Atuação Brasileira no Fluxo Migratório Venezuelano: Questionamentos acerca da conformidade de Aplicação Frente ao Direito Internacional dos Refugiados

AutorVictória Figueiredo Machado, Marcilene Margarete Cavalcante Marques e Carla Sendon Ameijeiras Veloso
Páginas573-594
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ATUAÇÃO BRASILERIA NO FLUXO MIGRATÓRIO
VENEZUELANO: QUESTIONAMENTOS ACERCA DA
CONFORMIDADE DE APLICAÇÃO FRENTE AO
DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS
Victória Figueiredo Machado
Marcilene Margarete Cavalcante Marques
Carla Sendon Ameijeiras Veloso
Resumo: A legislação brasileira constitui-se como uma das mais avançadas no
continente americano em relação à temática do Direito Internacional dos refugiados,
sendo a primeira nação na América do Sul a regulamentar a proteção aos refugiados
através da ratificação da Convenção de Genebra de 1951 e o Protocolo de 1967. Em
âmbito nacional, manteve essa posição de destaque ao elaborar uma lei específica
sobre refugiados desde 1997, exercendo uma postura vanguardista de defesa dos
direitos humanos. Tendo isso em vista, o presente artigo busca analisar a evolução
das políticas de refúgio no país e problematizar se esses pressupostos humanitários
tão exacerbados e propagados pela política externa brasileira podem ser
evidenciados nas práticas cotidianas de acolhimento e deferimento de refugiados,
mais especificamente, em relação ao atual fluxo migratório de venezuelanos. Dessa
forma, com o estudo de caso focado nos desdobramentos humanitários da maior
crise política e econômica da Venezuela, esse artigo visa observar de que maneira o
desenho institucional brasileiro lida com o recrudescimento no número de pedidos
de refúgio, além de salientar a reação societária a esse veemente movimento
migratório, que é circundado por indiferença, descaso até episódios de implacável
hostilidade. Assim sendo, essa pesquisa se propõe a investigar o arcabouço jurídico
e a aplicação da lei nº 13.445/2017 e a própria definição ampliada de refugiado
concomitante à análise mais subjetiva de elementos xenofóbicos presentes em
discursos e práticas de uma parcela de indivíduos. A partir dessas indagações, o
artigo tem como objetivo central analisar a relação entre sociedade civil, governo
brasileiro e ACNUR no que tange o tratamento e acolhimento dos refugiados
venezuelanos, de forma a entender se o Brasil tem condições de fazer com que a
integração local desses refugiados seja estável e duradoura e de que maneira
desempenha sua função de arquétipo latino-americano.
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Palavras-chave: refúgio, regime internacional de proteção aos refugiados, ação
humanitária, Brasil, Venezuela.
INTRODUÇÃO
A política externa brasileira privilegia o direito internacional, a via
multilateral para a solução de conflitos e a postura grociana das relações
internacionais1, adotando um discurso de líder atuante, com crescente credibilidade
internacional e buscando mostrar seu papel ativo nas grandes causas globais, desde a
luta contra a fome, pobreza e desigualdades às mudanças climáticas e proteção da
biodiversidade e, principalmente, defesa dos direitos humanos e proteção aos
refugiados. Porém, como o artigo se propõe a questionar, esses elementos são
permeados por interesses políticos, silenciamentos e hierarquizações, que escondem
determinadas realidades que não seriam vistas positivamente pelo internacional e
valorizam políticas que o proporcionam legitimidade e apoio mesmo que na
prática, essas medidas não sejam equivalentes a como o país as divulgou .
Assim sendo, no momento em que os Direitos Humanos assumem
relevância na agenda internacional e que o Brasil passa a ser visto como
protagonista da estabilidade regional, por sua liderança regional benigna
conciliando interesses regionais e globais ao mesmo tempo em que exerce “soft
power2 o terreno para aprofundar uma política internacional humanitária geral
revela sua importância, fazendo com que o país estimulasse a criação de práticas
e legislações mais alinhadas aos temas de refúgio.
Apesar do Brasil contar com essa posição con siderada “ mais progressista”
em relação ao regime internacional de proteção aos refugiados, o acesso ao
procedimento de solicitação de refúgio, proteção e integração dos refugiados
constitui-se como um complexo processo, circundado por diversos entraves e
limitações que demandam a contestação e problematização dessas características
consideradas “naturais” e benéficas do país.
1 A corrente grociana (internacionalista, racionalista) acredita na possibilidade de cooperação e não na
guerra sem tréguas ou na paz perpétua. Com ênfase na coordenação, ou seja, na partilha de interesses e
valores comuns entre os Estados, é uma escala de conflito e cooperação, advinda da possibilidade de
canalizar interesses que nem sempre se excluem.
2 Conceito explicitado por Nye (2004) como a capacidade de influenciar outros Estados através de
cultura popular, mídia, em geral associado à ascensão da globalização e da corrente neoliberal,
podendo ser traduzido em termos de defesa da soberania nacional, promoção dos direitos humanos,
resolução pacífica de conflitos, não intervenção.

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