Da Ordem da Sucessão Hereditária

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DA ORDEM DA
SUCESSÃO HEREDITÁRIA
1 Noções gerais
A transferência de patrimônio deixado por alguém, em virtude de mor-
te, faz-se de duas formas: pela sucessão legítima ou ab intestato e pela suces-
são testamentária. Nossa legislação admite que os dois modelos estejam lado
a lado, ressalvada a liberdade de testar e o direito dos herdeiros necessários à
legítima.
2 Sucessão legítima
Chama-se legítima a sucessão que provém por força de lei. A lei que es-
tiver em vigor na data do óbito será aplicada, determinando quais são os cha-
mados, isto é, quem tem capacidade passiva sucessória e recolherá o quinhão
que lhe couber. Vimos, ao tratar da abertura da sucessão e de sua transmissão,
que a herança é entregue aos herdeiros – já titulares do direito – manejando o
processo de inventário judicial ou administrativo. Mas nem todos os herdei-
ros, nomeados pelo Código Civil, têm igual direito, nem poderia ser dividida a
herança em tantas partes quantos forem os herdeiros legítimos. Possivelmente,
em qualquer herança seriam dezenas de chamados e, com a divisão entre to-
dos, o valor de cada um poderia ser irrisório.
A sucessão legítima é anterior à testamentária. Em alguns países não
existe a forma volitiva voluntária, ou sofre restrições maiores que na sucessão
legítima. Segundo Baudry et Wahl, a sucessão testamentária é derrogação da
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sucessão legítima, e por isso não se pode dizer que esta se funda na vontade
presumida do defunto.1 Importante saber que a sucessão legítima é determina-
da pela lei vigente na data do óbito e a sucessão testamentária existe se o titular
dos bens tiver feito o testamento, que será aprovado em juízo após sua morte.
3 Classes
Para evitar que todos fossem chamados ao mesmo tempo, a lei estipulou a
preferência de uma classe sobre a outra, denominando a essa gura de “ordem
da vocação hereditária”, ditada pelo art. 1.829 do Código Civil. Igual método,
provindo do Direito Romano antigo, é utilizado em legislações de todos os
países do ocidente. As legislações do Direito Romano são as mais expressivas,
superando todas as organizações das outras civilizações, ou, como arma João
Batista de Souza Lima, “as mais antigas normas de direito”.2
A forma de chamamento, denominada de “classes, estabelece uma hie-
rarquia entre elas, de tal maneira que o chamamento de uma resulta na extin-
ção da outra seguinte, até o chamamento da última delas.
Assim, por exemplo, ao chamar a classe dos descendentes, que concorre,
em alguns casos, com o cônjuge, nenhum outro herdeiro de outra classe pode-
rá recolher herança; inexistindo descendentes, serão chamados os ascendentes
em concorrência com o cônjuge supérstite; na falta desses, o cônjuge sobrevi-
vente e, na falta de cônjuge, se o falecido tiver companheiro, sem impedimento
para o matrimônio, na forma da lei, será chamado esse companheiro para re-
colher a herança, constituída dos bens que os conviventes adquiriram, a título
oneroso, na constância da união. Por último é chamada a classe dos colaterais
até o 4º grau.
Surgiu a capacidade sucessória do companheiro com a Lei no 8.971, de
29 de dezembro de 1994, no inciso III, do art. 2o, pairando discussão se foi ou
não revogado esse dispositivo. Com a vigência do novo Código Civil, Lei no
10.406/02, somente o art. 1.790 disciplinou os direitos do companheiro. Na
falta de cônjuge, serão chamados os colaterais até o quarto grau e, nalmente,
1 SANTOS, J. M. Ca rvalho. Cód igo Civil brasileiro int erpretado. Rio de Ja neiro: Freitas
Bastos, 1961. v. 22, p. 247. G. Baudry-Lacantinerie e A lberto Wahl, em sua obra Trattato
Teorico-Pratico di Dirito Civ ile delle Succe ssioni. Milão: Dottor Francescco Valla rdi. São
muitos os autores nacionais que seg uiram a teoria de sucessão te stamentária como derro-
gatória da sucessão leg ítima.
2 LIMA, João Bati sta de Souza. As mais antigas n ormas de Direito. Rio de Janeiro: Forense,
1983.
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o Poder Público, de acordo com o ordenamento legal. No CC o companheiro
não está elencado na ordem da vocação e, da mesma forma, o poder público
É importante declarar, desde logo, que o Código Civil considera com-
panheiros pessoas de sexos diferentes, que formam uma entidade familiar,
constituindo uma união estável, podendo converter-se essa em casamento,
por inexistir impedimento para sua celebração. Bastará que os companheiros
requeiram ao juiz competente a conversão da união estável em casamento, que
mandará lavrar o assento no Registro Civil, na forma do art. 1.726.
A despeito dessa norma, na prática, há uniões estáveis formadas por
pessoas de mesmo sexo, vivendo sob o mesmo teto, constituindo verdadeira
família
Por outro lado, embora inúmeras críticas de doutrinadores, preceitua o
Código que as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de
casar, constituem concubinato. O art. 1.727 representa uma denição legal sobre
o assunto, raticando brilhantes votos proferidos no STJ, primeiramente lidera-
dos pelo Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira.
Como será objeto de maior estudo neste livro, em diversos países já se
reconhece a união estável de pessoas do mesmo sexo, permitindo, inclusive,
o casamento. O ano de 2010 marca, no país vizinho, Argentina, votação de
reforma da Constituição, autorizando o casamento de pessoas do mesmo sexo.
4 Grau
O grau é a distância entre uma geração e outra. Na linha reta, descendo,
estão os descendentes (lho, 1o grau; neto, 2o grau; bisneto, 3o grau etc.) e, su-
bindo, os ascendentes (pai, 1o grau; avô, 2o grau, bisavô, 3o grau etc.); na linha
colateral, torna-se necessário subir até o ascendente comum, para determinar
o grau que se procura. Assim, meu irmão é meu parente em segundo grau,
porque subo ao ascendente (1o grau) e desço ao irmão (2o grau); o tio é meu
parente em terceiro grau, porque subo ao pai (1o grau) e ao avô (2o grau) para
descer ao tio (3o grau). Esta forma de contagem de parentesco consanguíneo
veio dos romanos.
Na lição de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery “os pa-
rentes em linha reta são aqueles que, além de possuírem entre si vínculos de
sangue, têm um tronco comum e descendem uns dos outros”. 3
O parente por anidade não recolhe herança.
3 NERY JUNIOR, Nelson; N ERY, Rosa Maria de Andrade. digo Civil comentado.
São Paulo: Revist a dos Tribunais, 2006. p. 890.
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