Informante do bem: ensaio sobre o whistleblower na atualidade

AutorArtur de Brito Gueiros Souza
Páginas35-50
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INFORMANTE DO BEM:
ENSAIO SOBRE O WHISTLEBLOWER NA ATUALIDADE
Artur de Brito Gueiros Souza
Sumário: 1. Introdução. 2. Evolução histórica do whistleblower. 3. Whistleblower
como um dos pilares do compliance. 4. Críticas ao whistleblower. 5. Whistleblower e
o direito brasileiro. 6. Conclusão. 7. Bibliografia.
1. INTRODUÇÃO
No ano de 2010, K.R., piloto de aviões comerciais da empresa W. Linhas
Aéreas, criou um blog em que eram inseridas informações relativas à segurança dos
voos daquela transportadora. Dentre os problemas relatados por K.R. constavam, por
exemplo, o procedimento da W. de fazer o piloto voar com o dispositivo ante colisão
inoperante. As opiniões constantes do blog eram discutidas por vários comandantes
da própria companhia aérea. Contudo, no entender dos dirigentes da W., o conteúdo
veiculado no blog era de grande repercussão negativa para o seu nome e a sua
credibilidade junto ao público e às autoridades, razão pela qual as questões
noticiadas deveriam ser tratadas pelos canais internos de fiscalização e controle;
jamais na Internet. Por conta do suposto mau procedimento e do prejuízo a
reputação da empresa, a diretoria entendeu que K.R. quebrou a ética e a confiança
que permeiam o contrato de emprego, o que acarretou a sua demissão por justa
causa. A controvérsia sobre a resolução do vínculo empregatício entre K.R. e a W.
foi levada para a Justiça do Trabalho. A sentença de primeira instância deu ganho de
causa a empregadora, considerando que, de fato, houve falta grave, pois o
empregado divulgou problemas de segurança dos voos da companhia na rede
pública de computadores, salientando-se, inclusive, que a denominação do blog era
W. P ilots. Ou seja, até por esse título seria fácil para qualquer pessoa acessá-lo
através de uma busca pelo nome da empresa. Dessa forma, estaria correta a
demissão por justa causa, ante a perda da confiança no empregado. Em grau de
recurso, o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região ponderou que o direito de
informação e a livre manifestação do pensamento, assegurados pela Constituição da
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República, legitimavam a existência do blog de autoria do empregado, pois nele
eram trocadas informações sobre a incolumidade dos voos da empregadora com
outros comandantes dela própria. E isso não configurava, por si só, mau
procedimento ou ato lesivo à honra do empregador a justificar a aplicação da justa
causa na demissão do trabalhador. Ao revés, indicava a sua preocupação com as
supostas falhas existentes no serviço de transporte de passageiros por parte da W.
Ademais, discutir publicamente, sem restrições, a segurança de voos é um serviço de
utilidade pública que os aeronautas prestariam à sociedade brasileira. Tal como a
imprensa, a revelação de tais informações serviria como forma de fiscalização de
atividades que têm forte impacto na vida de milhares de pessoas que se utilizam dos
serviços aéreos. Reconheceu-se, assim, que a demissão havia sido sem base legal,
pois era caso de dispensa sem justa causa, tendo sido, assim, decidido que a
empregadora deveria pagar os direitos e valores devidos a essa classe de demissão,
tais como aviso prévio indenizado, férias e 13º salário proporcionais e demais
indenizações trabalhistas e fiscais. Por fim, a questão chegou até o Tribunal Superior
do Trabalho, que confirmou o acórdão do Tribunal Regional do Trabalho, visto que
ele enfrentou exaustivamente todas as questões suscitadas pelas partes, expondo de
forma clara e fundamentada as razões pelas quais fora afastada a demissão por justa
causa aplicada ao empregado.1
O caso verídico ora relatado suscita uma série de considerações
relacionadas com a divulgação de desvios ou mesmo ilícitos ocorridos no âmbito
corporativo. Deve o empregado que detectou uma irregularidade comunicá-la ou
não? Se decidir comunicar, como e para quem fazer? Aquele que toma a iniciativa
de tornar pública a informação pode ser punido com a demissão ou pode obter
imunidade, quando não anistia? Se o conteúdo da informação colocar em risco a
sociedade ou ao público consumidor, o trabalhador pode imediatamente revelá-la ou
deve, antes, esgotar os trâmites internos de comunicação? Como compatibilizar a
liberdade de expressão e o direito à informação da coletividade mencionados no
acórdão supra com os deveres de lealdade, confiança e sigilo exigidos em uma
relação empregatícia? Vale a pena ser whistleblower ou seria melhor “ficar calado” e
garantir seu emprego?
Como se observa, muitas são as interrogações que se formam a respeito do
whistleblower ou a expressão que ora se utiliza como equivalente ao informante
do bem. É certo que outras tantas poderiam ser feitas, considerando a complexidade
1 TST. Proc. n. 10492-86.2013.5.01.0052. Relatora Min. Maria Helena Mallmann. Julgado em
14/06/2017. Disponível: http://www.tst.jus.br/validador, código 10017395296766EBFC. Acessado
setembro de 2019.

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