Sobre a necessidade de maior tributação de heranças e doações no Brasil

AutorAluizio Porcaro Rausch
Ocupação do AutorBacharel e Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais
Páginas1-54
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SOBRE A NECESSIDADE DE MAIOR
TRIBUTAÇÃO DE HERANÇAS E
DOAÇÕES NO BRASIL
Aluizio Porcaro Rausch1
INTRODUÇÃO
A tragédia dos comuns (tradução livre do inglês the tragedy of the
commons) é a denominação dada pelo biólogo Garret Hardin ao cenário
ctício criado pelo matemático William Foster Lloyd, no qual um pasto
de uso público é arruinado por sobrepastoreio quando pastores mantêm
ali o maior número possível de animais próprios. Em raciocínio simpló-
rio de custo/benefício, os pastores assim se conduzem, porque cada um
se apropria íntegra e individualmente dos lucros da venda posterior de
seus animais, enquanto que o consumo do capim é suportado por todos2.
Esse cenário não é espécie de ode à propriedade privada. Pelo con-
trário, a conclusão de Garret Hardin é que, em uma realidade em que
os bens são nitos, o individualismo não leva ao progresso, como pro-
pagado por Adam Smith, mas sim à ruína de todos. Assim, seu cerne
crítico refere-se aos malefícios que o egocentrismo relacionado aos bens
materiais causa a toda uma coletividade, efetivamente um problema
1 Bacharel e Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Mi-
nas Gerais. Membro da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos
Advogados do Brasil Seção Minas Gerais. Advogado.
2 GARRET, Hardin. The Tragedy of the Commons. Science (AAAS) 162 (3859):
1243–1248. Disponível em: http://www.sciencemag.org/content/162/3859/1243.
full.pdf. Acesso em 12/01/2015.
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misabel abreu machado derzi / joão paulo fanucchi de almeida melo (coordenadores)
call e put
moral de repercussões sociais negativas. Inclusive, o autor expressamente
arma que a propriedade privada, que serve à nalidade de preservação de
inúmeros recursos, é o meio pelo qual a tragédia dos comuns se repete em
cenários mais complexos, como a atual poluição do meio-ambiente3.
Certo é que a matéria de fundo para a discussão do biólogo esta-
do-unidense é o controle populacional. No entanto, seu raciocínio pode
plenamente ser aplicado à tributação de heranças e doações no Brasil.
A herança, como exercício do direito de propriedade privada, recebe to-
das as características e vicissitudes desta. Ademais, é, no Brasil, objeto
de uma das menores tributações do mundo, e em patamar muito inferior
ao da tributação da renda proveniente do trabalho no país.
Ocorre que a tributação da herança é componente de um sistema maior
de distribuição de recursos materiais, logo seu baixo patamar contribui
para a desigualdade econômica, a concentração excessiva de riqueza e de
poder, além de romper com a lógica meritocrática em que supostamente se
baseia o capitalismo. Posto de outra forma, a atual tributação de heranças
e doações no Brasil permite a apropriação dos benefícios coletivamente
produzidos por apenas alguns indivíduos, através de relações nanceiras
complexas, e a imposição dos malefícios ao restante dos brasileiros.
Assim, pretendo, nas próximas linhas, traçar o perl da tributação de
heranças e doações no Brasil, inclusive com breve abordagem de ques-
tões históricas e antropológicas relacionas (1. A Tributação de Heranças
e Doações no Brasil). Em seguida, em viés mais abstrato, apresento ra-
zões losócas para maior tributação de heranças e doações no Brasil
(2. Razões Filosócas para Maior Tributação de Heranças e Doações),
para, em seguida, trazer razões de cunho mais concreto (3. Razões Prá-
ticas para Maior Tributação de Heranças e Doações). Posteriormente,
sugiro algumas modicações jurídicas do instituto, visando a redução de
desigualdades (4. Sugestões de Modicações Jurídicas da Tributação de
Heranças e Doações no Brasil para Redução de Desigualdades). Por
m, apresento minhas conclusões sobre a necessidade de maior tributa-
ção de heranças e doações no Brasil como meio de redução de desigual-
dades (Conclusões).
Importante se observar que, no presente trabalho, utilizo os termos
“doação” e “doações” apenas em referência às tranferências gratuitas
de bens e direitos entre vivos e cujos beneciários sejam, em última
3 Ibidem. Página 1.245.
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aluizio porcaro rausch
3
instância, familiares do doador. Logo, este estudo não se aplica às trans-
ferências efetivamente beneméritas, que podem muito bem permanecer
sujeitas a baixa tributação. Ademais, as ponderações e sugestões aqui
apresentadas devem se submeter à crítica e a estudos mais aprofunda-
dos, bem como as últimas são insucientes quando isoladas de políticas
orçamentárias que promovam nivelamento por cima da redução de desi-
gualdades econômicas, signicando que não basta que todos se tornem
menos desiguais na pobreza, pois que devam sê-lo, sim, na riqueza.
Por derradeiro, em momento algum neste trabalho pretendo a aboli-
ção da propriedade privada, da herança ou do sistema capitalista, ainda
que essa possa ser a impressão causada pela leitura de algum trecho.
O que pretendo é, sim, propor soluções parciais para o acúmulo excessi-
vo de riqueza no Brasil. É verdade que este, em última análise, origina-se
do egoísmo humano, questão atinente à moral. Contudo, com alguma
sorte, alterando-se o sistema tributário neste aspecto especíco, pode-se,
indiretamente, contribuir para a alteração da origem do problema e, se
não, pelo menos para a redução de seus efeitos negativos.
1. A TRIBUTAÇÃO DE HERANÇAS E DOAÇÕES NO BRASIL
Em 1809, foi criado, no Brasil, o imposto sobre heranças, tendo
como veículo normativo o Alvará Régio de 17/06/1809. Inicialmente,
esse imposto não se aplicava à sucessão em linha reta, ascendente ou
descendente, vindo a sê-lo apenas a partir de 1869, à alíquota de 1 a
10%. Ademais, os valores arrecadados a esse título pertenciam às rendas
gerais, passando às rendas das províncias em 1832 e, disso, para a dos
Estados com a Constituição de 18914.
1988 (CR/1988), o direito de herança é uma garantia fundamental,
portanto inabolível5. Ainda, apresenta-se o imposto sobre transmissão
4 FERNANDES, Regina Celi Pedrotti Vespero. Imposto sobre Transmissão Causa
Mortis e Doação – ITCMD. 3ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
Página 28 a 30.
5 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “Art. 5º Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e
aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
XXX - é garantido o direito de herança”.
“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...)
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