O preço para se viver em um mundo civilizado

AutorOnofre Alves Batista Júnior/Ludmila Mara Monteiro de Oliveira/Tarcísio Diniz Magalhães
Ocupação do AutorPós-Doutorado em Democracia e Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Doutoranda em Direito e Justiça (Direito Tributário) pela UFMG com estágio doutoral na Universidade McGill/Doutorando em Direito e Justiça (Direito Tributário) pela UFMG com estágio doutoral na Universidade McGill
Páginas445-492
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O PREÇO PARA SE VIVER EM UM
MUNDO CIVILIZADO
Onofre Alves Batista Júnior1
Ludmila Mara Monteiro de Oliveira2
Tarcísio Diniz Magalhães3
1. POR QUE TRIBUTAR? OS VÁRIOS OBJETIVOS DA
TRIBUTAÇÃO
Um sem-número de razões levam as sociedades contemporâneas a
lançarem mão, por intermédio do aparato coercitivo estatal, da gura dos
tributos, fazendo incidir sobre pessoas (físicas e jurídicas, contribuintes
ou responsáveis) a norma jurídico-tributária que impõe o dever de “levar
dinheiro aos cofres públicos”.4 É que recursos scais são indispensáveis
1 Pós-Doutorado em Democr acia e Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra. Dout or em Direito pela UFMG. Mest re em Ciências
Jurídico-Políticas pela Un iversidade de Lisboa. Professor Adjunto de Dire ito Público
do Quadro Per manente da Graduação e Pós-g raduação da UFMG. Advogado- Geral
do Estado de Mina s Gerais.
2 Doutoranda em Di reito e Justiça (Direito Tributário) pela UFMG com estág io dou-
toral na Universidade McGi ll. Mestra em Direito e Justiça (Direito Tribut ário) pela
UFMG. Bacharela em Direito pela UFMG, com formação complementar pela Uni-
versidade de Wisconsin-Ma dison. Advogada.
3 Doutorando e m Direito e Justiça (Direito Tributário) pela UFMG com est ágio dou-
toral na Universidade McGi ll. Mestre em Direito e Justiça (Direito Tribut ário) pela
UFMG. Bacharel em Direit o pela UFMG, com formação c omplementar pela Uni-
versidade de Wisconsin-Ma dison. Advogado.
4 Cf. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2004.
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justiça fiscal
misabel abreu machado derzi / joão paulo fanucchi de almeida melo (coordenadores)
call e put
à execução das funções estatais, nanciando a atuação governamental e
as políticas públicas orientadas à satisfação das diversas necessidades e
objetivos da comunidade.5 Por meio da receita derivada, governos nan-
ciam o próprio sistema jurídico, pagando funcionários públicos (legisla-
dores, administradores públicos, policiais, juízes, promotores, etc.) en-
carregados de zelar pelos direitos e garantias reconhecidos aos cidadãos
(e, em alguns casos, também a não-cidadãos). É também com recursos
extraídos do setor privado que o Estado realiza obras públicas, cons-
truindo pontes, estradas, parques, hospitais, e presta serviços públicos de
saúde, educação, assistência, previdência, à população.
Em geral, a doutrina tributária divide os tributos em duas grandes ca-
tegorias: tributos com função scal e tributos com função extrascal. No
campo da scalidade, o tributo serve ao custeio da máquina pública, com
vistas a permitir que o Estado satisfaça necessidades públicas. Mas pela
faceta tributária, o Estado também adentra o domínio da extrascalidade,
desempenhando funções não eminentemente arrecadatórias. É o caso da
função regulatória,6 segundo a qual o tributo pode ser utilizado como
mecanismo para intervir na economia, garantir estabilização ou mesmo
moldar comportamentos, incentivando ou desincentivando certas ativi-
dades consideradas nocivas, seja para o indivíduo, seja para a sociedade
– os chamados tributos pigouvianos, em referência ao economista a. c.
PiGou
.7 Existe ainda uma terceira função que adquire notável importân-
cia diante de um Estado comprometido com a justiça social, a saber,
5 “Recursos scais são necessários para executa r as funções estatais, e a maneira com
que são obtidos molda como indivíduo s e Estado se relacionam. [...] A política públi-
ca entra, não como u ma aberração da “ordem natu ral” dos mercados privados, mas
como um meio igualment e válido ou natural de lidar com um di ferente conjunto de
problemas. A mão visível dos processos or çamentários, em suma, nã o é menos “na-
tural” do que a mão i nvisível do mercado. Uma variedade de necessidades devem
ser satisfeitas e tarefas realizada s, algumas mais bem servidas pelo primeiro e ou-
tros pelo segundo modo. Falhas s urgem e precisam ser tratad as no âmbito dos dois,
com ambos oferecendo contr ibuições essenciais e complementares para a orde m
social.” MUSGRAVE, Richa rd A. The nat ure of the scal state In: BUCHANAN,
James M.; MUSGRAVE, Richard A. Public nance and public ch oice: two con-
trasting v isions of the state. Cambridge: The MIT Press, 1999, p. 29-49, p. 30-31.
6 AVI-YONAH, Reuven S. Taxation as regulation: carbon tax, he alth care tax, ba nk
tax and other reg ulatory taxes. Accounting, Econ omics, and the Law: A Convivium,
v. 1, n. 2, art. 6, 2011.
7 Cf. PIGOU, A. C. The economi cs of welfare. Hampshire: Palgrave Macmilla n, 2013
(Palgrave Classics in Econom ics).
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onofre alves batista júnior / ludmila mara monteiro de oliveira / tarcísio diniz magalhães
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a função redistributiva, focada na garantia de um patamar de dignidade
para todos, minimizando desigualdades econômicas entre os indivíduos.8
Dessa breve descrição, vê-se que, nas democracias modernas, o fe-
nômeno tributário é multifacetado, em razão do amplo papel econômico
atribuído ao Estado. Apesar de, na prática, ser muitas vezes difícil di-
zer qual a principal nalidade de uma determinada imposição tributária,
identicar as diferentes funções da atividade nanceira governamental
tem relevância tanto do ponto de vista conceitual, quanto normativo.9
Nesse sentido,
liam murPhy
&
thomaS naGel
trabalham os concei-
tos de provisão pública (“divisão público-privado”) e (re)distribuição,
como duas funções básicas da tributação10 – que equivalem aos clássicos
ramos alocativo e distributivo, respectivamente, no modelo de
richard
& PeGGy muSGraVe
.11 Para compreender a primeira delas, a divisão
8 No caso do Brasil,
miSabel derzi
bem aponta que “[no] contexto jurídico cons titu-
cional, somente no plano losóco ou teórico-especulativo caberia discuti r a conve-
niência ou não de se adota r a justiça tributária di stributiva.” É que a Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988 “[...] estabeleceu o dever de se con struir uma
sociedade livre, justa e solidária, além de obrigar à erra dicação da pobreza e à re -
dução das desigua ldades sociais. Em seu art. 7º, enumerou os di reitos sociais como
direitos fu ndamentais e disciplinou as regr as de custeio da Segurida de Social, nome
que designa não apena s a previdência social, mas ainda as açõ es no campo da saúde
e da assistência social. P rometeu saúde universal e gratuit a para todos e assistência
social a todos os necessita dos para que a nenhum cidadão fosse nega da a dignidade
humana. Disciplinou as contribuições como tributos inst rumenta is da constr ução
da Seguridade Social (art. 195), estabeleceu a progressividade, a universal idade e
a generalidade como pr incípios cogentes do impost o sobre a renda (art. 153), além
de ter con sagrado a regr a da imposição seg undo a capacidad e econômica do cont ri-
buinte (art. 145).” DERZI, Misabel Ab reu Machado. Guerra scal , Bolsa Família e
Silêncio (Relações, efeitos e regres sividade). Revista Jurídica da Presidência, v. 16,
n. 108, Brasília, p. 39-64, fev./maio 2014, p. 47-48. Veja também: TORRES, Hele-
no Taveira. Tributos são meios constitucional mente válidos de inter vencionismo
econômico. Conjur, 30 jul. 2014. Para uma bre ve análise do multifacetado fenôme -
no tribut ário, com especial at enção à nalidade redistributiva, cf. LEAL, Augusto
Cesar de Carva lho. (In)Justiça social por meio de tributos: a nalid ade redistributi-
va da tributaç ão e a regressividade da matri z tributária brasileir a. Revista Dialética
de Direito Tributário, n. 196, p. 7-32.
9 MURPHY, Liam; NAGEL, Thomas. The myth of ow nership: taxes and just ice.
Oxford: Oxford University Pre ss, 2002, p. 76.
10 Cf. MURPH Y, Liam; NAGEL, Thomas. Taxes, redistribution , and public provision.
Philosophy & Public Affairs, v. 30, n. 1, p. 53-71, 2001.
11 Ibid., p. 57 (1). Para os
muSGraVeS
, há, ainda, a f unção estabilizadora, que cu ida de
questões macroeconômicas. Neste caso, o Estado faz uso de política s scais com
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