Neoconstitucionalismo e Dogmática Pós-positivista

AutorGuilherme Sandoval Góes/Cleyson de Moraes Mello
Páginas1185-1207
Capítulo 31
Neoconstitucionalismo e Dogmática Pós-positivista
31.1. Introdução
No presente capítulo, serão estudados os elementos teóricos que infor-
mam a reconfiguração da interpretação constitucional do tempo presente,
cujo eixo epistemológico tem como escopo a reconstrução neoconstitucio-
nalista do direito e a visão de que a Constituição é um sistema aberto de re-
gras e princípios.
Realmente, com o advento do declínio do positivismo jurídico, surge um
novo paradigma exegético pós-positivista que desloca para a centralidade do
sistema jurídico a eficácia dos princípios constitucionais, notadamente o
princípio da dignidade da pessoa humana. O fenômeno do neoconstituciona-
lismo pós-positivista passa a ganhar maior visibilidade a partir do fim da Se-
gunda Guerra Mundial na Europa, mas que somente chega ao Brasil com a
redemocratização do País por ocasião da promulgação da Constituição cida-
dã de 1988.
Como se verá, o fenômeno do neoconstitucionalismo pós-positivista é
fruto da superação da hegemonia positivista da norma legislada, corolário da
leitura axiomático-dedutiva do direito, aqui vislumbrada como a aplicação
mecânica da regra jurídica feita pelo juiz “boca da lei”. Sendo assim, este ca-
pítulo tem como objetivo compreender as bases teóricas que suportam a
evolução exegética da interpretação constitucional, cuja concepção jurídico-
metodológica é calcada na reaproximação com a ética a partir das transfor-
mações paradigmáticas que perfazem a reconstrução neoconstitucionalista
do direito e nova visão da Constituição como um sistema aberto de regras e
princípios.
Com efeito, em tempos de reconstrução neoconstitucionalista do direi-
to, doutrina e jurisprudência já não hesitam mais em reconhecer o ativismo
judicial, aqui vislumbrado como a criação de direito pelo Poder Judiciário
nos casos de omissão inconstitucional do legislador democrático. Tal prática
é fundamental para a eficácia social ou efetividade das normas constitucio-
nais, notadamente naquelas situações nas quais impera a mora inconstitucio-
nal do legislador ordinário na regulamentação dos direitos fundamentais sub-
metidos a uma reserva legal, simples ou qualificada.
Dessarte, com o intuito de superar a insuficiência do paradigma positi-
vista para a solução dos hodiernos problemas constitucionais mais comple-
xos, cuja solução demanda a ponderação de valores axiológicos de mesma
hierarquia, a perspectiva neoconstitucionalista realça o papel de juízes e tri-
bunais na busca de consolidação da força normativa da Constituição.
Isto significa dizer, por outras palavras, que a norma posta pelo legislador
democrático é mais um elemento hermenêutico, dentre outros, colocado à
disposição do intérprete da Constituição. Com rigor, é a própria Constitui-
ção, aqui vislumbrada como um sistema aberto de regras e princípios, a prin-
cipal fonte de aplicação do direito. Observe, com atenção, que a nova dog-
mática jurídica brasileira é construída com base no pós-positivismo jurídico,
também denominado “principialismo” e cuja linhagem hermenêutica foca na
superação do normativismo legalista do positivismo jurídico.1
Ora se por um lado, as linhas mestras do pós-positivismo jurídico aler-
tam para os perigos do paradigma positivista, incapaz de lidar com os proble-
mas constitucionais hodiernos dos chamados casos dificeis (hard cases), por
outro lado, há que se reconhecer os riscos da reconstrução neoconstituciona-
lista do direito no que tange aos princípios fundantes do Estado Democráti-
co de Direito, quais sejam, a separação de poderes e a segurança jurídica.
É preciso compreender, portanto, que a superação do paradigma positi-
vista não pressupõe o retorno a um jusnaturalismo nocivo, com intensa lista
de desserviços à democracia, como por exemplo, a criação de um corpo de
conhecimento acientífico, caracterizador do mero decisionismo judicial so-
lipsista.
Repudia-se, aqui, o ativismo judicial desvinculado de justificação cientí-
fica e, principalmente, desvinculado da força legitimadora da comunidade
aberta de intérpretes da Constituição, tal qual vislumbrada por Peter Häber-
le.2 Com efeito, o neoconstitucionalismo não se coaduna com decisões judi-
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1 Luís Roberto Barroso ensina que: A dogmática jurídica brasileira sofreu, nos últimos
anos, o impacto de um conjunto novo e denso de ideias, identificadas sob o rotulo genérico
de pós-positivismo ou principialismo. Trata-se de um esforço de superação do legalismo
estrito, característico do positivismo normativista, sem recorrer às categorias metafísicas
do jusnaturalismo. Nele se incluem a atribuição de normatividade aos princípios e a defi-
nição de suas relações com valores e regras; a reabilitação da argumentação jurídica; a for-
mação de uma nova hermenêutica constitucional; e o desenvolvimento de uma teoria dos
direitos fundamentais edificada sob a ideia de dignidade da pessoa. Cf. Prefácio de Luís
Roberto Barroso sob o subtítulo Neoconstitucionalismo, interpretação constitucional e ju-
dicialização das relações sociais no Brasil. In: BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação,
racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
2 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes
da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e ‘procedimental’ da Consti-
tuição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
1997.

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