Abertura e Transmissão da Herança

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ABERTURA E TRANSMISSÃO
DA HERANÇA
1 Abertura da sucessão
Ao iniciar o Livro V, parte especial, do Código Civil, inseriu o legislador a
regra que xa o momento da abertura da sucessão, fato que, sob certo aspecto,
coincide com o da transmissão da herança.
Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legí-
timos e testamentários” (art. 1.784). A abertura da sucessão pressupõe a exis-
tência de dois fatos: a morte do autor da herança, sucedido, ou de cujus, e a so-
brevivência de seu sucessor, ou herdeiro, quer seja legítimo ou testamentário.
À simples vericação da morte, o domínio e a posse de todos os direitos
e deveres se transmitem, mesmo que os herdeiros estejam em lugar incerto e
não sabido, ou em local distante, conscientes ou não do fato que põe termo
à existência da pessoa natural (art. 6o do CC). Pouco importa que o lho do
autor da herança esteja em viagem de núpcias na longínqua Austrália, ou fa-
zendo curso de pós-graduação no Japão, ou mesmo desfrutando as aventuras
do Epcot Center em Orlando, com diculdades de comunicação para o Brasil.
Vericada a morte, imediatamente o domínio e a posse se transmitem, porque
o patrimônio não pode car acéfalo, sem titularidade. A morte pode ser real
ou presumida, provada pela certidão de óbito.
A morte é um fato natural. Embora o ser humano discorde dessa realida-
de, ocorrido o fato, determina-se a abertura da sucessão. A fonte primeira, a
maior das garantias do direito da herança está na Constituição da República.
Complementando a regra soberana, o art. 6o do CC expressa-se de forma de-
nitiva, armando que a existência da pessoa natural termina com a morte.
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SALOMÃO DE ARAÚJO CATEB
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O Código disciplinou nos arts. 26 a 36 a sucessão provisória dos ausentes,
completando nos arts. 37 a 39 a sucessão denitiva. Em se tratando dos au-
sentes, a lei preferiu tratar do assunto na Parte Geral, logo no início, fugindo,
portanto, da sucessão mortis causa que foi tratada no último livro da Parte
Especial, como já abordado.
2 Droit de saisine
Incorporou-se em nossa cultura este fenômeno, chamado saisine, cuja
explicação Sílvio Rodrigues buscou em Colin e Capitant:
“Filiam o princípio da saisine ao direito costumeiro francês e mostram que
o mesmo surgiu contra os abusos do senhor feudal (contre la scalité féo-
dale). Por morte do arrendatário, a terra arrendada devia ser devolvida
ao senhor, de modo que os herdeiros do falecido deviam pleitear a imis-
são na posse (les héritiers avaient besoin de s’en faire ensaisiner), pagando
para tal uma contribuição. Para evitar o pagamento desse tributo feudal,
adotou-se a cção de que o defunto havia transmitido a seu herdeiro, e no
momento de sua morte, a posse de todos os seus bens.”1
Esta norma foi introduzida no Brasil pelas Ordenações Filipinas de
Portugal, revogadas pelo Código Civil de 1916. Todos os autores que elabo-
raram projetos de Código Civil, antes de Clóvis, utilizaram-se de semelhante
procedimento.
O herdeiro não precisa requerer seu direito de posse dos bens herdados,
contrariamente do legatário, que terá de fazê-lo, não podendo este, por autori-
dade própria, entrar na posse da coisa legada (art. 1.923, § 1o). A morte do de
cujus implica a abertura da sucessão e transferência da propriedade e da posse
aos herdeiros, quaisquer que sejam eles. A partir desse momento, os herdeiros
podem usar os interditos possessórios.
Interessante imaginar a correlação entre o droit de saisine e o reconheci-
mento da paternidade, mediante ação judicial própria. A sentença de reconhe-
cimento, cujos efeitos são ex tunc, outorga ao postulante o direito sucessório,
retroagindo ao momento da abertura da sucessão. É tão signicativa a força
coercitiva dessa decisão, que o lho reconhecido pode, inclusive, pedir o rom-
pimento de testamento, livremente elaborado, sem que seu pai tivesse consci-
ência da paternidade, isto é, da simples consequência de um ato sexual, cujos
resultados se efetivam muitos anos depois.
1 COLIN; CAPITANT. Cours élémentaire de droit civil français. 9. ed. Par is: Dalloz, 1945. t.
3, no 1.024. In: Rodrig ues, Sílvio. Direito civil. S ão Paulo: Saraiva, 1995. v. 7, p. 14.
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