Ações Constitucionais

AutorGuilherme Sandoval Góes/Cleyson de Moraes Mello
Páginas607-697
Capítulo 20
Ações Constitucionais
20.1. Introdução
Os direitos fundamentais individuais de primeira dimensão consagrados
pela Constituição poderiam ficar esvaziados, se não viessem acompanhados
de determinadas ações constitucionais, também denominadas remédios he-
roicos ou writs constitucionais, que lhes conferissem a devida efetividade ou
eficácia social.
Portanto, foi com tal objetivo que o direito constitucional pátrio conce-
beu uma plêiade de ações constitucionais de ordem processual voltadas para
a garantia desses direitos, sem os quais ficariam esvaziados a ponto de se tor-
narem preceitos escritos que não se cumprem, sem nenhuma autoridade ou
valia normativa.
É por isso que tais writs constitucionais são denominados “direitos ao
quadrado”, exatamente em função desse objetivo de atuar como garantia
processual de outros direitos, ou seja, uma vez violados direitos fundamen-
tais individuais, seus titulares podem acionar prestações jurisdicionais, com
uma celeridade maior do que nas ações judiciais ordinárias. Com rigor o con-
ceito de “direitos ao quadrado” projeta a ideia-força de que não basta apenas
a positivação de direitos fundamentais individuais no rol jusfundamental do
cidadão comum, é necessário, também, criar um conjunto de ações proces-
suais constitucionais de proteção destes direitos.
Na linha do tempo, deve-se ao constitucionalismo anglo-saxão a criação
dos primeiros instrumentos jurídicos de garantia individual contra ilegalida-
de ou abuso de poder, sendo justo homenagear a célebre carta de direitos in-
glesa (Magna Carta de 1215), outorgada pelo rei João Sem Terra, como a
precursora da garantia da liberdade não apenas para o povo inglês, mais um
instrumento jurídico que se espraiou por toda a humanidade. Com efeito, a
expressão writ tem origem na carta de direitos inglesa e vem do verbo “to
write”, cujo significado é escrever (no senso comum) e ordenar (no campo
jurídico). Daí a ideia de writ constitucional simbolizando uma ordem consti-
tucional, um mandamento constitucional, uma ação constitucional manda-
mental, ou seja, o remédio heroico contra o abuso de poder dos agentes do
Estado.
Assim sendo, os remédios constitucionais nascem como componentes da
primeira dimensão dos direitos fundamentais atrelados ao constitucionalis-
mo garantista liberal, na medida em que concebidos como ações de índole
processual estabelecidas pela ordem jurídica constitucional para garantir a
fruição daqueles direitos declarados pela Constituição (bens ou valores a se-
rem protegidos). Ou seja, as liberdades individuais simbolizam bens ou valo-
res (primeira dimensão) que foram declarados dentro do texto constitucio-
nal, enquanto que os remédios constitucionais foram criados como elemen-
tos assecuratórios desses bens ou valores declarados.
No entanto, com o passar do tempo e sob a influência da teoria dimen-
sional dos direitos fundamentais, as ações constitucionais foram estendidas
para a terceira dimensão, composta dentre outros, pelos direitos coletivos. É
nesse diapasão que irá surgir o mandado de segurança coletivo, positivado
expressamente na Constituição de 1988 e, na sua esteira, por analogia, a fi-
gura jurídica do mandado de injunção coletivo.
É fora de dúvida, pois, a natureza processual e acessória dos writs cons-
titucionais, instrumentos colocados à disposição do cidadão comum para as-
segurar a efetividade ou eficácia social dos direitos fundamentais, estes, sim,
disposições declaratórias de bens ou valores a serem tutelados. Com isso,
pode-se afirmar que o eixo jurídico-processual dos remédios constitucionais
é corrigir violações dos direitos fundamentais, invalidando ou impedindo os
efeitos de um ato inconstitucional.1
As ações constitucionais ou remédios constitucionais são os instrumen-
tos constitucionais para a proteção dos direitos humanos. As garantias cons-
titucionais dos direitos fundamentais estão previstas na Constituição, tais
como o habeas corpus, a ação popular, o habeas data, o mandado de injun-
ção. A este conjunto de instrumentos processuais dá-se o nome de remédios
constitucionais. Melhor dizendo: são os instrumentos colocados à disposição
do cidadão, no texto constitucional, para prevenir lesões ou reparar aquelas
que já tenham sido cometidas em desfavor dos indivíduos. As garantias
constitucionais representam o gênero, nas quais os remédios constitucionais
são as espécies. Daí que o termo garantia constitucional é mais abrangente e
pod e ab rang er qu alq uer t ipo d e ins trumento necessário a proteção dos direi-
tos fundamentais violados ou não satisfeitos.
608 Guilherme Sandoval Góes Cleyson de Moraes Mello
1 No dizer de Paulo Hamilton Siqueira Junior: Os writs constitucionais são verdadeiros
remédios constitucionais na medida em que têm a finalidade de impedir ou invalidar os
efeitos de ato contrário à Constituição; é o verdadeiro remédio contra a irregularidade
constitucional. A defesa dos direitos humanos exterioriza-se de diversas maneiras: princí-
pio da legalidade, supremacia da Constituição, separação dos poderes. Mas a real efetivi-
dade surge no âmbito processual, em especial, por intermédio dos writs constitucionais, a
denominada jurisdição constitucional das liberdades. SIQUEIRA JUNIOR, Paulo Hamil-
ton. Direito processual constitucional. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 356.
Na qualidade de processos constitucionalmente reconhecidos, cuja fun-
ção é corrigir danos causados por atos estatais arbitrários eivados de incons-
titucionalidade por violação de direitos fundamentais, os remédios constitu-
cionais são divididos em dois tipos, a saber:
a) remédios constitucionais de natureza administrativa (não-jurisdicio-
nal);
b) remédios constitucionais de natureza jurídico-processual (jurisdicio-
nal).
Os remédios constitucionais de natureza administrativa são as seguintes
figuras jurídicas: o direito de petição, constante no art. 5º, XXXIV, “a”, da
CRFB/88 e o direito de obter certidões em repartições públicas, na alínea
“b” do mesmo dispositivo constitucional.
Assim, o binômio direito de petição-direito à obter certidões circunscre-
ve o conceito de remédio constitucional na via administrativa perante auto-
ridades públicas.
Já os remédios constitucionais de natureza jurídico-processual, voltados
para a defesa dos direitos dos cidadãos e usados para acionar a prestação ju-
risdicional, estão definidos no art. 5º, de nossa Carta Ápice e são os seguin-
tes:
a) Habeas Corpus, incisos LXVIII e LXXVII;
b) Mandato de Segurança, incisos LXIX e LXX;
c) Mandato de Injunção, inciso LXXI;
d) Habeas Data, incisos LXXII e LXXVII;
e) Ação Popular, inciso LXXIII.
De tudo se vê, pois, a importância dos remédios constitucionais na tutela
de direitos fundamentais, daí sua classificação como sendo um dos melhores
exemplos de normas constitucionais de eficácia plena, ou seja, normas cons-
titucionais que, desde a sua entrada no mundo jurídico, já podem produzir
todos os seus efeitos essenciais.
Vale, pois, na sequência dos estudos, examinar cada um desses remédios
constitucionais, começando-se pelo mais festejados de todo: o habeas cor-
pus.
20.2. Habeas Corpus (art. 5º, LXVIII e LXXVII, da CRFB/88).
Conceder-se-á “habeas corpus” (tome seu corpo) sempre que alguém
sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade
de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. As ações de habeas corpus
e habeas data são gratuitas, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício
da cidadania.
Assim, a finalidade deste remédio constitucional é garantir o direito de
ir, vir, ficar ou permanecer, incluindo-se a liberdade de fixar residência. É a
Direito Constitucional 609

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