A Eficácia dos Direitos Sociais e Seus Principais Óbices

AutorGuilherme Sandoval Góes/Cleyson de Moraes Mello
Páginas561-580
Capítulo 18
A eficácia dos Direitos Sociais e Seus Principais Óbices
18.1. Introdução
No âmbito do constitucionalismo hodierno, é inelutável a argumentação
de que a efetividade dos direitos sociais, na qualidade de princípios constitu-
cionais densificadores da justiça social, é dependente dos recursos financei-
ros do Estado, tendo em vista a sua natureza jurídica de direitos estatais
prestacionais.
Do mesmo modo, o caráter aberto do texto das normas constitucionais
garantidoras de direitos sociais também dificulta ou compromete a sua efe-
tividade ou eficácia positiva, mormente quando se tem em conta que são co-
mandos cuja normatividade fica na dependência do legislador ordinário, isto
é, os direitos sociais são direitos de eficácia mediata carentes de legislação
superveniente (normas programáticas de eficácia limitada).
Além disso, não se pode esquecer que o texto aberto dos direitos sociais
coloca sua normatividade na dependência de interpretação pós-positivista
de juízes progressistas, que fazem o direito avançar na direção da plena efe-
tividade dos princípios jurídicos e, não, apenas das regras jurídicas. Ou seja,
juízes positivistas, acostumados com a aplicação mecânica da lei (pensamen-
to silogístico-subsuntivo), não concretizam direitos sociais no caso concreto.
Tais fatores vêm induvidosamente reduzindo a eficácia positiva dos di-
reitos sociais, daí essa visão de muitos autores focada na desconsideração dos
direitos sociais como verdadeiros direitos fundamentais.
Esta é a razão pela qual vamos em seguida estudar três grandes obstácu-
los da nova dogmática constitucional, que dificultam a efetividade dos direi-
tos sociais, quais sejam: o conceito de “reserva do possível fática”, o conceito
de “reserva do possível jurídica” e o conceito de “dificuldade contramajori-
tária do Poder Judiciário”.
Com efeito, tais óbices enfraquecem a plena efetividade dos direitos so-
ciais, especialmente nestes tempos de globalização neoliberal que busca re-
tomar a engenharia constitucional anterior à Constituição de Weimar de
1919 (Estado mínimo, negativo e absenteísta), daí sua designação de arqué-
tipo constitucional pré-weimariano.
No entanto, impende destacar, desde logo, que tais obstáculos enfraque-
cem, induvidosamente, a efetividade dos direitos sociais, mas, não a retiram
de modo absoluto, como veremos a seguir.
18.2. O conceito de Reserva do Possível Fática
Como amplamente visto alhures, o epicentro jurídico-constitucional do
constitucionalismo liberal – calcado na sacralização da autonomia privada –
gerou um quadro de assimetrias sociais e econômicas, sem precedentes na
História.
Isto significa dizer que a engenharia constitucional liberal não teve o con-
dão de garantir a dignidade da pessoa humana, ainda que em sua expressão
mínima. Nesse diapasão é muito importante perceber que nem mesmo os in-
discutíveis avanços trazidos pela democracia liberal, tais como igualdade for-
mal perante a lei, garantia dos direitos civis e políticos, limitação do arbítrio
estatal mediante separação de poderes e muitos outros, foram capazes de
criar as condições mínimas indispensáveis ao efetivo gozo dos direitos funda-
mentais garantidores de vida digna para todos os cidadãos.
Em consequência, uma segunda dimensão de direitos é concebida, não
como um mero instrumento capaz de oferecer liberdade perante o Estado.
Mais do que isso, a nova segmentação de direitos é densificadora da justiça
social, com caráter de estatalidade positiva, ocupando-se dos direitos sociais
necessários para o exercício da verdadeira liberdade, agora assegurada pelo
Estado. Por isso, o constitucionalismo dirigente de segunda dimensão tem no
núcleo de suas preocupações a formulação de direitos sociais que levem em
consideração a realização do princípio da dignidade da pessoa humana.
Dessarte, a caracterização mais dominante do constitucionalismo social
é a garantia da liberdade por intermédio do Estado, tanto no que diz respeito
à proteção dos hipossuficientes, quanto na garantia de vida digna para todos.
Com isso, superam-se as estruturas e realidades estatais negativo-absenteís-
tas da democracia liberal, inaugurando uma nova fase na teoria da eficácia
dos direitos fundamentais.
Eis que a segunda dimensão de direitos nasce com a tarefa de suprir o
déficit econômico-social das classes menos favorecidas (hipossuficientes)
com base no princípio da dignidade humana, refazendo, pois, o constitucio-
nalismo liberal de corte individualista. Agora no epicentro jurídico-constitu-
cional do Estado Democrático Social de Direito encontra-se a dignidade da
pessoa humana como novo eixo axiológico da dogmática dos direitos funda-
mentais.
Entretanto, assim como o constitucionalismo liberal no primeiro pós-
guerra, o dirigismo constitucional também entra em crise a partir do fim da
Guerra Fria, que traz na sua esteira a poderosa engenharia constitucional
562 Guilherme Sandoval Góes Cleyson de Moraes Mello

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