Por que uma Teo Para Itaipu? A Quebra da Regra de Ouro da Neutralidade no MRE

AutorMárcio Monteiro Reis
Ocupação do AutorProfessor de Direito Administrativo do Ibmec
Páginas474-493
474 POR QUE UMA TEO PARA ITAIPU? A QUEBRA DA REGRA DE OURO DA NEUTRALIDADE...
17.1 O MECANISMO DE REALOCAÇÃO
DE ENERGIA (MRE) E A TARIFA DE
ENERGIA DE OTIMIZAÇÃO (TEO)
Como se sabe, a matriz de geração de energia elétrica no Brasil está forte-
mente baseada nas fontes hidrológicas. Assim, grande parte da energia
elétrica contratada tanto no ambiente de contratação livre (ACL) como no
ambiente de contratação regulada (ACR) provém de usinas hidrelétricas.
Ocorre que essas usinas estão sujeitas a um signiicativo risco hidro-
lógico, já que as condições climáticas variam, muitas vezes de modo impre-
visível. Essas condições climáticas atípicas, associadas à sazonalidade dos
períodos de chuva, com estiagens e secas imprevistas, podem fazer com que,
por questões de segurança para o mercado de energia, o Operador Nacional
do Sistema (ONS) seja levado, com alguma frequência, a despachar certas
usinas em quantidades de energia inferiores àquela contratada.
Essa é uma característica inerente ao sistema de geração hidrelétrica,
já que a geração de energia em circunstâncias de escassez de água pode
acabar levando a que os reservatórios atingiam níveis críticos, comprome-
tendo a geração de energia no futuro. Em casos extremos, pode até mesmo
não ser possível tecnicamente gerar energia em decorrência dessas condi-
ções climáticas adversas.
A ausência dessa energia contratada, contudo, deve ser compensada
pela geração oriunda de alguma outra fonte, sob pena de levar o mercado
a um colapso diante de uma demanda maior do que a oferta.
Por essa razão, o art. 1º, VIII da Lei nº 10.848/2004, ao estabelecer as
diretrizes para a comercialização de energia elétrica, determinou a insti-
tuição de um mecanismo de realocação de energia para mitigação do
risco hidrológico, voltado a minimizar esse risco e conferir eiciência ao
suprimento nacional de energia, permitindo uma adequada execução de
contratos irmados pelos agentes do setor.
Exatamente em atenção a essa determinação legal foi instituído, pelo
art. 20 do Decreto nº 2.655/1998, o Mecanismo de Realocação de Energia
(MRE), com o objetivo precípuo de compartilhar entre os diversos agentes
de geração os riscos hidrológicos, comuns a todos, de modo a garantir a
geração eiciente de energia elétrica e o cumprimento dos contratos.
O MRE foi instituído, portanto, como um sistema de compensação,
baseado na solidariedade entre os agentes geradores de fonte hidrelétrica.
MÁRCIO MONTEIRO REIS 475
Já que todos estão submetidos a riscos da mesma natureza, cria-se um
sistema que permite a cessão energética de uma usina para cobrir os perí-
odos em que alguma outra das usinas hidrelétricas não esteja apta, por
motivo hidrológico, a gerar a energia assegurada.
Uma questão essencial que logo se põe é a necessidade de serem esta-
belecidas regras justas e previamente conhecidas para a deinição dos custos
que deverão ser arcados por aquelas usinas com déicit de geração em favor
das usinas que contribuíram com uma parcela suplementar de energia
gerada, além de suas obrigações contratuais.
Pode-se airmar, portanto, que o objetivo do MRE é conferir segurança
aos geradores, assim como minimizar o custo global da geração de energia
hídrica, permitindo a otimização dos recursos disponíveis e evitando que
condições hidrológicas adversas venham a impactar o sistema nacional e
o fornecimento de energia elétrica.
Veriica-se, desde logo, a importância de que a energia gerada nesse
sistema de compensação do MRE seja remunerada por uma tarifa única, apli-
cável a todas as usinas, independentemente dos valores da energia contra-
tados por cada uma delas e independentemente dos seus custos especíicos.
Entre outras razões, é relevante notar que caberá ao ONS, de acordo
com os critérios aprovados pela ANEEL,
1
a decisão de despachar outra
usina que tenha capacidade excedente, mantendo-se, assim, o equilíbrio do
sistema. Não se concebe, portanto, que ao tomar essa decisão, o ONS tivesse
a obrigação de analisar o valor médio da energia contratada por cada uma
das usinas com condições técnicas de gerar naquele momento, de modo a
selecionar àquela que estivesse apta a entregar a energia mais barata, o que
seria imprescindível para atender à modicidade tarifária.
Além disso, o MRE é um mecanismo de compensação, baseado na soli-
dariedade entre agentes geradores de uma mesma fonte (hidrelétrica),
submetidos que estão a risco da mesma natureza. Não deve servir esse
mecanismo como meio de obtenção de lucros ou de reprodução de sucessos
comerciais. Por outro lado, o custo incorrido na geração extra também
não pode deixar de ser remunerado, sob pena de enriquecimento ilícito
daquela usina que, submetida a condições climáticas desfavoráveis, não
pôde cumprir seus compromissos contratuais.
1 Art . 20, § 1º do Decreto nº 2.655/1998.

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