Direito de Nacionalidade

AutorGuilherme Sandoval Góes/Cleyson de Moraes Mello
Páginas699-724
Capítulo 21
Direito de Nacionalidade
21.1. Conceito e noções correlatas à nacionalidade
O conceito de nacionalidade é o vínculo jurídico-político que se estabe-
lece entre o indivíduo e o Estado, fazendo com que a pessoa detentora da
nacionalidade se transforme em membro do povo daquele Estado.
A própria noção de Estado Westphaliano pós-Feudal estabelece a corres-
pondência à ideia de nacionalidade, na medida em que faz do indivíduo um
dos componentes da dimensão humana do Estado, qual seja o seu povo.
Além disso, vale destacar que essa ideia de nacionalidade associada ao ser hu-
mano é um direito garantido tanto no âmbito do direito constitucional inter-
no quanto na esfera do direito internacional.
Com efeito, a Constituição de 1988 criou o capítulo III próprio da na-
cionalidade no Título II sobre os Direitos e Garantias fundamentais, colo-
cando o instituto da nacionalidade como uma das espécies do gênero Direi-
tos Fundamentais, ao lado dos direitos individuais e coletivos, direitos so-
ciais, direitos políticos e dos partidos políticos.
No mesmo diapasão diversos documentos internacionais consagram o
direito da nacionalidade, como, por exemplo, a Declaração Universal dos
Direitos Humanos de 1948, que proclama, em seu artigo XV, que “todo
homem tem direito a uma nacionalidade e que ninguém será arbitrariamen-
te privado de sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionali-
dade”.
Já a Convenção Americana de São José da Costa Rica de 1969, aprovada
através do Decreto Legislativo n. 27, de 25 de setembro de 1992 e incorpo-
rada ao direito interno brasileiro pelo Decreto 678, de 6 de novembro do
mesmo ano, determina em seu artigo 20 que: “1 – Toda pessoa tem direito a
uma nacionalidade; 2 – Toda pessoa tem direito à nacionalidade do Estado
em cujo território houver nascido se não tiver direito a outra; e 3 – A nin-
guém se deve privar arbitrariamente de sua nacionalidade nem do direito de
mudá-la”.
Observe, com atenção, que o item 2 acima, do Pacto de São José da Cos-
ta Rica, busca garantir que nenhuma criança nasça sem uma nacionalidade,
ou seja, tenta evitar o surgimento de heimatlos, vale dizer, pessoas sem ne-
nhuma nacionalidade.1 Nos termos do referido dispositivo, garante-se no
mínimo a nacionalidade jus solis (nascimento no território do Estado), caso
a Constituição originária dos seus pais afaste a possibilidade de aplicação da
nacionalidade jus sanguinis (baseada nos laços sanguíneos entre pais e fi-
lhos).
Nessa mesma toada protetiva, o art. 24, item 3, do Pacto Internacional
sobre Direitos Civis e Políticos de 1966, que entrou em vigor internacional
dez anos depois de sua conclusão (1976), mas, que, no entanto, somente foi
internalizado no Brasil, através do Decreto n. 592 de 1992. Tal dispositivo
reza que “toda criança terá o direito de adquirir uma nacionalidade”.
Ainda no mesmo diapasão de proteção metaconstitucional, o art. 9º, da
Convenção sobre a Nacionalidade de Mulheres Casadas, de 1957, estabele-
ce que, em relação à nacionalidade, os Estados-partes garantem que nem o
casamento com um estrangeiro, nem a mudança de nacionalidade do marido
durante o casamento, modifiquem automaticamente a nacionalidade da mu-
lher, convertendo-a em apátrida.
Este tipo de matéria é relevante tanto para o Direito Constitucional In-
terno como para o Direito Internacional Público, pois a internalização desses
tratados internacionais no Brasil foi feita com base na atual jurisprudência do
STF, que entende que tais tratados possuem o status de norma supralegal,
ou seja, acima das leis infraconstitucionais, mas, abaixo da Constituição.
Além disso, a nacionalidade é tema que evoca múltiplas exegeses atrela-
das a diversos ramos do direito, seja no campo do Direito Constitucional,
seja na esfera do Direito Infraconstitucional, cuja finalidade será definir o
vínculo que une o indivíduo a determinado Estado, ou seja, se faz parte ou
não do povo brasileiro.2
Portanto, a definição de povo de um Estado como o conjunto de seus na-
cionais, natos ou naturalizados, evidentemente permite a distinção entre o
nacional e o estrangeiro para diversos fins, como, por exemplo, a condição de
possibilidade para o exercício da cidadania realizadora da soberania nacional
e dos destinos da vida política do País.
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1 Os Heimatlos ou apátridas ou apólidas são os indivíduos que não possuem pátria, ou
seja, não têm nenhuma nacionalidade.
2 A questão do direito de nacionalidade projeta-se sobre vários ramos do ordenamento
jurídico pátrio, seja o direito constitucional, seja o direito infraconstitucional, e.g., direito
penal, no tocante a possibilidade ou não de extradição por crime praticado por brasileiro
nato ou naturalizado ou quando o crime for cometido por estrangeiro contra brasileiro fora
do Brasil (art. 7º, II, ‘b’ e § 3º, do CP); direito civil no tocante à sucessão de bens de es-
trangeiro, observada a lei brasileira em benefício do cônjuge e filhos brasileiros, sempre
que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujos (§1º, art. 10, da LICC); direito
processual quanto às imunidades dos diplomatas e Chefes de Estado e direito empresarial
em relação à nacionalidade das pessoas jurídicas.

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