Direito à Propriedade

AutorGuilherme Sandoval Góes/Cleyson de Moraes Mello
Páginas523-546
Capítulo 16
Direito à Propriedade
16.1. Introdução
O tratamento constitucional do direito fundamental de propriedade en-
contra amparo em diversas disposições de seu texto, destacando o condicio-
namento do exercício de tal direito ao atendimento de sua função social.
Ressaltando-se, ainda, que tanto o direito à propriedade privada quanto a ne-
cessidade de alcançar sua função social são igualmente tratados como princí-
pios da ordem econômica.
Aduz o art. 5º, XXII, CRFB/88 que “é garantido o direito à propriedade”.
Entendemos o direito à propriedade como direito de estrutura complexa visto
abranger os direitos de usar, gozar, dispor e reivindicar aquilo que é objeto de
tal direito, nos quais deve ser observada sua função social, cuja disciplina não
somente na seara constitucional, mas, também, infraconstitucional que se en-
contra inserta na Parte Especial, Livro III, do Código Civil que trata sobre o
direito das coisas, notadamente pelos arts. 1228 e seguintes: “Art. 1.228. O
proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de
reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. “
Qual o conceito de propriedade? As definições doutrinais da propriedade
são numerosas.
Segundo Pontes de Miranda, em sentido amplíssimo, propriedade “é o
domínio ou qualquer direito patrimonial. Tal conceito desborda o direito das
coisas. O crédito é propriedade. Em sentido amplo, propriedade é todo di-
reito irradiado em virtude de ter incidido regra de direito das coisas. Em sen-
tido quase coincidente, é todo direito sobre as coisas corpóreas e a proprie-
dade literária, científica, artística e industrial. Em sentido estrítissimo, é só
do domínio”.1
Para Clóvis Beviláqua, a propriedade, considerada como um direito, “é o
poder de dispor, arbitrariamente, da substância e das utilidades de uma coi-
sa, com exclusão de qualquer outra pessoa”.2
1 PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. Parte especial. Tomo XI. 2.
ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1958, p. 9.
2 BEVILÁQUA, Clóvis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil comentado por Cló-
vis Beviláqua. V. 1. Edição histórica. Rio de Janeiro: Rio, 1976, p. 1004.
Consoante Serpa Lopes, a palavra propriedade possui um sentido que
nasce do seu próprio termo. “A coisa é própria ao proprietário nesse sentido
de só a ele, em princípio caber a utilização dos seus serviços. E era precisa-
mente a isto que os Romanos denominavam de dominium, por isso que o seu
titular era em princípio senhor da coisa, fazendo dela o que bem quisesse. A
palavra propriedade vem do latim – proprietas – derivada de proprius, signi-
ficando o que pertence a uma pessoa. No domínio do Direito, a palavra pro-
priedade possui um amplo sentido, pois serve a indicar toda a relação jurídica
de apropriação de um bem qualquer, corpóreo ou incorpóreo”.3
Cunha Gonçalves entende que a definição de Scialoja é insuficiente, já
que este afirma que a propriedade “é uma relação de direito pela qual uma
coisa, havida como pertencente a certa pessoa, fica sujeita complementar-
mente à vontade desta em tudo o que não seja proibido pelo direito público
ou pela concorrência de direito alheio”.4
Cunha Gonçalves afirma que é difícil fixar de forma rígida o conceito de
propriedade, já que o referido instituto depende dos elementos temporal e
espacial. Daí que prefere a seguinte definição: “direito de propriedade é
aquele que uma pessoa singular ou coletiva efetivamente exerce numa coisa
certa e determinada, em regra perpetuamente, de modo normalmente abso-
luto, sempre exclusivo, e que todas as utras pessoas são obrigadas a res-
peitar”.5
Roberto de Ruggiero, professor da Universidade Real de Roma, destaca
duas definições de propriedade em razão do seu alto valor científico, quais
sejam: a definição de propriedade proposta por Filomusi, segundo a qual “a
propriedade é o domínio geral e independente de uma pessoa sobre uma coi-
sa, para fins reconhecidos pelo direito (lei) e dentro dos limites pelo direito
estabelecidos”6 e a definição apresentada por Scialoja, acima mencionada. O
professor italiano dá preferência a esta definição.7
José de Oliveira Ascenção, Professor catedrático da Faculdade de Direi-
to de Lisboa, afirma que “a propriedade é comummente qualificada como o
direito real máximo; efectivamente, é o modelo de todos os outros direitos
reais”.8
524 Guilherme Sandoval Góes Cleyson de Moraes Mello
3 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil: direito das coisas. Vol. VI. 5.
ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001, p. 281-282.
4 SCIALOJA, Lezioni di dir. civ ., p. 134 apud CUNHA GONÇALVES, Luiz da. Tra-
tado de direito civil. Volume XI. Tomo I. São Paulo: Max Limonad, 1958, p. 207-208.
5 Ibid., p. 208-209.
6 Diritti reali, p. 131 e seguintes apud RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito
civil. Vol. II. São Paulo: Saraiva, 1958, p. 371-372.
7 Ibid.
8 ASCENÇÃO, José de Oliveira. Direito civil: reais. 5. ed. Coimbra: Coimbra, 2000,
p. 443.

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