Pacto antenupcial na hermenêutica civil-constitucional
Autor | Ana Carla Harmatiuk Matos e Ana Carolina Brochado Teixeira |
Páginas | 15-37 |
PACTO ANTENUPCIAL NA HERMENÊUTICA
CIVIL-CONSTITUCIONAL1
Ana Carla Harmatiuk Matos
Doutora e Metsre em Direito pela UFPR e mestre em Derecho Humano pela Universidad
Internacional de Andalucía. Tutora Diritto na Universidade di Pisa – Italia. Professora
na graduação, mestrado e doutorado em Direito da UFPR. Vice-Coordenadora do Pro-
grama de Pós-graduação em Direito da UFPR. Professora de Direito Civil e de Direitos
Humanos. Advogada. Diretora da Região Sul do IBDFAM. Vice-Presidente do IBDCivil.
Ana Carolina Brochado Teixeira
Doutora em Direito Civil pela UERJ. Mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Espe-
cialista em Direito Civil pela Escuola di Diritto Civile – Camerino, Itália. Professora do
Centro Universitário UNA. Coordenadora editorial da RBDCivil. Advogada.
Sumário: 1. Introdução. 2. A hermenêutica civil-constitucional nas relações familiares. 3.
Estrutura e função do pacto antenupcial. 4. Questões controvertidas sobre efeitos do pacto.
4.1 Ecácia do pacto antenupcial ajustado e não seguido da celebração do matrimônio, mas
estabelecida união estável. 4.2 Decisões conferindo ecácia à vontade manifestada pelas
partes somente na certidão sem pacto antenupcial registrado. 4.3 Cláusulas que preveem
modicações no regime após certo lapso temporal. 5. Questões controvertidas sobre aspec-
tos patrimoniais no pacto. 5.1 Eleição da separação total de bens em casamentos de pessoas
posições patrimoniais restritivas. 5.4 Cláusulas sucessórias no pacto antenupcial. 6. Inclusão
de disposições não patrimoniais no pacto antenupcial: possibilidade e limites. 7. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
A discussão sobre as possibilidades e os limites da ingerência do Estado na família
tem crescido cada vez mais, em razão das demandas de expansão desses espaços, para
que os nubentes, cônjuges e companheiros possam, em nome da comunhão plena de
vida, construir as regras de convivência que reflitam as aspirações comuns e a fórmula
pessoal de realização conjugal.
No entanto, uma vez possível ampliar algumas fronteiras para além da legalidade
estrita, nos contornos dos princípios constitucionais, indaga-se acerca dos instrumentos
aptos a serem utilizados para abrigar seus acordos de índole familiar, sejam eles patri-
moniais ou existenciais.
No presente estudo busca-se investigar o âmbito do pacto antenupcial como meio
apto a receber não apenas o estatuto patrimonial dos nubentes, mas também outras re-
1. Esse texto já anteriormente publicado, sofreu acréscimos e atualização para presente obra.
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gras de convivência. Além de destacar as possibilidades desse relevante instrumento de
autonomia privada, ainda pouco utilizado no Brasil, visa-se também a indicar eventuais
limites e apresentar controvérsias sobre a temática, no viés da legalidade constitucional.
2. A HERMENÊUTICA CIVIL-CONSTITUCIONAL NAS RELAÇÕES FAMILIARES
Para se entender a relevância do ordenamento jurídico em valorizar a construção,
pelas próprias partes, dos meios aptos a alcançarem a comunhão plena de vida, é impor-
tante lembrar as transformações havidas no interior da família.
A família patriarcal, hierarquizada, numerosa, de casamentos arranjados e indisso-
lúvel inscrita no Código Civil de 1916 era conhecida como família instituição, pois era
protegida em si mesma, independentemente de uma preocupação com seus membros e
suas relações internas. Esse modelo entrou em crise em razão das modificações sociais
ocorridas no século XX: revolução feminista, inserção da mulher no mercado de traba-
lho e crescente participação do homem na vida doméstica com o cuidado com os filhos,
situações que exigiram uma reformulação nas relações familiares que reverberaram
juridicamente.
A alta carga de proteção e promoção que a Constituição da República verteu para a
família, a partir da centralidade da pessoa humana no sistema jurídico consagrou-a como
forma de tutela funcionalizada dos seus membros, que tem na democracia2 importante
marca da sua forma de atuação: busca de soluções dialogadas e compartilhadas entre seus
componentes, para que a família possa ser, efetivamente, locus privilegiado de realização
e crescimento das pessoas nela envolvidas.
Com essa mudança, a família passa a ter como principal função a realização exis-
tencial dos seus membros, o que acabou por gerar uma reconfiguração dos institutos
tradicionais, como casamento, autoridade parental (antigo pátrio poder e poder familiar),
guarda, entre outros, que passam a ser relidos sob a irradiação do princípio da dignidade
da pessoa humana.
Nesse contexto, adquire relevo a garantia de respeito ao espaço de autonomia exis-
tencial,3 pela qual cada indivíduo deve ter a liberdade de realizar seu projeto individual
de vida e felicidade, o que se reflete, inclusive, na possibilidade de escolher seu par afe-
tivo, de determinar a forma de vida em comum, e também de romper essa relação sem
2. “Em outras palavras, em contraposição ao modelo familiar tradicional e findas as desigualdades mencionadas,
tornou-se possível propor uma configuração democrática de família, na qual não há direitos sem responsabilidades,
nem autoridade sem democracia. A democratização no contexto da família implica alguns pressupostos específicos,
tais como a igualdade, o respeito mútuo, a autonomia, a tomada de decisões através da comunicação, o resguardo
da violência e a integração social” (BODIN DE MORAES, Maria Celina, A nova família, de novo – Estruturas e
função das famílias contemporâneas. Pensar, Fortaleza, v. 18, n. 2, p. 587-628, mai./ago. 2013. Disponível em:
http://ojs.unifor.br/index.php/rpen/article/view/2705/pdf. Acesso em: 14 abr. 2018, p. 592).
3. “Em breves linhas, é possível afirmar que a autonomia existencial é espécie do gênero autonomia privada e se
configura como instrumento da liberdade individual para realização das potencialidades da pessoa humana e de
seus interesses não patrimoniais, incidindo nas situações jurídicas subjetivas situadas na esfera extrapatrimonial,
cujo referencial objetivo é o próprio titular no espaço de livre desenvolvimento da personalidade”. (VIVEIROS
DE CASTRO, Thamis Dalsenter, A função da cláusula de bons costumes no Direito Civil e a teoria tríplice da
autonomia privada existencial. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, Belo Horizonte, v. 14, p. 99-125, out./
dez. 2017, p. 101).
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