Uma análise empírica sobre o uso dos princípios, interpretação jurídica e decisão judicial

AutorFernanda Duarte, Bárbara Lupetti e Rafael Mario Iorio Filho
Páginas51-69
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UMA ANÁLISE EMPÍRICA SOBRE O USO DOS PRINCÍPIOS,
INTERPRETAÇÃO JURÍDICA E DECISÃO JUDICIAL1
Fernanda Duarte
Bárbara Lupetti
Rafael Mario Iorio Filho
Resumo: Trata-se de texto que problematiza a supremacia dos princípios, vigente na
ordem jurídica atual, com a proposta de pensar o direito brasileiro em suas práticas
discursivas, numa tentativa de explicitar como ele funciona e se atualiza no campo
empírico, e não, como deveria ser. A partir de uma perspectiva multidisciplinar
(filosofia do direito, antropologia jurídica2 e análise semiolinguística do discurso3)
de enfrentamento do fenômeno jurídico, pretendemos explicitar uma gramática das
decisões judiciais no direito brasileiro, objetivando demonstrar com que regras
operam os intérpretes das normas jurídicas no direito brasileiro na chamada era dos
princípios ou cenário pós-positivista4.
Palavras-chave: Princípios, Filosofia do direito, Antropologia jurídica e Análise
Semiolinguística do discurso.
1 Versão anterior deste texto e bastante similar a esta foi publicada pelos autores na Revista da
Faculdade de Direito do Sul de Minas. Ver em: DUARTE, F., IORIO FILHO, R. e LUPETTI
BAPTISTA, B. Uma a nálise empírica sobre o uso dos princípios, interpretação jurídica e decisão
judicial. In: Rev. Fac. Dir. Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 31, n. 2: 401-420, jul./dez. 2015.
2 Interessante a passagem de Roberto KANT DE LIMA (1983:98): A contribuição que se pode esperar
da Antropologia para a pesquisa jurídica no Brasil será evidentemente vinculada à sua tradição de
pesquisa. Desde logo há de se advertir que o estranhamento do familiar é um processo doloroso e
esquizofrênico a que certamente não estão habituados as pessoas que se movem no terreno das certezas
e dos valores absolutos. A própria tradição do saber jurídico no Brasil, dogmático, normativo, formal,
codificado e apoiado numa concepção profundamente hierarquizada e elitista da sociedade, refletida
numa hierarquia rígida de valores autodemonstráveis, aponta para o caráter extremamente etnocêntrico
de sua produção, distribuição, repartição e consumo.
3 Do ponto de vista metodológico, trabalhamos com a Análise Semiolinguística do Discurso a partir de
CHARAUDEAU e MAINGUENEAU (2004), que nos possibilitou explicitar as estruturas e visadas
discursivas, ou intenções, de cada enunciador ou autor textual em suas interpretações.
4 De uma forma bastante simples, o pós-positivismo é uma forma de compreensão do direito que
sustenta a normatividade do princípios jurídicos (e portanto de aplicação obrigatória no caso concreto)
e abertura do direito ao plano ético-moral. A partir da década de 90, incorporando uma série de autores
estrangeiros, tais como Robert Alexy e Ronald Dworkin, passa a ser entre nós a visão hegemônica (na
doutrina e jurisprudência) sobre a forma adequada não só de compreensão, mais especialmente de
aplicação do Direito. Para maiores esclarecimentos ver Bonavide (1995) e Barroso (2007).
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Abstract: Proposing to think about Brazilian law within its discursive practices and
in an attempt to explain how it works and is updated in the empirical field, and not
intending to make claims as the law should be, this text problematizes the
supremacy of legal principles, in force in the current Brazilian legal order. From a
multidisciplinary perspective (philosophy of law, legal anthropology and
semiolinguistic discourse analysis) of coping with the legal phenomenon, in the so-
called post-positivist principle age, we intend to clarify a grammar of judicial
decisions in Brazilian law, aiming to demonstrate with which rules how the
interpreters of legal rules operate in Brazilian law.
Keywords: Principles, philosophy of law, legal anthropology, semiolingistic
discourse analysis.
1. INTRODUÇÃO
O nosso interesse em escrever sobre este tema adveio da percepção de que
estamos vivenciando um momento jurídico em que a supremacia dos princípios se
impõe, parecendo-nos conveniente que, cada vez mais, pensemos e fomentemos
estudos e reflexões sobre o papel do juiz, uma vez que é ele quem, ao fim e ao cabo,
como intérprete definitivo, maneja os princípios e a teoria disponível e, no caso
concreto, exerce a jurisdição.
Em uma conversa com um desembargador, que fora entrevistado por um dos
coautores deste texto, ele se disse muito preocupado com essa “tendência” de os
juízes cada vez mais julgarem segundo o que ele próprio chamou de “princípios
abertos”.
Para o desembargador, esse uso indiscriminado dos princípios permite que o
juiz decida “como quiser”. Durante a entrevista, contou alguns casos e se esforçou
para comprovar a sua “tese” (de que o uso indiscriminado dos princípios permite
que o juiz decida como quiser).
Demonstrando a sua preocupação com essa nova “era principiológica”, o
desembargador enunciou uma frase que, até hoje, reverbera para todos nós e que foi,
de fato, a motivação que impulsionou a elaboração deste texto. Ele disse que hoje
em dia “o juiz julga a lei. E, segundo ele, “isso é perigoso, porque, se o juiz é
bom, ótimo. Mas se o juiz for mal-intencionado, é um problema”.
Sendo assim, o presente texto propõe pensar o direito de forma reflexiva, e
não de maneira repetitiva e reprodutora, própria dos trabalhados classificados

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