Direitos Fundamentais Processuais

AutorGuilherme Sandoval Góes/Cleyson de Moraes Mello
Páginas581-606
Capítulo 19
Direitos Fundamentais Processuais
19.1. O Direito Fundamental à Tutela Jurisdicional como Subprincípio
Concretizador da Dignidade da Pessoa Humana1
A democracia no Estado Democrático de Direito há de ser um processo
coletivo de convivência livre, justa e solidária, assim evidenciado pelo
preâmbulo da Constituição Federal.
As normas constitucionais fundamentais afirmam valores que irradiam
para todo o ordenamento, assegurando o reconhecimento dos direitos fun-
damentais e os princípios basilares constitucionais da democracia, produzin-
do a eficácia irradiante.
Os direitos fundamentais possuem dimensão objetiva e subjetiva. Por-
tanto, as normas fundamentais não devem cumprir papel de evidenciar uma
faculdade ou um poder de um único individuo, pois os valores se espraiam
para toda a comunidade. Como consequência da dimensão objetiva está o
dever de proteção estatal que se irradia para a ordem infraconstitucional. O
Estado, então, fica obrigado a proteger os direitos fundamentais.
Tratando-se da subjetivação dos direitos fundamentais, é importante,
vislumbrar a função que eles podem desempenhar.2
Canotilho,3 tratando da necessidade de democratizar a democracia, re-
fere-se à participação nas organizações, criticando o fato de que o cidadão
mantendo-se afastado das organizações e dos processos de decisão afasta-se
da realização dos seus próprios direitos, referindo-se a possibilidade de cer-
tos direitos fundamentais alcançarem maior consistência se os cidadãos par-
ticipassem de sua estrutura de decisão.
1 MELLO, Marcia Ignácio de Moraes. Razoável Duração do Processo. Dissertação de
Mestrado em Direito. Unesa, 2007. Orientador Humberto Dalla.
2 Remete-se o leitor a momento anterior, neste artigo, mais precisamente à abordagem
sobre a multifuncionalidade dos direitos fundamentais, em particular as classificações de
J.J Canotilho e Ingo Sarlet.
3 CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. Ed.
Coimbra: Almedina, 2003.
É no princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional estatal que se
encontra a tutela jurisdicional como direito fundamental. Os princípios têm
a função de definir a lógica e a racionalidade do sistema das normas, harmo-
nizando-o. Inspiram o sistema organizacionalmente, emprestando-lhe subsí-
dios para a sua compreensão e interpretação.
O direito de ação decorre do princípio da inafastabilidade4 da jurisdição.
Ressalte-se que o direito de ação não se confunde com o direito de petição5,
já que este é exercido perante os órgãos públicos acerca de ilegalidades ou
desvio de finalidade na atuação da administração pública, enquanto aquele
se refere à lesão ou ameaça ao direito reclamado perante o poder judiciário.
A tutela jurisdicional objetiva a pacificação social, assegurando constitu-
cionalmente ao cidadão que, em caso de violação ou ameaça ao direito, bus-
que junto ao Estado os meios eficientes para solucionar seu conflito.
O inciso XXXV do artigo 5º constitucional não se refere, tão somente ao
acesso ao judiciário, mas ao seu significado pleno. O acesso ao judiciário de-
corre do movimento renovatório do direito e implica em propiciar ao cida-
dão o amplo e irrestrito acesso ao judiciário, desde a propositura da ação até
a tutela definitiva do seu conflito. O acesso à justiça é consequência lógica do
exercício da função jurisdicional como monopólio estatal.6
O movimento de acesso à justiça é tratado, em obra ímpar, por Cappel-
letti e Garth (Acess to justice: a worldwide movement to make rights effec-
tive, a general repport), sob a figura das ondas renovatórias do acesso à jus-
tiça.7
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4 Inciso XXXV do art. 5º/CRFB.
5 Inciso XXXIV do art. 5º/CRFB.
6 Aduza-se que a Constituição de Portugal prevê em seu artigo 20º o direito a uma tu-
tela jurisdicional efetiva, ao que reconhecemos ter equivalente previsão em nosso ordena-
mento constitucional, no artigo 5º, inciso XXXV. Referindo-se à previsão portuguesa Ca-
notilho assevera: “Em termos gerais – e como vem reiteradamente afirmando o Tribunal
Constitucional na senda do ensinamento de Manuel de Andrade – o direito de acesso aos
tribunais reconduz-se fundamentalmente ao direito a uma solução jurídica de actos e rela-
ções jurídicas controvertidas, a que se deve chegar um prazo razoável e com garantias de
imparcialidade e independência possibilitando-se, designadamente, um correcto funcio-
namento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as
suas razões (de facto e de direito), oferecer as provas, controlar as provas do adversário e
discretear sobre o valor e resultado das causas outras” (Ac. TC 86/88,DR, II, 22/8/88)
CANOTILHO, op.cit. p. 433.
7 “Podemos afirmar que a primeira solução para o acesso – a primeira ‘onda’ desse mo-
vimento novo – foi a assistência judiciária; a segunda dizia respeito às reformas tendentes
a proporcionar representação jurídica para os interesses ‘difusos’, especialmente nas áreas
da proteção ambiental e do consumidor; e o terceiro – e mais recente – é o que nos propo-
mos a chamar simplesmente “enfoque de acesso à justiça” porque inclui os posicionamen-

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