As diversas espécies de execução

AutorHumberto theodoro júnior
Ocupação do Autordesembargador aposentado do tribunal de justiça de minas gerais. professor titular aposentado da faculdade de direito da ufmg. doutor em direito
Páginas275-303

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152. Disposições gerais

O novo Código, assim como o anterior, regulou separadamente as execuções de títulos extrajudiciais tendo em vista a natureza da prestação a ser obtida do devedor, classificando-as em:

  1. execução para a entrega de coisa;

  2. execução das obrigações de fazer e não fazer; e

  3. execução por quantia certa contra devedor solvente.

O NCPC não cuidou da execução por quantia certa contra o devedor insolvente. Mas, até que seja editada lei específica, determinou que as execuções em curso ou que venham a ser propostas continuem reguladas pelos artigos relativos à matéria constantes do CPC de 1973 (NCPC, art. 1.052).

Antes, porém, de definir o procedimento e os incidentes de cada espécie de execução, o legislador fixou, em caráter genérico, alguns preceitos básicos e aplicáveis indistintamente a todos os processos executivos. Estão eles contidos nos arts. 797 a 8051e serão analisados a seguir.

153. Direito de preferência gerado pela penhora

O novo Código, assim como o anterior, expressa que a execução realiza-se "no interesse do exequente, que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os

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bens penhorados" (art. 797).2Erigiu-se, portanto, a penhora "à posição de direito real".3Por isso mesmo, "recaindo mais de uma penhora sobre o mesmo bem, cada exequente conservará o seu título de preferência" (art. 797, parágrafo único),4isto é, o credor com segunda penhora só exercitará seu direito sobre o saldo que porventura sobrar após a satisfação do credor da primeira penhora. Não haverá concurso de rateio entre eles, mas apenas de preferência (art. 908 e § 2º).5Analisando nosso Direito anterior (Código de 1939), ensinava Lopes da Costa que "na legislação brasileira, a penhora nunca deu origem ao direito de penhor",6fato outrora verificado no direito romano e nas Ordenações Filipinas.

O Código de 1973, no que foi seguido pelo NCPC, no entanto, rompeu com a tradição de nosso processo executivo e filiou-se à corrente romanística revivida modernamente pelo direito alemão.

Em nosso atual processo, a penhora confere ao exequente uma preferência, colocando-o na situação de um verdadeiro credor pignoratício. Adquire ele com a penhora "a mesma posição jurídica que adquiriria com um direito pignoratício contratual",7pois passa a desfrutar de preferência e sequela sobre o bem constrito, em face dos demais credores quirografários.

Essa posição do credor penhorante tem efeitos tanto perante o devedor, como perante outros credores, permitindo a extração de duas importantes ilações:

  1. a alienação pelo devedor, dos bens penhorados, é ineficaz em relação ao exequente;

  2. as sucessivas penhoras sobre o mesmo objeto não afetam o direito de preferência dos que anteriormente constringiram os bens do devedor comum.

    Ressalte-se, porém, que a preferência da penhora é plena apenas entre os credores quirografários e enquanto dure o estado de solvência do devedor. Não afeta nem prejudica em nada os direitos reais e preferências de direito material constituídos anteriormente à execução e desaparece quando os bens penhorados são arrecadados no processo de insolvência.

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    A prelação de um credor hipotecário ou pignoratício, sobre os bens gravados do devedor, não é atingida pela penhora de terceiro, nem mesmo no caso de insolvência. "O credor privilegiado participará do concurso universal em sua verdadeira posição, independentemente da penhora, que poderá nem se ter verificado, se a execução (dele credor com garantia de direito real) não tiver sido movida."8O Código de 1973 já foi criticado pela adoção do sistema germânico, que seria injusto e contrário à índole do credor brasileiro, sempre propenso a ensejar uma solução de tolerância, retardando a execução à espera de melhor oportunidade para a satisfação voluntária do devedor. A injustiça consistiria, às vezes, em assegurar preferência a credores mais novos, porém mais espertos, em face de credores antigos, porém tolerantes com o devedor.9Deve-se, no entanto, concluir que a crítica não procede. Tanto havia no sistema anterior, de 1939, como há no atual, meios eficientes de assegurar a par condicio creditorum. O que fez o Código de 1973, seguido pelo de 2015, foi conferir uma estrutura mais racional ao processo de execução, separando em procedimentos específícos a situação do devedor solvente e a do insolvente.

    Enquanto o processo de insolvência tem caráter universal, afetando todo o patrimônio do devedor e procurando garantir a par condicio creditorum, "la esecución singular es movida esencialmente por el interés individual del acreedor proce- dente."10Se o caso é de simples inadimplemento, a execução é do interesse individual do credor e não há justificativa para que outros credores, sem preferência, venham embaraçar-lhe o exercício do direito de realizar seu crédito sobre o patrimônio do devedor. Outros bens existirão para satisfazer aos demais créditos, pois, sendo solvente, o ativo será superior ao passivo.

    Se, no entanto, o caso for de devedor insolvente, a preferência da primeira penhora nenhum prejuízo acarretará ao conjunto dos credores do devedor comum, pois haverá sempre possibilidade do socorro ao concurso universal (art. 751, III, do CPC/73, mantido pelo art. 1.052 do NCPC), no qual a referida preferência não prevalece, de acordo com a expressa ressalva do art. 797.

    Note-se, contudo, que o caráter singular da execução não impede que outros credores eventualmente tenham alguma participação nela, como, por exemplo, ocorre nos casos em que a penhora atinge bem hipotecado a terceiro e este credor é convocado para exercitar seu direito de preferência (art. 799, nº I).11

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    Assim, na execução singular com multiplicidade de interessados, a ordem de preferência no resultado da excussão dos bens penhorados ao devedor solvente será a seguinte:

  3. em primeiro lugar, serão atendidos os credores privilegiados segundo o direito material, cuja preferência "independe da penhora";12há, contudo, tendência jurisprudencial e doutrinária a entender que também o credor privilegiado, uma vez intimado da penhora, terá de ajuizar a execução de seu crédito para habilitar-se ao concurso de preferências previsto no art. 90813.

  4. entre os quirografários e, após a satisfação dos privilegiados, cada credor conservará sua preferência, observada a ordem com que as penhoras foram realizadas (art. 797, parágrafo único).

154. Ampliação da tutela aos privilégios

Com a Lei nº 11.382/2006, que modificou o texto do art. 698, o Código de 1973, passou a dispensar aos privilégios da penhora, adquiridos nos termos dos arts. 612 e 613, daquela codificação, tutela que a coloca praticamente no mesmo nível dos direitos reais de garantia, máxime quando se tratar de gravame averbado em registro público. Essa regra foi repetida pelo NCPC no art. 797. Assim:

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  1. assegura ao exequente, a partir da penhora, preferência no pagamento a ser realizado com o produto da alienação judicial sobre todos os demais credores que estejam em posição inferior na gradação das penhoras;

  2. garante ao exequente com penhora averbada no Registro Público direito à intimação relacionada com penhoras supervenientes sobre o mesmo bem, a ser realizada antes da adjudicação ou alienação promovidas por outro credor (NCPC, art. 889, V),14tal como se passa com os credores que contam com garantia real.

155. Documentação da petição inicial

A execução é um processo e se subordina ao princípio geral da provocação da parte interessada. Não existe execução ex officio no processo civil. O credor deverá sempre requerer a execução para estabelecer-se a relação processual (título executivo extrajudicial), ou para prosseguir nos atos de cumprimento da sentença, dentro da própria relação em que ela foi proferida (título executivo judicial).

A execução será iniciada, destarte, por meio de uma petição inicial que, além de preencher os requisitos do art. 319, deverá indicar (art. 798, II do NCPC):15a) a espécie de execução de sua preferência, quando por mais de um modo puder ser realizada;

  1. os nomes completos do exequente e do executado e seus números de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica;

  2. os bens suscetíveis de penhora, sempre que possível.

Como não há execução sem título, o ingresso do credor em juízo para realizar obrigação constante de título não judicial, só é possível quando a petição inicial estiver acompanhada do competente título executivo extrajudicial (art. 798, nº I, a).16Se o caso, entretanto, for de título executivo judicial (sentença), é claro que o credor não o juntará à petição, porquanto a execução forçada correrá nos próprios autos em que se prolatou a decisão exequenda. Bastará, naturalmente, fazer referência ao decisório (título) que já se encontra nos autos.

Uma vez que, a partir da Lei nº 11.232/2005, à época do Código anterior, a realização da prestação prevista em título judicial, não...

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