Execução por quantia certa: pagamento ao credor

AutorHumberto theodoro júnior
Ocupação do Autordesembargador aposentado do tribunal de justiça de minas gerais. professor titular aposentado da faculdade de direito da ufmg. doutor em direito
Páginas571-585

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369. Observações preliminares

A fase final da execução por quantia certa compreende o pagamento que o órgão judicial efetuará ao credor através dos meios obtidos na expropriação dos bens penhorados do devedor.

Pela própria natureza da obrigação exequenda, a fase de instrução deveria encerrar-se, em regra, com a arrematação e a fase de satisfação resumir-se-ia na entrega, ao credor, da importância arrecadada na alienação judicial, até o suficiente para cobrir o principal e seus acessórios, tal como ocorreria no cumprimento voluntário da obrigação pelo devedor. Com esse pagamento forçado extinguir-se-ia a obrigação e, consequentemente, a execução (NCPC, art. 924, nº II).1A entrega do dinheiro ao credor, porém, não é a única forma de pagamento prevista no sistema da execução por quantia certa. Representa a realização da obrigação originária, ou seja, o pagamento da quantia a que se obrigou o devedor, na mesma substância prevista no título executivo. Mas o Código prevê outras formas que também se prestam a satisfazer o direito do credor, mesmo sem lhe entregar a importância de dinheiro inicialmente reclamada em juízo. Aliás, a forma prioritária de satisfação da obrigação, indicada pelo art. 876, do NCPC,2como medida prática e de economia processual, é a adjudicação dos próprios bens penhorados, se isto interessar ao exequente. Cabe a este, nesta sistemática, optar por abreviar a solução da execução por meio da adjudicação, ou por prosseguir nas formas mais complexas de expropriação para, afinal, obter o pagamento em dinheiro.

De acordo com essa posição, o art. 8253indica, na ordem de preferência, três modalidades de expropriação para preparar o pagamento, a saber:

I - adjudicação (que pode ser em favor do exequente ou das pessoas indicadas no § 5º do art. 876)4(inc. I);

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II - alienação (que pode ser por iniciativa particular ou por leilão judicial) (inc. II);

III - apropriação de frutos e rendimentos de empresa ou de estabelecimentos e de outros bens (inc. III).

A essas figuras de expropriação correspondem as formas de pagamento previstas no art. 904,5que podem ser assim escalonadas:

I - a entrega do dinheiro (apurado na alienação do bem penhorado ou na apropriação dos frutos e rendimentos) (inc. I);

II - a adjudicação dos bens penhorados (inc. II).

Forma pura de pagamento é apenas aquela que se dá por meio da entrega ao exequente do dinheiro apurado na expropriação dos bens penhorados. As demais modalidades a que se refere o art. 904 correspondem a atividades complexas que, simultaneamente, realizam tanto a função de instrução, como a de satisfação. A adjudicação, a um só tempo, expropria bens do executado e os transfere para o exequente, daí dizer-se que é forma executiva híbrida, com duplo papel dentro da execução por quantia certa.

O pagamento por adjudicação já foi analisado, portanto, quando se estudou a instrução processual realizada por seu intermédio (v. itens 310 e seguintes). A seguir será abordado o pagamento por entrega de dinheiro.

370. Última etapa do processo de execução

O pagamento a que alude o art. 904 é a fase culminante do processo de execução. Em qualquer de suas formas, o termo utilizado pelo legislador processual tem a acepção de cumprimento da obrigação, mesmo que este não se dê de maneira voluntária ou espontânea.6Ao contrário do que se passa no processo de conhecimento, a atividade executiva do juiz não se endereça a um julgado que defina o litígio para fazer atuar a vontade da lei. Toda a energia jurisdicional se concentra em buscar resultado concreto no plano patrimonial, de molde a deslocar bens da esfera jurídica de uma pessoa para a de outra. O processo é de resultado e não de definição.

Não se pode, de maneira alguma, considerar a sentença de que trata o art. 9257 como o ato final da prestação executiva. A execução termina, como modalidade típica, quando ocorre a satisfação da obrigação, como deixa claro o art. 924, II.8É, pois, o

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pagamento e não a sentença o ato de prestação jurisdicional praticado no processo de execução.

Inaceitável, nessa ordem de ideias, a tese de que a sentença do art. 925 seria um julgamento de mérito em torno do objeto da execução forçada. O mérito, na espécie, se resolve pelo cumprimento da obrigação exequenda, e nunca pelo ato formal de proclamar o fim da relação processual. Se a sentença declara extinta a execução, ela o faz por constatar que o provimento executivo já anteriormente se encerrara. Não é a sentença que extingue a execução; ela somente reconhece que essa extinção já se deu.

371. Entrega do dinheiro

O pagamento do credor, pela entrega do dinheiro, que é a forma mais autêntica de concluir a execução por quantia certa, pressupõe, naturalmente, a prévia expropriação dos bens penhorados, através de arrematação ou remição, da qual tenha resultado o depósito do preço à ordem judicial. Pode também ocorrer, essa forma de pagamento, quando a penhora inicialmente tenha recaído sobre dinheiro, ou quando o devedor tenha efetuado, no curso do processo, o depósito da quantia correspondente à dívida exequenda.

O outro meio de satisfação, que é a adjudicação (NCPC, art. 904), só têm cabimento quando por ele optar o exequente (art. 876).9O levantamento da quantia apurada se faz em cumprimento de ordem ou mandado do juiz e ao credor compete firmar termo de quitação nos autos (art. 906).10O novo Código, para agilizar a satisfação do direito do exequente, permite que o mandado de levantamento do valor depositado em juízo possa ser substituído pela transferência eletrônica do valor depositado em conta bancária vinculada ao juízo para outra indicada pelo exequente (art. 906, parágrafo único).11

O direito do credor, de levantar o dinheiro depositado, não compreende toda a soma existente, mas apenas o correspondente ao principal atualizado da dívida, juros, custas e honorários advocatícios (art. 826).12

É sobre o quantum atualizado da dívida que se calcularão os juros e os honorários. As custas e despesas desembolsadas pelo exequente no curso da execução também sofrerão atualização monetária. Efetuado o pagamento completo, se houver remanescente, será restituído ao executado (art. 907).13Por fim, quanto à entrega do dinheiro, releva destacar a restrição do NCPC que veda, durante o plantão judiciário, a concessão de pedidos de levantamento de

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importância em dinheiro ou valores ou de liberação de bens apreendidos (art. 905, parágrafo único). Já no regime do CPC/73, o STJ se orientava nesse sentido, sob o argumento de que: (i) "o plantão judiciário objetiva garantir a entrega de prestação jurisdicional nas medidas de caráter urgente destinadas à conservação de direitos, quando possam ser prejudicados pelo adiamento do ato reclamado" (g.n.); e (ii) decisão de mérito "não se inclui dentre as providências de urgência"14.

Na mesma linha do art. 905 do NCPC, a Resolução nº 71/2009 do CNJ também veda o exame de pedido de levantamento de importância de dinheiro constante de depósito judicial, por juiz de plantão.15Em conclusão, tanto o NCPC como a jurisprudência estão acordes em que não se tratando de medida de caráter urgente, não cabe ao juiz, durante o plantão, autorizar o levantamento de importâncias em dinheiro ou valores, assim como a liberação de bens apreendidos16.

372. O pagamento no caso de fiança bancária e seguro garantia judicial

Ocorrendo a hipótese de segurança da execução por fiança bancária ou seguro garantia judicial (NCPC, arts. 835, § 2º),17o valor acobertado torna-se imediatamente exigível do responsável pela garantia, uma vez atingida a fase de satisfação do crédito exequendo. Superado o incidente dos embargos, seja porque não foram tempestivamente opostos, ou porque os opostos foram rejeitados, será o banco fiador (ou a seguradora, se for o caso) intimado a recolher em juízo, incontinente, a quantia correspondente à garantia prestada. O valor do recolhimento fica limitado ao da garantia. Se esta for contratualmente maior do que o débito finalmente apurado (principal atualizado, juros, custas e honorários), o garantidor recolherá apenas o montante que lhe seja correspondente. Sendo, porém, a garantia prestada inferior ao saldo da obrigação exequenda, o garantidor depositará em juízo apenas o valor contratual por que se obrigou. A execução não se extinguirá. Abatido o valor da garantia, o saldo será exigido mediante prosseguimento da execução sobre outros bens já penhorados ou que venham a ser penhorados.

373. Concurso de preferência sobre o produto da execução

O pagamento ao credor, pela entrega do dinheiro, assume feições diversas conforme haja, ou não, preferência de terceiros sobre o produto da transferência forçada dos bens penhorados.

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O Juiz autorizará que o credor levante, de pronto, a quantia necessária para a satisfação de seu crédito quando (NCPC, art. 905):18I - a execução for movida só a benefício do exequente singular, a quem, por força da penhora cabe o direito de preferência sobre os bens penhorados e alienados;

II - não houver sobre os bens alienados outros privilégios ou preferências instituídos ante-riormente à penhora.

O levantamento, portanto, não cabe de imediato se houver decretação de insolvência do devedor (caso em que a execução se dá em benefício da comunidade dos credores - art. 762, § 2º, do CPC/73, mantido pelo art. 1.052, do NCPC) ou se houver direitos reais ou privilégios de terceiros, que lhes assegurem preferência sobre o produto da transferência forçada.

Para a última hipótese, embora não haja o concurso universal, que é...

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