A defesa do devedor. incidentes da execução

AutorHumberto theodoro júnior
Ocupação do Autordesembargador aposentado do tribunal de justiça de minas gerais. professor titular aposentado da faculdade de direito da ufmg. doutor em direito
Páginas605-663

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390. Resistência à execução

Não é a execução um processo essencialmente dialético. Sua índole não se mostra voltada para o contraditório,1pelo menos para aquele que ordinariamente se trava no processo de conhecimento, em busca da definição do pretenso direito subjetivo do autor. Quando se cumpre o mandado executivo, a citação do devedor é para pagar a dívida representada no título do credor e não para se defender. Dessa maneira, o transcurso do prazo de citação tem como eficácia prática imediata a confirmação do inadimplemento, em lugar da revelia que se registra no processo de conhecimento2.

Esse caráter específico do processo executivo, todavia, não impede que interesses do devedor ou de terceiro sejam prejudicados ou lesados pela execução. Daí a existência

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de remédios especiais para defesa de tais interesses e, através dos quais, pode-se atacar o processo de execução em razão de nulidades ou de direitos materiais oponíveis ao do credor.

São os embargos a via para opor-se à execução forçada3. Configuram eles incidentes em que o devedor, ou terceiro, procura defender-se dos efeitos da execução, não só visando evitar a deformação dos atos executivos e o descumprimento de regras processuais, como também resguardar direitos materiais supervenientes ou contrários ao título executivo, capazes de neutralizá-lo ou de reduzir-lhe a eficácia, como pagamento, novação, compensação, remissão, ausência de responsabilidade patrimonial etc.4No sistema do novo Código de Processo Civil, assim como o do Código de 1973, os embargos oponíveis à execução podem ser:

a) embargos do executado (arts. 910 e 914 a 920);5e

b) embargos de terceiro (arts. 674 a 681).6No regime do Código de 1973, o capítulo que tratava dos embargos à execução também dispunha sobre os embargos à adjudicação, alienação ou arrematação (CPC/1973, art. 746). Eram, pois, três os embargos regulados sob a rubrica "Embargos do Devedor" no Título III, do Livro II, do CPC/1973. No NCPC, todavia, não se tratou dessa modalidade, destinada a permitir que o executado, no prazo de cinco dias contados da adjudicação, alienação ou arrematação, alegasse nulidade ou causa extintiva da execução que fosse superveniente à penhora.

Agora, as situações de nulidade que poderiam ser arguidas ao modo dos antigos embargos à adjudicação, alienação ou arrematação passaram a ser objeto de ação autônoma ou de simples arguição dentro da própria execução, se formulada antes de se expedir a carta de arrematação ou de adjudicação (NCPC, art. 903, §§ 2º e 3º). Dessa forma, após a expedição da carta de arrematação ou da ordem de entrega do bem leiloado, a invalidação da arrematação só poderá ser pleiteada em novo processo de conhecimento, figurando o arrematante como litisconsorte necessário, como se vê no § 4º do art. 903, do NCPC. O dispositivo é aplicável, por analogia, à alienação por iniciativa particular e à adjudicação, hipóteses em que o adquirente figurará como

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litisconsorte passivo necessário, no primeiro caso, e apenas o exequente figurará no polo passivo da demanda, no segundo.

Assim, os embargos do executado, atualmente, acham-se subdivididos por especialização procedimental, em apenas dois tipos diferentes: (i) os que se referem à execução de título extrajudicial contra a Fazenda Pública (art. 910); e (ii) os oponíveis à execução intentada contra os demais devedores (arts. 914 a 920).

Os embargos do executado acham-se regulados dentro da parte que o Código reserva para o processo de execução (Título III, do Livro II, da Parte Especial), visto que representam incidente só ocorrível em face da execução forçada. Já os embargos de terceiro estão disciplinados no Título III, do Livro I, da Parte Especial, relativo aos "procedimentos especiais", porquanto são ação incidental que se pode opor a qualquer tipo de ação onde posse ou direito de estranho sofre moléstia ou turbação por ato judicial, mesmo fora do âmbito da execução forçada em sentido estrito.

Na execução dos títulos judiciais, em regra, não cabem os embargos do devedor, porque, tendo sido implantado no direito brasileiro a técnica da executio per officium iudicis, as objeções, que acaso queira o executado opor ao cumprimento da sentença condenatória, deverão figurar em simples impugnação (art. 525)7(ver nº 576).

391. Outros meios impugnativos

Tanto no direito nacional como no comparado, reconhecem-se vários meios processuais de que se pode valer o executado para resistir à execução ou a algum ato executivo.

Em Portugal, por exemplo, admite-se a oposição à execução por meio de ação declaratória (embargos de executado) (CPC/2013, art. 728-1) e também a oposição por simples requerimento (CPC/2013, arts. 723-1-d). Nem sempre o executado tem de submeter-se às solenidades e complexidades da ação de embargos. "Tratando-se de vícios cuja demonstração não carece de alegação de fatos novos nem de prova, o meio da oposição à execução (embargos) seria demasiado pesado, pelo que basta um requerimento do executado em que este suscite a questão no próprio processo executivo. O novo preceito do art. 809-1-d8 (admissibilidade, em geral, do requerimento da parte ao juiz do processo - sem prejuízo da multa a que pode dar lugar quando manifestamente infundado: art. 809-29) não permite duvidar da admissibilidade deste meio"10, ou seja, de arguir em oposição por requerimento as matérias do art. 81411do CPC português, ou mesmo outras ali não contempladas, desde que possam afetar o direito à execução sem depender de maior dilação probatória. Enquanto a oposição à

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execução por embargos tem a natureza de ação de conhecimento (ação declaratória, na linguagem preferida em Portugal)12, a oposição por requerimento é um simples incidente da própria execução.

No direito brasileiro, mesmo sem expressa disciplina no Código, a jurisprudência construiu a figura da exceção (ou objeção) de não executividade, para permitir ao devedor liberar-se da execução indevida, em situações de flagrante ausência de condições de procedibilidade in executivis, sem passar pelos percalços da ação de embargos à execução13. Cumpre ressaltar, que embora o NCPC não fale expressamente na exceção de pré-executividade, a admite, nos arts. 803, parágrafo único14e 917, § 1º15que o executado apresente defesa nos próprios autos da execução, por simples petição.16No Código anterior, após a reforma da execução iniciada com a Lei nº 11.232/2005 e concluída com a Lei nº 11.382/2006, a oposição à execução ficou dividida entre dois remédios processuais: (i) a impugnação, para o cumprimento das sentenças (novo rótulo da execução do título judicial) (CPC/73, art. 475-L), e (ii) os embargos do executado, no caso de execução dos títulos extrajudiciais (CPC/73, art. 736) e das sentenças contra a Fazenda Pública (CPC/73, art. 730) e contra o devedor de alimentos (CPC/73, art. 732). O novo Código, como já dito, consolidou a técnica da impugnação para a objeção às execuções de títulos judiciais (cumprimento de sentença), que passa a ser o meio próprio, mesmo em se tratando de sentença contra a Fazenda Pública ou que condene o executado à determinada prestação alimentícia.

A impugnação, a exemplo da antiga exceção de pré-executividade, é defesa que dispensa o uso de ação, e que se dá por simples "petição incidental", ou "simples petitio". Na verdade, o Código anterior, ao disciplinar o cumprimento da sentença relativa à obrigação por quantia certa - pois apenas no tocante a estas a regulamentação se endereçou de maneira expressa - nada mais fez do que institucionalizar a praxe jurisprudencial consubstanciada na exceção de pré-executividade17. O Código atual estendeu a impugnação a todos os títulos judiciais e consolidou a prática da objeção por simples "petição incidental" no âmbito do cumprimento de sentença.

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392. Exceção de pré-executividade

Não apenas por meio dos embargos o devedor pode atacar a execução forçada. Quando se trata de acusar a falta de condições da ação de execução, ou a ausência de algum pressuposto processual, a arguição pode ser dada por meio de simples petição nos próprios autos do processo executivo.

A esse incidente Pontes de Miranda deu o nome de "exceção de pré-executividade."18Atualmente, a doutrina tem preferido o nomen iuris de "objeção de pré-executividade",19 ou "objeção de não-executividade"20.

Explica Cândido Dinamarco que o mito de ser os embargos à execução o único remédio à disposição do devedor para se defender contra o processo executivo, já não vigora mais, principalmente quando a objeção a ser feita no cabimento da execução tenha como fundamento matéria que ao juiz incumba conhecer e decidir de ofício.21

Essa matéria, sendo de ordem pública, não pode ter sua apreciação condicionada...

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