Poder Legislativo

AutorGuilherme Sandoval Góes/Cleyson de Moraes Mello
Páginas757-839
Capítulo 23
Poder Legislativo
23.1. Introdução
O intuito deste capítulo é analisar a estrutura e funções do Poder Legis-
lativo, suas comissões, aí incluídas as Comissões Parlamentares de Inquérito
(CPI), o estatuto dos congressistas e, finalmente, o processo legislativo bra-
sileiro como um todo.
No entanto, antes de examinar o Poder Legislativo, impende analisar as
diferentes acepções do conceito de poder, de modo a compreender a organi-
zação dos poderes do Estado brasileiro, quais sejam: Poderes Executivo, Le-
gislativo e Judiiário.
23.2 Organização dos Poderes
No âmbito da doutrina, a expressão poder possui diferentes acepções,
valendo destacar, em primeiro lugar, a vertente que vislumbra o poder como
revelação da soberania popular, tal qual consta no art. 1º, § único, de nossa
Carta Magna, cujo texto reza que todo o poder emana do povo, que o exerce
por meio de representantes (democracia representativa) ou diretamente
(democracia participativa).
A segunda acepção guarda a intelecção de poder enquanto função, exa-
tamente como previsto nos artigos 44, 76 e 92, da Constituição de 1988,
onde se lê que a função legislativa é exercida pelo Congresso Nacional, que
se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com legislatura
de quatro anos, a função executiva é exercida pelo Presidente da República,
auxiliado pelos Ministros de Estado e, finalmente, a função jurisdicional
exercida pelos órgãos do Poder Judiciário.
Destarte, a partir dessa segunda acepção, pode-se afirmar que a divisão
orgânica do poder se estabelece a partir da especialização de funções do Es-
tado mediante os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, que exercem
funções típicas e atípicas. Cabe ao Legislativo elaborar leis (função legiferan-
te ou legislativa), ao Executivo administrar e aplicar na prática a lei (função
administrativa) e ao Judiciário julgar conflitos na busca da pacificação social
(função jurisdicional).
Já a terceira acepção, menos examinada pela doutrina pátria, vislumbra
o poder do Estado como uma combinação de vontades (de indivíduos e de
grupamento de indivíduos) e meios (recursos naturais do Estado), cujo desi-
derato é formulação estratégica para a busca do bem comum e para a conse-
cução dos objetivos fundamentais do Estado, tal qual preconizado no artigo
3º, da Constituição de 1988, que reza:
Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – cons-
truir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento na-
cional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem,
raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Muito embora esta terceira acepção de poder seja uma conjunção de
vontades e meios, com o intuito de criar a estratégia nacional para a busca do
bem comum e dos objetivos fundamentais do Estado, a manifestação do po-
der somente é possível a partir da vontade de indivíduos e de grupamento de
indivíduos, o que evidentemente demonstra que a realização do poder nacio-
nal é um fenômeno essencialmente humano, na medida em que somente o
homem é capaz de usar os meios disponíveis para a consecução dos objetivos
fundamentais previstos na Constituição, Carta Ápice da sociedade como um
todo, nos termos do seu artigo 3º, incisos I a IV, como já visto.1
É nesse sentido que o poder nacional deve ser sempre entendido como
um todo, uno e indivisível, tal qual a soberania do Estado, também una e in-
divisível, mas, isso não significa dizer que a estratégia nacional, fazendo a
conjugação de vontades e meios, possa se materializar a partir de cinco ex-
pressões desse poder, a saber: política; econômica; cultural; militar e cientí-
fico-tecnológica. O estudo do poder nacional é feito assim a partir dessas
cinco expressões, cujo mérito é o de planejar melhor a consecução dos obje-
tivos fundamentais constitucionais.
Observe, com atenção, que tais objetivos (construir uma sociedade livre,
justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e, promover o
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, e quais-
quer outras formas de discriminação) só serão alcançados por meio da apli-
cação do poder nacional mediante a conjugação de vontades e meios a partir
das cinco expressões do poder nacional.
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1 Portanto, o poder nacional não pode ficar submetido à dimensão cratológica de um
determinado grupo social ou econômico, mas, sim, voltado para a formulação da estratégia
nacional visando a busca do bem comum e a consecução dos objetivos fundamentais cons-
titucionais. Destarte, a ideia de poder nacional projeta a imagem de um sistema complexo
que cria uma macroinstituição especial – o Estado – a quem o povo delega poderes a serem
exercidos em seu nome e cuja finalidade é a busca do bem comum.
Finalmente, a quarta acepção da expressão poder que fica atrelada aos
elementos estruturais desse poder enquanto órgão do Estado, nos termos
do art. 2º, da CRFB/88, cuja dicção estabelece: “são órgãos da União, inde-
pendentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
Essa visão de poder enquanto órgão do Estado é a mais usada pela dou-
trina para examinar o princípio da separação de poderes. Com efeito, sem
embargo da intelecção de que o poder é uno e indivisível, a tripartição do
poder em três órgãos (Legislativo, Executivo e Judiciário), juntamente com
o exercício das suas três funções estatais típicas (função legislativa, adminis-
trativa e jurisdicional) servem como limites ao próprio poder do Estado,
onde se destacam o rol de direitos fundamentais do cidadão comum, que se
coloca acima das razões de Estado e o princípio da separação de poderes. Se-
parar os poderes da União é limitar o poder do Estado.
Eis aqui os dois pilares de sustentabilidade do Estado Democrático de
Direito.
23.3. Mecanismos de Freios e Contrapesos (Checks and Balances)
Dentro do extenso quadro de princípios constitucionais fundamentais,
desponta o princípio da separação de poderes (art. 2º, CRFB/88) que consa-
gra a independência e a harmonia entre os Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário.
A tripartição de poderes é cláusula pétrea, logo não admite emenda
constitucional tendente a aboli-la, nem mesmo por instrumentos de demo-
cracia plebiscitária rousseauniana (democracia participativa), ou seja, plebi-
scito ou referendo.
Tal princípio foi esboçado originariamente por Aristóteles, muito embo-
ra seja Montesquieu seu grande teorizador. Nesse sentido a lição de Dalmo
Dallari:
Fortemente influenciados por MONTESQUIEU, os constituintes norte-ameri-
canos acreditavam fervorosamente no princípio da separação de poderes, orien-
tando-se por ele para a composição do governo da federação. Elaborou-se, en-
tão, o sistema chamado de freios e contrapesos, com os três poderes, Legislati-
vo, Executivo e Judiciário, independentes e harmônicos entre si, não se admi-
tindo que qualquer deles seja mais importante que os demais.2
Com efeito, a separação de poderes é o instrumento necessário para li-
mitar o poder abusivo do Estado, sendo por isso mesmo, juntamente com a
proteção dos direitos fundamentais, uma das bases sobre a qual repousa o
Estado Democrático de Direito. A teoria da separação de poderes de Mon-
tesquieu foi absorvida pelo constitucionalismo democrático como uma das
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2 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 29. ed. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 258.

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