Perspectivas de um diálogo entre a metodologia do direito civil-constitucional e algumas proposições do direito constitucional

AutorRodrigo da Guia Silva
Páginas353-378
PERSPECTIVAS DE UM DIÁLOGO
ENTRE A METODOLOGIA DO DIREITO
CIVIL-CONSTITUCIONAL E ALGUMAS
PROPOSIÇÕES DO DIREITO
CONSTITUCIONAL
Rodrigo da Guia Silva
Doutorando e Mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ). Pesquisador da Clínica de Responsabilidade Civil da UERJ. Advogado.
Sumário: 1. Introdução. 2. Enunciado normativo e norma jurídica em cotejo com a noção
de ordenamento do caso concreto. 3. Revisitando a distinção entre regras e princípios. 4.
Limites inerentes ao controle abstrato de constitucionalidade. 5. Por uma análise de algumas
proposições do direito constitucional à luz da metodologia civil-constitucional: “derrotabi-
lidade”, “superabilidade” e “inconstitucionalidade no caso concreto”. 6. Síntese conclusiva.
7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A autonomia científ‌ica da metodologia civil-constitucional se associa, entre outras
razões, à delimitação das suas particulares premissas.1 Nesse sentido, sem qualquer preten-
são de exaustão, pode-se fazer menção às seguintes premissas metodológicas para a cons-
titucionalização do direito civil:2 (i) a unidade e a complexidade do ordenamento jurídico,
bem como o reconhecimento da força normativa e da supremacia da Constituição;3 (ii) a
superação da summa divisio entre direito público e direito privado;4 (iii) a insuf‌iciência
1. Imperiosa, no ponto, a remissão a PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Trad. Maria
Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, passim; e, na doutrina nacional, TEPEDINO, Gustavo. Premissas
metodológicas para a constitucionalização do direito civil. Revista da Faculdade de Direito da UERJ, n. 5, 1997,
passim; e MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de Direito Civil,
Imobiliário, Agrário e Empresarial, a. 17, jul.-set./1993, p. 24-26.
2. “(...) constitucionalização do Direito Civil, em uma palavra, não é apenas um adjetivo a colorir a dogmática criada
pela Escola da Exegese, que pudesse ser a cada momento purif‌icada ou atualizada, mas uma def‌inição metodológica,
que retrata, ao mesmo tempo, uma alteração profunda da ordem pública, a partir da substituição dos valores que
permeiam o Direito Civil, no âmbito do qual a pessoa humana passa a ter prioridade absoluta” (TEPEDINO,
Gustavo. Marchas e contramarchas da constitucionalização do direito civil: a interpretação do direito privado à
luz da Constituição da República. [Syn]Thesis, v. 5, n. 1, 2012, p. 20).
3. V., por todos, PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 205-208; e SCHREIBER,
Anderson. Direito civil e Constituição. Revista Trimestral de Direito Civil, v. 48, 2011, p. 11 e ss.
4. V., por todos, MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um direito civil constitucional, cit., p. 24-26. V.,
ainda, com particular enfoque na repercussão dessa premissa metodológica sobre a compreensão da autonomia
existencial, MENEZES, Joyceane Bezerra de; FEITOSA, Gustavo Raposo Pereira. Entre o público e o privado no
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RODRIGO DA GUIA SILVA
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do raciocínio puramente subsuntivo;5 (iv) o caráter unitário e incindível do processo de
interpretação-aplicação do direito;6 (v) a rejeição ao entendimento tradicional segundo
o qual não caberia interpretação de enunciados normativos claros (noção ref‌letida no
brocardo latino “in claris non f‌it interpretatio”);7 (vi) a contingencialidade (notadamente,
a historicidade e a relatividade) dos institutos do direito civil;8 (vii) a primazia da análise
funcional, face à insuf‌iciência da análise puramente estrutural;9 (viii) a incidência do
juízo valorativo de merecimento de tutela sobre os atos de autonomia privada;10 e (ix) a
supremacia axiológica da dignidade da pessoa humana e a correlata funcionalização das
situações jurídicas subjetivas patrimoniais às situações jurídicas subjetivas existenciais.11
Entre tantas outras possíveis inter-relações verif‌icadas entre as aludidas premissas
metodológicas, assume particular relevância a percepção acerca da inviabilidade de in-
terpretação-aplicação do direito em abstrato, uma vez que somente à luz das vicissitudes
do caso concreto se torna possível examinar os variados interesses pela lente de análise
composta pelos valores consagrados pela Constituição.12 O civilista vê-se, então, diante do
que poderia soar, em leitura inicial, como aparente paradoxo – a imbrincada relação entre
fato e norma.13 Se, por um lado, tem-se que o fato só assume relevância jurídica quando
o ordenamento lhe atribui alguma ef‌icácia, por outro lado, tem-se que o ordenamento
abstratamente considerado não se reveste de sentido normativo concreto se não estiver
sob exame algum fato da realidade social.14 Não por acaso, esclarece-se que “objeto da
interpretação não é a norma, mas sim a norma junto com o fato”.15
direito civil-constitucional: uma (re)discussão sobre o espaço da autonomia ético-existencial, intimidade e vida
privada. Revista do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFC, n. 1, 2012, passim.
5. V., por todos, KONDER, Carlos Nelson. Distinções hermenêuticas da constitucionalização do direito civil: o
intérprete na doutrina de Pietro Perlingieri. Revista da Faculdade de Direito – UFPR, v. 60, n. 1, jan.-abr./2015, p.
207 e ss.
6. “Interpretação e aplicação do direito constituem momento único, il tutt’uno da atividade de construção da norma
do caso concreto” (TEPEDINO, Gustavo. A razoabilidade na experiência brasileira. In: TEPEDINO, Gustavo;
TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; ALMEIDA, Vitor (Coord.). Da dogmática à efetividade do direito civil: anais
do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional – IV Congresso do IBDCivil. Belo Horizonte: Fórum,
2017, p. 33). V., ainda, por todos, MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo. Ref‌lexões metodológicas: a
construção do observatório de jurisprudência no âmbito da pesquisa jurídica. Revista Brasileira de Direito Civil,
vol. 9, jul.-set./2016, p. 13; e GRAU, Eros. Técnica legislativa e hermenêutica contemporânea. In: TEPEDINO,
Gustavo (Org.). Direito civil contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional. São Paulo: Atlas,
2008, p. 284.
7. V., por todos, TERRA, Aline de Miranda Valverde. A discricionariedade judicial na metodologia civil-constitucional.
Revista da Faculdade de Direito – UFPR, v. 60, n. 3, set.-dez./2015, p. 371.
8. V., por todos, KONDER, Carlos Nelson. Apontamentos iniciais sobre a contingencialidade dos institutos de direito
civil. In: MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz; MEIRELES, Rose Melo
Vencelau (Org.). Direito civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2015, passim.
9. V., por todos, SOUZA, Eduardo Nunes de. Função negocial e função social do contrato: subsídios para um estudo
comparativo. Revista de Direito Privado, v. 54, abr./2013, item 2.
10. V., por todos, PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 649-650; e SOUZA, Eduardo
Nunes de. Merecimento de tutela: a nova fronteira da legalidade no direito civil. Revista de Direito Privado, a. 15,
vol. 58, abr.-jun./2014, passim.
11. V., por todos, TEPEDINO, Gustavo. Marchas e contramarchas da constitucionalização do direito civil, cit., p. 16.
12. Assim leciona TEPEDINO, Gustavo. A razoabilidade na experiência brasileira, cit., p. 36.
13. Nessa linha de sentido, a aludir à dialética fato-norma, v. PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade
constitucional, cit., p. 602 e ss.
14. Assim esclarece PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 636.
15. PERLINGIERI, Pietro. Fonti del diritto e “ordinamento del caso concreto”. Rivista di Diritto Privato, a. XV, n. 4,
out.-dez./2010, p. 27. Tradução livre do original.
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