Requisitos necessários para realizar qualquer execução
Autor | Humberto theodoro júnior |
Ocupação do Autor | desembargador aposentado do tribunal de justiça de minas gerais. professor titular aposentado da faculdade de direito da ufmg. doutor em direito |
Páginas | 143-150 |
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Realizam-se, através do processo de execução, pretensões de direito material formuladas pelo credor em face do devedor. O direito de praticar a execução forçada, no entanto, é exclusivo do Estado. Ao credor cabe apenas a faculdade de requerer a atuação estatal, o que se cumpre por via do direito de ação. Sendo, destarte, a execução forçada uma forma de ação, o seu manejo sofre subordinação aos pressupostos processuais e às condições da ação, tal como se passa com o processo de conhecimento.
O novo Código estabelece como condições da ação a legitimidade de parte e o interesse de agir. Para a execução forçada prevalecem essas mesmas condições genéricas. Mas sua aferição se torna mais fácil, porque a lei só admite esse tipo de processo quando o credor possua título executivo e a obrigação nele documentada já seja exigível. É, pois, no título que se revelam todas as condições da ação executiva.
Desta forma, a admissibilidade da execução forçada exige a concorrência de dois pressupostos básicos e indispensáveis, que são:
I - o prático, que é a atitude ilícita do devedor, consistente no inadimplemento de obrigação exigível (NCPC, art. 786);1e
II - o formal, que se traduz na existência de título executivo, judicial ou extra-judicial, para documentar a obrigação inadimplida (arts. 798, I, a e 917, I).2Não é suficiente, outrossim, apenas a situação de um crédito documentalmente provado, tampouco a situação de uma obrigação descumprida. Só com a conjugação dos dois requisitos acima é que se torna viável o manejo do processo de execução.
A esses dois requisitos refere-se expressamente o novo Código, nos arts. 783 a 788,3ao colocar o título executivo e a exigibilidade da obrigação sob a denominação de "requisitos necessários para realizar qualquer execução".
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A exigência dos pressupostos em questão é, portanto, geral, aplicando-se indistintamente a todas as espécies de execução, sejam das obrigações de pagar quantia certa, sejam das obrigações de dar, de fazer ou não fazer.
A situação de fato que dá lugar a execução consiste sempre "na falta de cumprimento de uma obrigação por parte do obrigado".4Pertence ao direito material a conceituação do inadimplemento, no qual se considera devedor inadimplente aquele que não cumpriu, na forma e no tempo devidos, o que lhe competia segundo a obrigação pactuada.5Relaciona-se a ideia de inadimplemento com a de exigibilidade da prestação, de maneira que, enquanto não vencido o débito, não se pode falar em descumprimento da obrigação do devedor.
Ciente dessa verdade, ensinava Lopes da Costa que, para a execução, torna-se necessário que: a) exista o título executivo; e b) "a obrigação esteja vencida".6É evidente que sem o vencimento da dívida, seja normal ou extraordinário, não ocorre a sua exigibilidade. E não sendo exigível a obrigação, o credor carece da ação executiva (NCPC, arts. 783 e 786).
Não há, todavia, necessidade de produzir-se prova do inadimplemento com a inicial, o transcurso do prazo da citação sem o cumprimento da obrigação, como forma de interpelação judicial, é a mais enérgica e convincente demonstração da mora do devedor. Além do mais, a simples verificação, no título, de que já ocorreu o vencimento é a prova suficiente para abertura da execução. Ao devedor é que incumbe o ônus da prova em contrário, isto é, a demonstração de que inocorreu o inadimplemento, o que deverá ser alegado e provado em embargos à execução (arts. 535, nº III e 917, I)7ou em impugnação ao cumprimento da sentença (art. 525, § 1º, III).8Salvo a excepcional possibilidade da execução provisória, em matéria de sentença (título executivo judicial), só se pode falar em inadimplemento após o trânsito em julgado e a liquidação da condenação, se for o caso. Para os títulos extrajudiciais, não se tratando de obrigação a vista, o inadimplemento se dá após a ultrapassagem do termo ou a verificação da condição suspensiva.
No novo Código, a estipulação do primeiro requisito da execução acha-se contida no art. 786, onde se dispõe que ela, "pode ser instaurada caso o devedor não satisfaça
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a obrigação certa, líquida e exigível, consubstanciada em título executivo". O que se quis assentar foi a conotação de inadimplemento no campo da execução. Para que se tenha presente o requisito material da execução forçada, não basta o inadimplemento de qualquer obrigação. É preciso que o descumprimento se refira a uma obrigação corporificada em título executivo definido por lei.
O inadimplemento pressupõe uma situação de inércia culposa do devedor. Por isso mesmo, se ocorre o cumprimento voluntário da obrigação pelo devedor, "o credor não poderá iniciar a execução" (art. 788).9E mesmo que já tenha tido início a execução forçada, caberá sempre ao devedor o direito de fazer cessar a sujeição processual mediante pagamento da dívida, que é, invariavelmente, fato extintivo do processo executivo (arts. 788 e 924, II).10Mas, para desvencilhar-se da execução e obter a quitação da dívida é imprescindível que o devedor cumpra a prestação exatamente como a define o título executivo. Caso contrário, será lícito ao credor recusá-la e dar curso ao processo executivo (arts. 788, do NCPC, e 245, 249 e 313 do Código Civil).
A discussão em torno da regularidade e perfeição do pagamento, se anterior à execução, deverá ser objeto do processo incidente (mas à parte) dos embargos à execução (art. 917, VI),11se se tratar de execução fundada em titulo extrajudicial. Será tratada a matéria em impugnação quando a execução forçada estiver sendo processada como "cumprimento de sentença" (arts. 513 e 525, § 1º, VII).12Se o pagamento foi oferecido no curso da execução, qualquer divergência em torno dele será apreciada e decidida nos próprios autos.
Há negócios jurídicos em que após seu aperfeiçoamento apenas uma das partes tem obrigações (empréstimo, por exemplo). Em outros, ambas as partes assumem deveres e direitos recíprocos (compra e venda, parceria agrícola etc.).
Diz-se que o contrato é unilateral no primeiro caso; e bilateral no segundo. Regulando a segunda hipótese, dispõe o Código Civil de 2002 que "nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro" (art. 476).
Prevendo a possibilidade de execução de título que contenha uma obrigação dessa natureza, estatuiu o novo Código de Processo Civil que, "se o devedor não for obrigado a satisfazer sua prestação senão mediante a contraprestação do credor, este deverá provar que a adimpliu ao requerer a execução, sob pena de extinção do processo" (NCPC, art. 787).13
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Trata-se de aplicação da exceptio non adimpleti contractus, que é de natureza substancial, ao processo de execução, e que terá lugar sempre que o credor pretender intentá-lo sem a prévia ou concomitante realização da contraprestação a seu cargo.
Por força dessa exceção, a execução se frustrará, dada a ausência de um dos seus pressupostos indeclináveis - inadimplemento - já que a recusa do devedor ao pagamento será justa e, por...
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