeras outras
novas disposições, como a que criou um novo agente de mercado
com foco na comercialização de energia elétrica. Traz em seu bojo,
ainda, o Operador Nacional do Sistema (ONS) e o Mercado Ataca-
dista de Energia Elétrica (MAE) [hoje, Câmara de Comercialização
de Energia Elétrica (CCEE)].
Visando garantir a implementação do novo modelo, o Decreto
nº 2.655 de 1998, que regulamentou a Lei nº 9.648 de 1998, criou
as bases sinalizadoras da competição, como se vê nos seus artigos
iniciais a seguir transcritos:
“Art. 1º A exploração dos serviços e instalações de energia
elétrica compreende as atividades de geração, transmissão,
distribuição e comercialização, as quais serão desenvol-

neste regulamento.
Parágrafo único. A exploração das atividades referidas
neste artigo está sujeita às restrições de concentração

Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) em articulação com
a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça.
Art. 2º As atividades de geração e comercialização de
energia elétrica, inclusive sua importação e exportação,
deverão ser exercidas em caráter competitivo, assegu-
rado aos agentes econômicos interessados livre acesso aos
sistemas de transmissão e distribuição, mediante o paga-
mento dos encargos correspondentes e nas condições gerais
estabelecidas pela ANEEL.
Art. 3º No exercício das atividades vinculadas à exploração
de energia elétrica, serão observadas as seguintes regras:
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