Tráfico de Pessoas para Remoção de Órgãos: 'Coisificando' A Pessoa Humana

AutorRaquel Alves de Mattos Medeiros e Fernando de Alvarenga Barbosa
Páginas707-725
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TRÁFICO DE PESSOAS PARA REMOÇÃO DE ÓRGÃOS:
“COISIFICANDO” A PESSOA HUMANA
Raquel Alves de Mattos Medeiros
Fernando de Alvarenga Barbosa
Resumo: O artigo analisa as legislações pertinentes, em especial o Protocolo de
Palermo, de 15 de novembro de 2000 e a Declaração de Istambul, 01 de maio de
2008, demonstrando a dificuldade de se ter conhecimento e, principalmente, de
investigar a prática do tráfico de pessoas para remoção de órgãos. Ele põe valor
econômico às diferentes partes do corpo, tornando-o objeto que pode ser
desmontado e ter uma “peça” realocada em outra pessoa, deixando os “descartáveis”
a mercê de sua própria sorte após a cirurgia. O tráfico de pessoas para remoção de
órgãos, aliado ao turismo de transplante, nutre um grande mercado: o comercialismo
de órgãos. Esta modalidade, talvez mais que as outras, coloca a pessoa como um
mero objeto. Dispõem de seus órgãos como se fossem partes não utilizáveis do
corpo. São motivadas a este ato pela grande diferença entre classes, falta de
educação, saúde, condições de miserabilidade, ou ainda, por “caírem no encanto”
dos corretores/vendedores que enaltecem uma vida melhor, emprego em outro país
por pequeno custo de uma cirurgia para remover parte de seu corpo.
Palavras-chave: Protocolo de Palermo; Declaração de Istambul; Turismo de
Transplante.
Abstract: The article the relevant legislation, in particular, the Palermo Protocol of
15 November 2000 and the Istanbul Declaration of 1 May 2008. It will be
demonstrated the difficulty of being aware of this practice that places an economic
value on different parts of the body, transforming them in objects that can be
disassembled and have a "piece" reallocated on someone else, leaving them
"disposables" at the mercy of their own luck after surgery. Human traffic for organ
removal, combined with transplant tourism, nourishes a large market: organ
commercialism. This modality, perhaps more so than the others, puts the person as a
mere object. They dispose of their organs as if they were unusable parts of the body.
They are motivated by the big difference between classes, lack of education, health,
conditions of miserability, or by “falling in the spell” of brokers/traders who praise a
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better life, employment in another country for the small cost of surgery to remove
part of your body.
Keywords: Palermo Protocol; Istambul Declaration; Transplant tourism.
INTRODUÇÃO
Comprar, prender e vender pessoas é prática de longa data, por mais que
hoje traga horror ao se pensar. A história traz diversos textos: A escravidão do povo
hebreu, no antigo Egito; os gladiadores de Roma; a força dos Hunos em conquistar
territórios e fazer escravos; o tráfico negreiro, parte contundente da história do
Ocidente. Todos, a sua época e a seu modo, “justificados”.
O tráfico de pessoas está, por assim dizer, entranhado nas teias sociais, na
construção do poder em vários países. Navios negreiros buscavam africanos para
serem usados como mão de obra barata e escrava. Imigrantes foram iludidos com a
promessa de ganharem muitas terras. Chegando, pagavam com o trabalho sua
viagem. Estas formas representam apenas uma das modalidades do tráfico de
pessoas: o trabalho forçado.
Modalidade altamente lucrativa, que chegava a lucros de 600%, a venda de
pessoas para trabalhos forçados encontra suas primeiras barreiras, em 1814, no
Tratado de Paris, entre França e Inglaterra, onde a França assume o compromisso de
fazer a abolição em cinco anos, sendo o primeiro acordo multinacional para abolir
esta forma de tráfico.
A partir daí, o regime escravocrata passa a ser alvo. Em 25 de setembro de
1926, é assinada a Convenção sobre a Escravatura assinada em Genebra. Foi
emendada pelo Protocolo aberto à assinatura ou à aceitação, na sede da ONU, em
Nova York, em 7 de dezembro de 1953. Pouco depois, a Convenção Suplementar
relativa à Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e
Práticas Análogas à Escravatura, de 07 de setembro de 1956, define a escravidão,
em seu art. 7, §1, como (...) o estado ou a condição de um indivíduo sobre o qual se
exercem todos ou parte dos poderes atribuídos ao direito de propriedade, (...)”. 1
1 Define também, neste momento, o Tráfico de escravos, no artigo 7º, parágrafo 3º: “Significa e
compreende todo ato de captura, aquisição ou cessão de uma pessoa com a intenção de escravizá-la;
todo ato de aquisição de um escravo para vendê-lo ou trocá-lo; todo ato de cessão, por venda ou troca,
de uma pessoa adquirida para ser vendida ou trocada, assim como, em geral, todo ato de comércio ou
transporte de escravos, seja qual for o meio de transporte empregado.”

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