Princípio da Lesividade e Delitos de Acumulação: Racionalidade e Imputação Penal

AutorLuís Cláudio Senna Consentino
Páginas659-676
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PRINCÍPIO DA LESIVIDADE E DELITOS DE
ACUMULAÇÃO: RACIONALIDADE E IMPUTAÇÃO PENAL
Luís Cláudio Senna Consentino
Sumário: 1. Introdução. 2. Funções do princípio da lesividade. 3. Lesividade e
tipicidade penal. 4. Princípio da lesividade e delitos de perigo. 5. Delitos de perigo
abstrato e delitos de acumulação. 6. Critérios de imputação. 7. Considerações
finais. 8. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
O princípio da lesividade, tal como diversos outros princípios penais, tem
por escopo limitar a incidência do Direito Penal. Este princípio também é
denominado, ou ao menos se aproxima, do princípio da ofensividade e, por vezes,
é identificado com a ideia de bagatela ou insignificância, especialmente, nesta
última concepção, no que toca aos deli tos patrimoniais.
Segundo Artur Gueiros e Carlos Eduardo Japiassú, o princípio da
lesividade (ou ofensividade), é aquele segundo o qual somente pode ser
considerada merecedora de tutela penal a conduta que seja apta a expor a risco ou
a causar dano a bem jurídico penalmente relevante. Desta maneira, veda -se o
estabelecimento de delitos que sejam meras infrações de obrigações ou deveres, o
que significaria uma excessiva intervenção estatal, que não pode ser aceita1.
Em um Estado Democrático de Direito, o Direito Penal deve ser de
intervenção mínima, vale dizer, só é legítimo se atuar para reprimir condutas
previamente selecionadas e desde que violem os bens jurídicos de modo sério e
relevante. Não deve o Direito Penal ocupar-se de condutas pequenas,
insignificantes, de pouca importância. A ideia de lesividade ou ofensividade está
relacionada ao grau de violação ou maculação do bem jurídico. Tal princípio
apenas incidirá nos casos de baixíssima gravidade da lesão ou ameaça de lesão ao
1SOUZA, Artur de Brito Gueiros; JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. Dir eito Penal: volume único.
São Paulo: Editora Atlas, 2018, pág. 49.
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bem jurídico, ou seja, nos casos em que a violação ao bem jurídico for de somenos
importância.2
Assim, já é possível perceber que o princípio da lesividade se relaciona e
está intimamente ligado com a ideia de bem jurídico. Por sua vez, a concepção de
bem jurídico, que inicialmente foi compreendida como a violação de direitos
subjetivos, atualmente é vista como preexistente ao Direito Penal, servindo de
legitimação à atividade legiferante, que apenas o reconhece e autoriza a sua
proteção jurídico-penal.
A noção de bem jurídico é hoje elevada a verdadeiro fundamento do
Direito Penal democrático3, uma vez que o Direito Penal, na linha de pensamento
de Claus Roxin, tem por função primordial a proteção de bens jurídicos. Para uma
vertente teórica, o bem jurídico seria uma criação do direito, através da seleção
exercida pelo legislador (Binding); para outros, o bem jurídico é um interesse da
vida que o legislador toma da realidade social, reconhecendo-o (von Liszt).
Sucintamente, pode-se de finir b em jur ídico como “u m ente (dado ou valor social)
material ou imaterial extraído do contexto social, de titularidade individual ou
metaindividual, considerado como essencial à coexistência e desenvolvimento do
homem e, por isso, jurídico-penalment e protegido” 4.
Diante dessas premissas, o presente estudo abordará, sucintamente, os
aspectos pertinentes ao princípio da lesividade e os assim chamados delitos de
acumulação. Espera-se, ao final da exposição, contribuir ao debate científico de
construção de parâmetros seguros de imputação, em especial p ara a criminalidade
que atinge bens jurídicos supraindividuais ou coletivos, como ocorre com o meio
ambiente e a ordem econômica.
2. FUNÇÕES DO PRINCÍPIO DA LESIVIDADE
O garantismo penal de Luigi Ferrajoli não se olvidou do princípio da
lesividade como importante limitador do Direito Penal, assim, em sua obra
Derecho y Razón, aduz: “la necesar ia lesividad del resultado, cualquiera que sea
2Como leciona Luiz Regis Prado: “A irrelevante lesão do bem jurídico protegido não justifica a
imposição de uma pena, devendo excluir-se a tipicidade da conduta em casos de lesões de pouca
gravidade ou quando no caso concreto seu grau de injusto seja mínimo.” (PRADO, Luiz Regis. Curso
de Direito Penal brasileiro, Vol. I. 15ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, pág.
97).
3ROXIN, Claus. A proteção de bens jur ídicos como função do Dir eito Penal. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2006.
4PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito P enal brasileir o, Vol. I. 15ª Edição. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2017, pág. 167.

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