Controle Abstrato de Constitucionalidade

AutorGuilherme Sandoval Góes/Cleyson de Moraes Mello
Páginas1005-1166
Capítulo 29
Controle Abstrato de Constitucionalidade
29.1. Visão panorâmica do controle concentrado, principal e abstrato no
Brasil
O controle abstrato no Brasil engloba as seguintes modalidades:
a) ação direta de inconstitucionalidade (ADI);
b) ação declaratória de constitucionalidade (ADC);
c) arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF);
d) ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO).
Dentre tais modalidades de controle abstrato de constitucionalidade, os
seguintes institutos jurídicos foram criados pelo direito brasileiro: ADC e
ADO. Com efeito, tais figuras jurídicas são construções genuinamente bra-
sileiras, não sendo encontradas similares no direito comparado.
Por outro lado, como visto alhures, o sistema concentrado brasileiro so-
freu forte influência do modelo kelseniano-austríaco-europeu, no qual o
controle de constitucionalidade é feito de modo abstrato ou objetivo e direto
ou principal, reconhecendo-se competência apenas ao órgão cupular do po-
der judiciário para executar tal tipo de controle de constitucionalidade.
No entanto, há diferenças entre os sistemas europeu e brasileiro no que
tange à carga de eficácia da decisão da Corte Suprema (decisão constitutiva
ou decisão declaratória) e alcance temporal dessa decisão (efeitos prospecti-
vos ou retroativos). Em consequência, é preciso compreender bem a dinâmi-
ca própria que rege o regime jurídico das modalidades de controle concen-
trado no Brasil.
Tal tipo de controle, também denominado abstrato ou objetivo, princi-
pal ou por via direta, é aquele que se realiza a partir de iniciativa de um dos
legitimados previstos no artigo 103 da Constituição da República de 1988.
O controle abstrato surge, portanto, de iniciativa de ente constitucionalmen-
te legitimado, em rol taxativo.
De notar-se, por conseguinte, que o controle abstrato de constituciona-
lidade, diferentemente do controle difuso, pressupõe um conjunto de titula-
res disparadores das ações concentradas no STF, em numerus clausus. Isto
significa dizer que não se admite outro ente disparador do processo objetivo
de controle de constitucionalidade, ou seja, diferentemente da sede difusa,
a Constituição de 1988 não contemplou a perspectiva de o cidadão comum
ajuizar uma ação do controle concentrado.
De clareza meridiana, portanto, a ideia de que o direito brasileiro não ad-
mite a chamada “ação popular de inconstitucionalidade”, isto é, a possibili-
dade de qualquer cidadão ajuizar diretamente no STF pedido de declaração
de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade de lei ou ato normativo
que viole o texto constitucional.
Nesse sentido, quando determinado cidadão se sentir lesado em seu di-
reito individual em consequência de violação constitucional, poderá, no má-
ximo, oferecer representação ao Ministério Público, que poderá, caso reco-
nheça, a seu próprio talante, a procedência da representação, propor ADI ou
ADC através do Procurador-Geral da República (PGR).
Enfim, no âmbito do controle concentrado, principal e abstrato, somen-
te os legitimados ad causam em numerus clausus podem provocar a atuação
da Corte Suprema do País para que, ao final do julgamento da ação, decida
se existe compatibilidade ou não entre um ato ou comando estatal e a Cons-
tituição, independentemente de haver uma lide específica sobre a questão
constitucional.
É por isso que vamos examinar em seguida as principais características
do sistema concentrado, principal e abstrato no Brasil.
29.2. Elementos teóricos do controle concentrado, principal (via de ação) e
abstrato (objetivo) no Brasil
Três grandes observações, em especial, merecem destaque nessa seg-
mentação temática do presente livro.
A primeira diz respeito à expressão controle concentrado, isto é, qual se-
ria o seu significado? A resposta vem direta e imediatamente do fato de que
esse tipo de controle de constitucionalidade somente pode ser feito na esfe-
ra das Cortes Supremas de Cúpula, ou seja, deve ser concentrado no órgão
máximo do poder judiciário de determinado Estado nacional.
Somente tal órgão tem competência para declarar diretamente a incons-
titucionalidade ou constitucionalidade de uma lei ou ato normativo do poder
público, daí a ideia de controle concentrado na Suprema Corte do País.
Ora, no caso brasileiro, cabe ao Supremo Tribunal Federal julgar as a-
ções diretas de inconstitucionalidade e as ações declaratórias de constitucio-
nalidade, bem como as arguições de descumprimento de preceito funda-
mental.
Já nas hipóteses de controle concentrado dos Estados-membros, cabe
aos órgãos especiais dos Tribunais de Justiça dos respectivos Estados-mem-
bros o julgamento das Representações de Inconstitucionalidade (RI), que
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nada mais são do que ações diretas de inconstitucionalidade de leis estaduais
e municipais em relação à Constituição Estadual.
A segunda grande observação está relacionada ao significado da expres-
são controle principal ou via de ação. Nesse sentido, é correto afirmar que a
expressão vem do fato de que a questão constitucional é aquela que motiva
a instauração da ação, ou seja, a questão constitucional é a questão principal
da ação, o que significa dizer que o objetivo da ADI/ADC/ADPF é exata-
mente saber se um determinado ato normativo tem ou não compatibilidade
vertical com a Constituição.
Totalmente diferente, portanto, do controle difuso, no qual a questão
constitucional não é a que justifica a instauração da ação perante o poder ju-
diciário, mas sim a solução de uma lide qualquer, cuja solução perpassa pela
questão constitucional como questão incidental. Ou seja, no controle princi-
pal, a declaração de (in)constitucionalidade não é uma questão prejudicial,
mas, o pedido principal da ação (o julgamento do mérito da ação é a declara-
ção de (in)constitucionalidade). No dizer de Dimitri Dimoulis e Soraya Lu-
nardi:
A fiscalização da constitucionalidade pode ocorrer por meio de ação própria.
Nesse caso, o processo inicia com o questionamento da (in)constitucionalidade.
Se não houver obstáculo processual, deve terminar com a decisão sobre a pro-
cedência desse questionamento. Encontramos esse meio de controle nas ações
de inconstitucionalidade perante o STF.1
Finalmente, a terceira expressão controle abstrato ou objetivo significa
que o controle é exercido a partir de ações específicas para declarar a
(in)constitucionalidade da lei ou ato normativo, ou seja, é dito controle abs-
trato ou objetivo pelo fato de que a instauração da ação é desvinculada da
solução de um caso concreto, sem a existência necessária de uma lide resis-
tida envolvendo autor e réu.
Com efeito, nas ações de (in)constitucionalidade (ADI, ADC ou
ADPF), ocorrerá uma análise da inconstitucionalidade ou constitucionalida-
de em tese da norma, isto é, haverá a análise da questão constitucional em
abstrato, sem nenhuma vinculação a um caso concreto específico. De notar-
se, por conseguinte, que o controle abstrato de constitucionalidade pressu-
põe necessariamente um processo objetivo, vale dizer, um processo em que
não há partes litigando sobre um determinado objeto. Dessarte, para que se
tenha o julgamento do mérito da ação concentrada, o STF deve aferir a com-
patibilidade vertical do ato ou lei com a Carta Ápice.
Direito Constitucional 1007
1 DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya. Curso de processo constitucional. Controle
de constitucionalidade e remédios constitucionais. São Paulo: Atlas, 2011, p. 83.

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