A Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais e a Constitucionalização do Direito

AutorGuilherme Sandoval Góes/Cleyson de Moraes Mello
Páginas403-427
Capítulo 12
A Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais e
a Constitucionalização do Direito
12.1. Introdução
O neoconstitucionalismo e a dogmática pós-positivista trouxeram gran-
des mudanças para a ciência jurídica, quer seja pela introdução da leitura
moral da Constituição (leitura axiológica), q uer se ja pel a atri buiçã o de f orça
normativa aos princípios constitucionais, quer seja pelo deslocamento da
Constituição para o centro do sistema jurídico como um todo.
Assim, a Constituição passa a ser a lente pela qual deve ser interpretado
todo o direito infraconstitucional, ou seja, o filtro axiológico pelo qual se lê
o todo o direito.
É nesse diapasão que o reencontro com a ética mediante a proteção da
dignidade da pessoa humana faz com que o novo direito constitucional de-
termine – ainda que sob determinados limites – a despatrimonialização do
direito civil.
Isso significa dizer que o constitucionalismo pós-positivista aspira garan-
tir as condições materiais mínimas de vida digna para todos, daí a ideia de
direito que supera a letra da lei (extra legem), mas fica sob os limites dos
princípios da ordem jurídica como um todo (intra jus). Eis aqui as bases da
aplicação dos direitos fundamentais às relações privadas. É a chamada eficá-
cia horizontal dos direitos fundamentais, eixo temático de grande relevância
no neoconstitucionalismo.
Em consequência, o neoconstitucionalismo pós-positivista deslocou para
o epicentro da hodierna teoria da proteção dos direitos fundamentais a plena
efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana, que penetra no cír-
culo antes fechado dos diferentes ramos do direito privado. Supera-se o pa-
radigma positivista e o antigo entendimento de que apenas o Estado estaria
vinculado aos direitos fundamentais.
Projeta-se, dessarte, a ideia-força de oponibilidade dos direitos funda-
mentais nas relações jurídicas privadas, invocados diretamente da Constitui-
ção. Agora, não é apenas o Estado que pode violar os direitos fundamentais,
mas também os indivíduos no âmbito das suas relações jurídicas privadas. A
eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas
projeta-os como verdadeiros direitos subjetivos oponíveis entre particulares,
invocados diretamente da Constituição.
Nesse sentido, doutrina e jurisprudência já não hesitam em reconhecer
que o papel dos direitos fundamentais na ordem jurídica hodierna não se li-
mita apenas a atuar como proibição de intervenção estatal (eficácia vertical
de direitos negativos de defesa), mas, também, atuar como garantia de pro-
teção no âmbito do jusprivativismo. Não se trata mais de vislumbrar os direi-
tos fundamentais como instrumento de limitação de poder de um Estado
violador de direitos civis e políticos.
Ao contrário, o neoconstitucionalismo pós-positivista prende-se à per-
cepção de recíproca interação, seja com o conceito de democracia (regra da
maioria), seja com a ideia de constitucionalismo (limitação do poder esta-
tal). Dessa tensão constante entre democracia e constitucionalismo surge a
múltipla dimensão dos direitos fundamentais, cuja incidência não se restrin-
ge mais ao direito público, mas penetra também em todos os ramos do jus-
privativismo, chegando mesmo a ser um dos principais parâmetros de aferi-
ção do grau de democracia de uma sociedade, vale dizer, quanto mais demo-
craticamente avançada for uma sociedade, maior será o respeito e a efetivi-
dade do rol jusfundamental de direitos do cidadão comum.
Isso significa dizer que, mesmo em questões características de direito
privado, os direitos fundamentais deverão ser invocados para gerar direitos
subjetivos diretamente sindicáveis perante o Poder Judiciário, e.g., a veda-
ção de que um contrato de aluguel não seja celebrado com pessoas em virtu-
de de sua religião, ou, a exigência de que um sabatista trabalhe aos sábados,
ou ainda, a preferência de determinada escola religiosa para contratar pro-
fessores dessa mesma religião. São questões quejandas que realçam a impor-
tância do novo universo epistêmico da eficácia horizontal como uma nova
forma de pensar a eficácia da Constituição, especialmente voltada para a ple-
na efetividade das normas constitucionais garantidoras de direitos funda-
mentais, independentemente de serem aplicadas contra o Estado ou contra
particulares.
12.2. A eficácia vertical e a eficácia horizontal dos direitos fundamentais
O tema da eficácia horizontal dos direitos fundamentais (também deno-
minada eficácia privada, eficácia oblíqua, eficácia em relação a terceiros ou
eficácia externa) foi engendrado para determinar que, em determinadas si-
tuações, os direitos fundamentais possam ser invocados nas relações jurídi-
cas entre particulares.
Como é de sabença geral os direitos fundamentais foram concebidos
como forma de limitar a atuação do Estado em prol das liberdades indivi-
duais. Pela teoria da eficácia vertical, os direitos fundamentais são dirigidos
404 Guilherme Sandoval Góes Cleyson de Moraes Mello

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