Funk proibidão: entre a expressão artística e cultural e a apologia ao crime

AutorUlisses Pessôa, Bruno Lúcio Moreira Manzolillo e Marlos Câmara Branco Rodrigues
Páginas269-287
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FUNK PROIBIDÃO: ENTRE A EXPRESSÃO ARTÍSTICA E
CULTURAL E A APOLOGIA AO CRIME
Ulisses Pessôa
Bruno Lúcio Moreira Manzolillo
Marlos Câmara Branco Rodrigues
Resumo: O trabalho aborda o tratamento que o Direito oferece ao funk carioca,
gênero musical comum às periferias urbanas, mais especificamente ao seu
subgênero conhecido como “proibidão”. A discussão abrange, de um lado, sua
recepção como manifestação de liberdade de expressão artística, assim como
movimento de uma cultura oprimida socialmente, merecendo e carecendo de devida
proteção constitucional, inclusive contra censura. Por outro viés, o artigo avalia
letras de canções do gênero, que traduzem aquilo que pode ser tipificado como
crimes de incitação e/ou apologia ao crime, na forma do Código Penal . Ao final, são
analisados de alguns casos concretos, buscando oferecer um panorama geral sobre o
tema.
Palavras-chave: funk, proibidão, liberdade de expressão, cultura, apologia ao
crime.
Abstract: The paper deals with the treatment that the Law offers to the Brazilian
funk, a musical genre common to urban peripheries, more specifically to its
subgenre known as the "proibidão". The discussion covers, on one hand, its
reception as a manifestation of freedom of artistic expression, as well as the
movement of a socially oppressed culture, deserving and lacking due constitutional
protection, including against censorship. By another bias, the article evaluates lyrics
of the genre, which translate what can be typified as crimes of incitement and/or
apology to crime, in the form of the Penal Code. At the end, some concrete cases are
analyzed, seeking to offer a general overview on the subject.
Keywords: funk, prohibition, freedom of speech, culture, apology for crime.
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INTRODUÇÃO (OU “BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O
SURGIMENTO E O ESTABELECIMENTO DO FUNK PROIBIDÃO”)
O funk é estilo musical de origem estrangeira que, ao aterrissar em terras
brasileiras, misturado a outros ritmos, adquiriu sua própria identidade, sendo
considerado uma das maiores manifestações de massa do Brasil (DANTAS, 2019).
O gênero é associado a setores marginalizados da sociedade, em especial, pobres e
negros, recebendo muito preconceito por parte de uma elite dominante.
A chamada “consolidação do funk” teve sua gênese em 1989, quando
Fernando Luís Mattos da Matta, o conhecido DJ Malboro, lançou o disco chamado
“Funk Brasil”, com uma batida própria criada por ele e com letras nacionais,
autorais daqueles que cantavam. As letras abordavam o cotidiano das favelas do Rio
de Janeiro, bem como temas um pouco mais românticos.
Com o tempo, cada comunidade formava uma galera e, assim, os bailes
ficaram conhecidos como “bailes das galeras” e, posteriormente, “bailes funk”1.
Contudo, em meados dos anos de 1990, tais eventos começaram a ser proibidos e os
bailes funk passaram a ser realizados somente dentro das comunidades.
Isso se deu porque nessa época foram ouvidas as primeiras músicas que
detalhavam a prática de crimes, exaltações a traficantes, facções criminosas e
vitórias em combate por domínio territorial de venda de drogas dentro das favelas,
ou canções que somente contavam a realidade de um lugar esquecido pelo poder
público, onde a prática de delitos é uma rotina. Com o conhecimento dessas letras
pela sociedade alguns funkeiros passaram a ser vistos como traficantes, aumentando,
assim, o preconceito2.
Essas músicas foram popularmente chamadas de “funks proibidões, que
acabaram se tornando um subgênero do funk carioca tradicional (BATISTA, 2013,
p.31). Dessa forma, o funkeiro, nome dado pela mídia aos jovens frequentadores
de bailes funk, passou a ser sinônimo de periculosidade, sendo difundido e
1 Destacaram-se, nesta época, as duplas Claudinho e Buchecha, que conseguiam abordar tanto o
romantismo como a vivência na comunidade, e Cidinho e Doca, que cantavam mais o lado social das
favelas.
2 Outra razão para a proibição foi a constante ocorrência de brigas nos bailes e clubes onde eram
realizados. Este tipo de comportamento era visto por seus frequentadores como uma forma de
extravasar ou de se exibir para alguém que se desejava conquistar. Vale notar que esse não é um
privilégio dos bailes funk brigas deste tipo ocorriam em muitas outras atividades onde havia
aglomeração de jovens, porém, devido ao preconceito já estabelecido com este gênero musical e
também por seus frequentadores serem jovens e do subúrbio, a medida escolhida foi a repressão e
consequentemente a proibição destes eventos (FACINA, 2013, p.59).

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