Requisitos necessários para realizar qualquer execução

AutorHumberto theodoro júnior
Ocupação do Autordesembargador aposentado do tribunal de justiça de minas gerais. professor titular aposentado da faculdade de direito da ufmg. doutor em direito
Páginas143-150

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69. Pressupostos específicos da execução forçada

Realizam-se, através do processo de execução, pretensões de direito material formuladas pelo credor em face do devedor. O direito de praticar a execução forçada, no entanto, é exclusivo do Estado. Ao credor cabe apenas a faculdade de requerer a atuação estatal, o que se cumpre por via do direito de ação. Sendo, destarte, a execução forçada uma forma de ação, o seu manejo sofre subordinação aos pressupostos processuais e às condições da ação, tal como se passa com o processo de conhecimento.

O novo Código estabelece como condições da ação a legitimidade de parte e o interesse de agir. Para a execução forçada prevalecem essas mesmas condições genéricas. Mas sua aferição se torna mais fácil, porque a lei só admite esse tipo de processo quando o credor possua título executivo e a obrigação nele documentada já seja exigível. É, pois, no título que se revelam todas as condições da ação executiva.

Desta forma, a admissibilidade da execução forçada exige a concorrência de dois pressupostos básicos e indispensáveis, que são:

I - o prático, que é a atitude ilícita do devedor, consistente no inadimplemento de obrigação exigível (NCPC, art. 786);1e

II - o formal, que se traduz na existência de título executivo, judicial ou extra-judicial, para documentar a obrigação inadimplida (arts. 798, I, a e 917, I).2Não é suficiente, outrossim, apenas a situação de um crédito documentalmente provado, tampouco a situação de uma obrigação descumprida. Só com a conjugação dos dois requisitos acima é que se torna viável o manejo do processo de execução.

A esses dois requisitos refere-se expressamente o novo Código, nos arts. 783 a 788,3ao colocar o título executivo e a exigibilidade da obrigação sob a denominação de "requisitos necessários para realizar qualquer execução".

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A exigência dos pressupostos em questão é, portanto, geral, aplicando-se indistintamente a todas as espécies de execução, sejam das obrigações de pagar quantia certa, sejam das obrigações de dar, de fazer ou não fazer.

70. Inadimplemento do devedor

A situação de fato que dá lugar a execução consiste sempre "na falta de cumprimento de uma obrigação por parte do obrigado".4Pertence ao direito material a conceituação do inadimplemento, no qual se considera devedor inadimplente aquele que não cumpriu, na forma e no tempo devidos, o que lhe competia segundo a obrigação pactuada.5Relaciona-se a ideia de inadimplemento com a de exigibilidade da prestação, de maneira que, enquanto não vencido o débito, não se pode falar em descumprimento da obrigação do devedor.

Ciente dessa verdade, ensinava Lopes da Costa que, para a execução, torna-se necessário que: a) exista o título executivo; e b) "a obrigação esteja vencida".6É evidente que sem o vencimento da dívida, seja normal ou extraordinário, não ocorre a sua exigibilidade. E não sendo exigível a obrigação, o credor carece da ação executiva (NCPC, arts. 783 e 786).

Não há, todavia, necessidade de produzir-se prova do inadimplemento com a inicial, o transcurso do prazo da citação sem o cumprimento da obrigação, como forma de interpelação judicial, é a mais enérgica e convincente demonstração da mora do devedor. Além do mais, a simples verificação, no título, de que já ocorreu o vencimento é a prova suficiente para abertura da execução. Ao devedor é que incumbe o ônus da prova em contrário, isto é, a demonstração de que inocorreu o inadimplemento, o que deverá ser alegado e provado em embargos à execução (arts. 535, nº III e 917, I)7ou em impugnação ao cumprimento da sentença (art. 525, § 1º, III).8Salvo a excepcional possibilidade da execução provisória, em matéria de sentença (título executivo judicial), só se pode falar em inadimplemento após o trânsito em julgado e a liquidação da condenação, se for o caso. Para os títulos extrajudiciais, não se tratando de obrigação a vista, o inadimplemento se dá após a ultrapassagem do termo ou a verificação da condição suspensiva.

No novo Código, a estipulação do primeiro requisito da execução acha-se contida no art. 786, onde se dispõe que ela, "pode ser instaurada caso o devedor não satisfaça

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a obrigação certa, líquida e exigível, consubstanciada em título executivo". O que se quis assentar foi a conotação de inadimplemento no campo da execução. Para que se tenha presente o requisito material da execução forçada, não basta o inadimplemento de qualquer obrigação. É preciso que o descumprimento se refira a uma obrigação corporificada em título executivo definido por lei.

O inadimplemento pressupõe uma situação de inércia culposa do devedor. Por isso mesmo, se ocorre o cumprimento voluntário da obrigação pelo devedor, "o credor não poderá iniciar a execução" (art. 788).9E mesmo que já tenha tido início a execução forçada, caberá sempre ao devedor o direito de fazer cessar a sujeição processual mediante pagamento da dívida, que é, invariavelmente, fato extintivo do processo executivo (arts. 788 e 924, II).10Mas, para desvencilhar-se da execução e obter a quitação da dívida é imprescindível que o devedor cumpra a prestação exatamente como a define o título executivo. Caso contrário, será lícito ao credor recusá-la e dar curso ao processo executivo (arts. 788, do NCPC, e 245, 249 e 313 do Código Civil).

A discussão em torno da regularidade e perfeição do pagamento, se anterior à execução, deverá ser objeto do processo incidente (mas à parte) dos embargos à execução (art. 917, VI),11se se tratar de execução fundada em titulo extrajudicial. Será tratada a matéria em impugnação quando a execução forçada estiver sendo processada como "cumprimento de sentença" (arts. 513 e 525, § 1º, VII).12Se o pagamento foi oferecido no curso da execução, qualquer divergência em torno dele será apreciada e decidida nos próprios autos.

71. Inadimplemento em contrato bilateral

Há negócios jurídicos em que após seu aperfeiçoamento apenas uma das partes tem obrigações (empréstimo, por exemplo). Em outros, ambas as partes assumem deveres e direitos recíprocos (compra e venda, parceria agrícola etc.).

Diz-se que o contrato é unilateral no primeiro caso; e bilateral no segundo. Regulando a segunda hipótese, dispõe o Código Civil de 2002 que "nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro" (art. 476).

Prevendo a possibilidade de execução de título que contenha uma obrigação dessa natureza, estatuiu o novo Código de Processo Civil que, "se o devedor não for obrigado a satisfazer sua prestação senão mediante a contraprestação do credor, este deverá provar que a adimpliu ao requerer a execução, sob pena de extinção do processo" (NCPC, art. 787).13

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Trata-se de aplicação da exceptio non adimpleti contractus, que é de natureza substancial, ao processo de execução, e que terá lugar sempre que o credor pretender intentá-lo sem a prévia ou concomitante realização da contraprestação a seu cargo.

Por força dessa exceção, a execução se frustrará, dada a ausência de um dos seus pressupostos indeclináveis - inadimplemento - já que a recusa do devedor ao pagamento será justa e, por...

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