Políticas Públicas de Mediação de Conflitos em Perspectiva Comparada Brasil e Espanha

AutorAdriano Moura da Fonseca Pinto e Sidney Rosa da Silva Junior
Páginas111-128
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POLÍTICAS PÚBLICAS DE MEDIAÇÃO DE CONFLITOS EM
PERSPECTIVA COMPARADA BRASIL E ESPANHA
Adriano Moura da Fonseca Pinto
Sidney Rosa da Silva Junior
1. A NECESSIDADE DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DE UM NOVO
MODELO
A artificialidade com que os conflitos são tratados pelos mecanismos
operativos do Direito - aptos a reconstruírem uma versão “solucionável” da questão
que lhe é levada a conhecimento, porém incapazes de atingir todas as matizes dos
problemas levados a tratamento por seus tribunais - tem aberto caminho para a busca
por modelos alternativos de gestão de controvérsias1. Essa mudança de rumos é
passível de ser verificada desde a perspectiva do próprio sistema jurídico, já que se
pauta em uma auto-observação sobre sua própria forma de operar2, chegando-se
mesmo à proposição de mecanismos substitutivos ou complementares da jurisdição
estatal como alternativas para a solução de conflitos.
Tais reflexões sobre o funcionamento do Direito e sua dificuldade em lidar
com determinadas questões através de mecanismos meramente adjudicatórios3,
expressam, em uma visão luhmaniana, a pressão de sua fórmula de contingência por
uma maior abertura cognitiva, de forma a viabilizar que o sistema esteja atento à
contínua evolução social e aos problemas dela decorrentes. A ampliação dos canais
comunicativos e dos fóruns de discussão como instrumentos de gestão de conflitos
são um reflexo dessa observação sobre a inadequação de determinadas estruturas do
sistema jurídico para oferecer respostas às perturbações geradas a partir da evolução
das demandas sociais na sociedade moderna4.
A análise da evolução histórica das diversas gerações de direitos permite
observar esses elementos característicos dessa transformação, a ponto de se
1 TEUBNER, Gunther, “Alienating Justice: on the surplus value of the twelfth camel” en
Consequences of Legal Autopoiesis, Dartmouth: Aldershot, 2001. p. 22.
2 CORSI, GIancarlo; ESPOSITO, Elena; BARALDI, Claudio, Glosario sobre la teoria Social de
Niklas Luhmann, 1. ed. Guadalajara: Universidad Iberoamericana, 1996. p. 138.
3 FULLER, Lon L, “The Forms and Limits of Adjudication”, en Har vard Law Review, v. 92, n. 2,
1978.
4 TEUBNER, Gunther, “Alienating Justice: on the surplus value of the twelfth camel” en
Consequences of Legal Autopoiesis, Dartmouth: Aldershot, 2001. p. 22.
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identificar uma dimensão jurídico-normativa focada na efetividade dos instrumentos
de tutela utilizados pelo sistema como uma quarta geração de direitos, voltada ao
fortalecimento institucional dos mecanismos de democracia direta5. Essa nova
dimensão, ainda que não se expresse de forma cronológica na linha de evolução
normativa, readapta os modelos anteriores a novas necessidades humanas e os
redimensionam aos novos contextos a que devem ser aplicados, permitindo ao
sistema oferecer respostas também aos influxos das concepções jurídicas e sociais
prevalentes nos novos momentos6. Outrossim, a despeito de não serem imutáveis, as
estruturas normativas não se transformam meramente pela repetição das
comunicações que lhe contrapõem, mas a partir da verificação da mudança nas
condições ou suposições sobre as quais foram construídas7.
A referida proposição denota, ainda, a íntima correlação dessa gestão
democrática com o direito à informação, visto que a democracia deliberativa,
entendida como “modelo ou ideal de justificação do exercício do poder político
pautado no debate público entre cidadãos livres e em condições iguais de
participação”8, exige um grau razoável de compreensão sobre o tema em discussão
para que seja viabilizada alguma decisão. Segundo BELLOSO MARTÍN, ainda que
nem todos os setores da sociedade tenham capital cultural apto a influir nas
discussões, certamente são possuidores de pretensões políticas legítimas9 que devem
ser levadas em conta no processo. O direito à informação também já havia sido
apresentado por BONAVIDES como um dos pilares da quarta geração de direitos,
ao lado do direito à democracia e o direito ao pluralismo.10
As transformações promovidas no Direito a partir dessa quarta dimensão
expressam uma reflexão sobre suas limitações em representar uma realidade
extremamente policêntrica11 e dinâmica.
É possível perceber, portanto, dos influxos recebidos dessa chamada quarta
dimensão, uma mudança de paradigma quanto à forma de tutelar os direitos, onde a
busca por mecanismos alternativos aos tradicionais instrumentos jurídicos
5 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2010, pp. 571/572.
6 FERREIRA MENDES, Gilmar et al. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2ª edição,
2008, p. 237.
7 LUHMANN, Niklas, El derecho de la socieda d, Mexico D.F.: Herder, 2005. p. 633.
8 JACOBI, Pedro Roberto; BARBI, Fabiana. “Democracia e participação na gestão dos recursos
hídricos no Brasil” In Revista Katálysis [http://www.scielo.br/pdf/rk/v10n2/a12v10n2.pdf]. 2007,
vol.10, n.2, p. 239. Acesso em 02.03.2010.
9 BELLOSO MARTÍN, Nuria. “En busca de unos ciudadanos deliberantes. Deliberando sobre la
democracia deliberativa” In Revista Latino-americana de Estudos Constitucionais. 2008, n. IX, p. 405.
10 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 571.
11 FULLER, Lon L, “The Forms and Limits of Adjudication”, en Ha rvard Law Review, v. 92, n. 2,
1978.

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