Teoria dos Direitos Fundamentais

AutorGuilherme Sandoval Góes/Cleyson de Moraes Mello
Páginas353-401
Capítulo 11
Teoria dos Direitos Fundamentais
11.1. Introdução
O objetivo desse capítulo é examinar o conceito, a questão terminológi-
ca, as características e a teoria tridimensional dos direitos fundamentais.
A ideia aqui é analisar tal teoria a partir dos diferentes regimes jurídicos
de proteção dos direitos fundamentais ao longo do constitucionalismo de-
mocrático moderno. Assim sendo, o presente capítulo pretende investigar o
perfil de evolução dessa proteção jurídica e sua correlação com os paradig-
mas de Estado de Direito (Estado Liberal de Direito e Estado Democrático
Social de Direito), deixando-se, como já dito, a análise do Estado Pós-mo-
derno de Direito para o último capítulo.
Em linhas gerais, o desiderato acadêmico da presente segmentação te-
mática será evidenciar tal paralelismo que tem o condão de acoplar as di-
mensões de direitos fundamentais a seus respectivos modelos de Estado de
Direito, desvelando desse modo a matriz de impactos cruzados que faz a co-
nexão entre o constitucionalismo democrático e o sistema de proteção dos
direitos humanos.
Tradicionalmente os direitos fundamentais são classificados em três
grandes dimensões ou gerações, cada uma delas representando uma das ex-
pressões dentro da clássica trilogia da Revolução francesa (liberdade-igual-
dade-fraternidade).
Com rigor, a terminologia “gerações de direitos fundamentais” vem sen-
do rejeitada na esfera doutrinária, porque projeta a imagem errônea de que
uma geração supera a outra, uma geração substitui a outra, o que evidente-
mente não é verdade. Todas as três gerações de direitos continuam válidas
no direito constitucional contemporâneo, ou seja, uma dimensão de direitos
não revoga as outras que lhe precederam no tempo e no espaço. Esta é a ra-
zão pela qual a melhor doutrina prefere usar a expressão “dimensões de di-
reitos fundamentais” no lugar de “gerações de direitos fundamentais”.
De fato, as três dimensões dos direitos fundamentais guardam entre si
uma relação de complementaridade e também de cumulatividade que garan-
te um todo contínuo, um catálogo jusfundamental unário, um único plexo de
direitos fundamentais sem rupturas de uma dimensão para outra. Portanto,
fica claro que os direitos fundamentais devem ser vislumbrados a partir de
um único prisma de coexistência harmônica de suas três dimensões, um úni-
co rol jusfundamental do cidadão comum.
Foi no ano de 1979 que o tcheco Karel Vasak, depois francês naturaliza-
do, em Conferência realizada em Estrasburgo, em França, formulou pela pri-
meira vez a teoria das dimensões dos direitos fundamentais, dimensões estas
inspiradas no lema da revolução francesa: liberté, egalité, fraternité.
Em síntese, a proposta de Vasak percebia a primeira geração ligada à li-
berdade, com ênfase no individualismo em detrimento da influência do Es-
tado na vida particular, enquanto que a segunda geração atrelada à igualda-
de, vislumbrava a intervenção estatal na vida em sociedade com o intuito de
não apenas regulá-la, mas, principalmente, moldá-la de acordo os direitos
fundamentais sociais. Finalmente, a terceira geração associada à fraternida-
de (solidariedade), cujo desenvolvimento ocorreu após a Segunda Guerra
Mundial, deu grande impulso à proteção da humanidade como um todo,
destacando-se o direito ao meio ambiente, à paz e ao desenvolvimento.
E assim é que grande parte da doutrina associa a primeira dimensão à
expressão liberdade, na medida em que tal dimensão foca a proteção dos di-
reitos civis e políticos dos cidadãos em relação ao Estado, que se vê então li-
mitado no seu poder absoluto de outrora. Tais direitos são associados às li-
berdades clássicas negativas.
Já a segunda dimensão se relaciona com a expressão igualdade no senti-
do da proteção dos direitos sociais, econômicos, trabalhistas e culturais, que
buscam concretizar a ideia de igualdade material (isonomia real ou concre-
ta). A concretização dos direitos de segunda dimensão pressupõe ações posi-
tivas do Estado, não bastando a postura meramente absenteísta como na pri-
meira dimensão.
Finalmente, a terceira dimensão, caracterizada pela titularidade transin-
dividual (direitos coletivo, difusos ou individuais homogêneos) de toda uma
coletividade, se coaduna perfeitamente com o termo solidariedade ou fra-
ternidade da clássica trilogia francesa. Aqui vale salientar que a terceira di-
mensão busca tutelar os direitos de titularidade coletiva, de titularidade
transindividual, que alcançam diferentes formações sociais, e.g., coletivida-
de em geral (consumidores e defesa do meio ambiente), diferentes classes
trabalhistas, etc. Tais direitos ficam atrelados ao princípio da solidariedade
exatamente pelo seu caráter de titularidade que transcende ao indivíduo,
acoplando-se à coletividades.
Nesse sentido, vale destacar que o próprio Supremo Tribunal Federal já
teve a oportunidade de reproduzir o tema das gerações dos direitos funda-
mentais, verbis:
enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que com-
preendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da
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liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e cultu-
rais) – que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas – acen-
tuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam
poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações
sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento im-
portante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos di-
reitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis,
pela nota de uma essencial inexauribilidade.1 (grifos nossos)
Enfim, é bem de ver que o estudo das dimensões dos direitos fundamen-
tais se torna importante no entendimento da evolução social do Estado de
Direito, desde seus primórdios com a formação do Estado Liberal de Direi-
to, perpassando-se pelo Estado Democrático Social de Direito, até, final-
mente, chegar-se ao Estado Pós-moderno de Direito, paradigma estatal ain-
da em construção nos dias de hoje.
Antes, porém, de examinar detalhadamente cada um desses três grandes
paradigmas estatais, é necessário percorrer toda a trajetória de transforma-
ções do espaço jurídico-filosófico operadas no curso da evolução dos direitos
humanos.
Como bem alerta Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a doutrina dos direi-
tos humanos, no fundo, nada mais é do que uma versão da doutrina do direi-
to natural que já desponta na Antiguidade.2
Tal visão caminha na direção oposta de certos doutrinadores, no sentido
de que o reconhecimento dos direitos fundamentais do homem em enuncia-
dos explícitos é coisa recente,34 ao contrário, é inegável a influência da Anti-
guidade, seja através da religião ou filosofia, dos grandes pensadores e filóso-
fos gregos, bem como dos romanos, os ideais do pensamento cristão5 (pre-
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1 STF, MS 22164/SP.
2 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. São Paulo:
Saraiva, 2006, p. 9.
3 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo:
Malheiros, 2004, p. 149.
4 Segundo Kildare Carvalho, os direitos individuais entendidos como inerentes ao ho-
mem e oponíveis ao poder e à discricionariedade estatal “não existiram na Antiguidade
grega e romana, não obstante a referência estoicista às ideias de dignidade e igualdade. A
polis grega e civitas romana absorviam o homem na sua dimensão individual, não se mani-
festando a liberdade como direito autônomo: livre era o cidadão que gozava da capacidade
para se integrar no Estado, participando das decisões políticas. Mesmo nas artes e na reli-
gião, não se concebia o homem na sua individualidade, já que era absorvido pelo todo,
como dimensão da comunidade política.” In Kildare Gonçalves. Direito Constitucional –
Teoria do Estado e da Constituição Direito Constitucional Positivo. 14. ed. Belo Horizon-
te: Del Rey, 2008, p. 670-671.
5 “O cristianismo é apontado como marco inicial dos direitos fundamentais, manifesta-

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