Princípios Básicos

AutorWladimir Novaes Martinez
Ocupação do AutorAdvogado especialista em Direito Previdenciário
Páginas107-124

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61. Introdução

Em face de sua natureza superior, ao princípio fundamental da solidariedade social reservou-se destaque; a ideia do seguro social quase se confunde com a da solidariedade social. Por isso, alguns autores o chamam de princípio do seguro social.

A seguir, são apresentados os princípios básicos. Jazem à base da ordem previdenciária, sustentando sua estrutura e alicerçando os princípios técnicos.

Hierarquizados os princípios, os básicos ixar-se-iam no ápice da pirâmide; embaixo, deles derivados, situar-se-iam os técnicos, quase sempre expressos ou indicados na norma jurídica, consubstanciando-se em instru-mentos práticos de efetivação do seguro social.

Distinguidos em básicos, técnicos e de interpretação, viabiliza-se nitidamente a aplicação dos princípios.

Classiicados, veriica-se a existência de princípios informadores e instrumentalizadores das normas jurídicas, alguns podendo ser invocados na aplicação, outros na integração e parte deles na interpretação da legislação previdenciária. Alguns se notabilizam como estados ou situações.

O princípio fundamental da solidariedade social e os princípios básicos dizem respeito à infraestrutura da técnica previdenciária, cientíica e economicamente considerada. São alicerces mais fundos, reduções máximas admitidas pela matéria sem perda de sua quinta-essência, base sobre a qual se assenta todo o edifício lógico e jurídico da previdência social.

Por sua natureza e conteúdo elevados, eles se justapõem aos postulados de outras ciências jurídicas e sociais, em especial os da Sociologia e da Filosoia. Tomando-se, por exemplo, o princípio básico da proteção. Não é ideia exclusivamente securitária. Extravasa o Direito Social e envolve todo o Direito.

Talvez fosse possível sistematizar os princípios em uma ordem crescente de importância ou classiicá-los segundo sua natureza ou função.

Assim, a supletividade, a essencialidade e a universalidade são acidentais. Pode-se perfeitamente imaginar técnica de proteção social exclusiva,

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exaustiva e ilimitada, isto é, principal e substancial, esgotando todas as necessidades de uma ou de outra clientela protegida.

A obrigatoriedade, a continuidade e a unidade são condições de exequibilidade impostas; inserem-se as duas primeiras no mesmo contexto, quase se fundindo uma na outra, a continuidade derivando da obrigatoriedade. A unidade decorre do papel a ser executado pelo Estado na condução da política nacional da previdência social.

Como a solidariedade, a proteção é típica da natureza do seguro social, não sendo exclusiva dessa técnica. É seu principal objeto e razão de ser.

A desigualdade é instrumentalizadora; dentro dela, compreende-se a ideia da distribuição da renda sem interferir na hierarquia social.

Em uma rara referência expressa a princípios, pois sua obra é pontilhada de menções implícitas, Moacyr Velloso Cardoso de Oliveira estabelece confronto de cinco princípios básicos do seguro social com os da seguridade social (A Previdência Social Brasileira e a sua Nova Lei Orgânica, p. 222).

Os da previdência social seriam: a) obrigação do Estado de prover o bem comum; b) trabalho como dever social; c) solidariedade social; d) distribuição de riscos à grande massa de contribuintes aliada à obrigação de contribuir; e e) a previdência social deve prover as necessidades vitais de todos os exercentes de atividades remuneradas.

Os da seguridade social seriam: a) extensão do campo de aplicação, generalizando-se toda a população; b) afastamento parcial da correlação estrita entre o pagamento da contribuição e os benefícios; c) uniicação dos riscos e das respectivas reservas; d) extensão do amparo a novas formas de necessidades vitais; e e) alta consideração dos benefícios assistenciários, em natureza, principalmente os serviços médicos.

62. Princípio da proteção

Proteção lembra poder e necessidade. Ela enlaça dois sujeitos: protetor e protegido. Ressalta a capacidade de dar e a contingência de necessitar. Distintamente, proteção social não tem sentido pejorativo; a relação é acen-tuadamente jurídica.

Em sua origem, o seguro social nasceu sob a concepção de os trabalhadores precisarem de proteção. Historicamente, estavam em situação socioeconômica reclamando serem socorridos (imediatamente).

Daí os socorros mútuos reportados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) e na Constituição Imperial brasileira (1824). A falta de estrutura econômica capaz de fornecer os recursos, a técnica de proteção social vigente na época só poderia ser frágil beneicência privada

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ou incipiente assistência pública. A proteção confundia-se com caridade; a prestação, uma esmola.

Hodiernamente, em uma sociedade mais organizada, desenvolvida a previdência social como técnica social e ciência jurídica, proteção signiica direito, pretensão à participação do bem geral, de todo trabalhador construtor da sociedade. E dever do Estado.

Mas, não foi sempre assim. O princípio da proteção preexiste à previdência social e ao Direito. Considerado como conjunto de normas cons-cientemente estabelecido, o Direito sobreveio, efetivando-o.

Direito in abstracto, além de reparação, porque nem sempre a presta-ção previdenciária repara ou substitui bem perecido. Jacente também ideia de poupança, em muitos casos o beneiciário apenas tem de volta sua contribuição, da qual eventualmente nunca precisou ou pôde usufruir; em outros, nem a tem.

A proteção é absolutamente necessária, porque concretizada a contingência protegida; presente o risco social, o trabalhador tem de ser mantido sob pena de perecimento. A previdência social é técnica criada por homens reunidos em sociedade para substituir os meios habituais de subsistência, quando da ocorrência de eventos obstaculizadores da aquisição desses meios. Fala-se da proteção securitária; ela pode ser vislumbrada em outras técnicas de proteção social vigentes, caso da assistência pública.

Embora direito, não é direito comum e sim direito social, portanto, especial. Na relação de aparente oposição de interesses entre órgão gestor do seguro social e beneiciário (aparente porque há dissídio entre pretensão individual e interesse público), apresenta-se a possibilidade de o órgão gestor ter de procurar o beneiciário para oferecer-lhe a prestação devida. Relativamente às hipóteses previstas na legislação brasileira, não há discricionariedade por parte da administração previdenciária; ela está obrigada à iniciativa da proteção.

De ordinário, o direito à prestação previdenciária deve ser exercitado pelo próprio titular dessa faculdade, detentor da conveniência de sua utilização — regra quebrada com a aposentadoria compulsória (PBPS, art. 51), em virtude da prevalência do interesse público —, mas, se o titular não puder exercitar esse direito, cabe ao órgão gestor tomar a iniciativa e conceder-lhe o benefício. É exemplo, o auxílio-doença (PBPS, art. 59).

O princípio técnico da imprescritibilidade do direito a certos benefícios e as regras componentes do princípio técnico da proteção à prestação constituem postulados sustentadores da proteção ao bem maior do Seguro social, a prestação; visam assegurá-la, mesmo ausente a manifestação de vontade do segurado.

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A proteção social vigente, em si, não o princípio enfocado, desperta a atenção de Celso Barroso Leite. Ele a sistematiza e considera globalmente, deinindo-a como o conjunto de “medidas que, tendo à frente a previdência social, permitem à sociedade atender a certas necessidades essenciais dos indivíduos que a compõem — isto é, de cada um de nós” (A proteção social no Brasil, p. 21).

Questão situada no campo da sociologia do Direito Social, ampla, e comportando indagação mais profunda e, de certa forma, fugindo ao nível deste trabalho, diz respeito à base mais funda do direito à proteção. Saber se o Estado está ou não obrigado a organizar essa proteção, sustentá-la, com a colaboração ou não dos cidadãos e, corolário, pode-se exigir da coletividade alguma contribuição especial nesse sentido.

Na sua origem, o Estado marca-se pela subtração do poder ao indivíduo, limitando a atuação dos cidadãos em vários níveis. O Estado moderno caracteriza-se pelo extraordinário poder de intervenção. O direito natural à proteção, a ser garantido pela iniciativa privada, é inibido pelo Estado; ele absorve os meios necessários, devendo, por isso, assumir as responsabili-dades inerentes a tal situação.

Em uma análise perfunctória, a conclusão não pode ser outra. O Estado tem obrigação de acudir os indivíduos necessitados e vale-se de todos os meios disponíveis, mesmo o constrangimento do próprio protegido.

Os exemplos de aplicação desse princípio são inúmeros. Vale registrar um. A regra, técnica e presunção contidas no art. 33, § 5º, do PCSS — presunção do desconto e do recolhimento da contribuição do empregado — é aplicação prática desse princípio, pois o legislador cuida de proteger os interesses do empregado.

63. Princípio da obrigatoriedade

Como se viu, a solidariedade social não é espontânea. A adesão a sistemas facultativos, caso do mutualismo e do seguro privado e, particularmente, da assistência privada ou pública, não lhe retira a obrigatoriedade, uma vez ingressado o segurado no sistema. No seguro social, a solidariedade apresenta-se marcada pela imperatividade da norma jurídica.

O seguro social é obrigatório. Entranhado nele, a solidariedade. Para Raggi: “o seguro social é obrigatório, porque, se não for, não será seguro social” (apud Augusto Venturi, in I Fondamenti...

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