Teoria Geral do Controle de Constitucionalidade

AutorGuilherme Sandoval Góes/Cleyson de Moraes Mello
Páginas877-953
Capítulo 27
Teoria Geral do Controle de Constitucionalidade
27.1. Introdução
A positividade do direito é a realização da razão no Estado, uma vez que
as leis e regras do direito são racionais e se materializam como princípios
pensados, mediando o indivíduo e o Estado, ou seja, sua liberdade abstrata e
concreta (positivada). Nesse diapasão, Norberto Bobbio afirma que “o posi-
tivismo jurídico é aquela doutrina segundo a qual não existe outro direito se-
não o positivo.1
Hans Kelsen (1881-1973), um dos maiores expoentes do positivismo,
formulou a Teoria Pura do Direito afastando de seu objeto todos os elemen-
tos considerados metajurídicos. A norma jurídica é o elemento chave em sua
teoria (ciência normativa) sendo examinada pelo enfoque estritamente for-
mal (neutralidade axiológica e sociológica).
Na obra Teoria Pura do Direito, Kelsen explica que “quando designa a si
própria como ‘pura’ teoria do Direito, isto significa que ela se propõe a ga-
rantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conheci-
mento tudo quanto não pertença a seu objeto, tudo quanto não se possa, ri-
gorosamente, determinar como Direito. Isto quer dizer que ela pretende li-
bertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é
o seu princípio metodológico fundamental.”2
Nesta obra, já definidos método e objeto da Ciência Jurídica, Kelsen a
dividiu em teoria estática e teoria dinâmica. Alexandre Travessoni Gomes,
com base nos estudos kelsenianos, explica que “a teoria estática dá ênfase às
normas reguladoras da conduta humana, enquanto a teoria dinâmica dá ên-
fase à conduta humana regulada pelas normas. Na primeira, o conhecimento
é dirigido às normas jurídicas produzidas, tendo por objeto o direito como
um sistema de normas em vigor, o direito em seu momento estático. A se-
gunda tem por objeto o processo jurídico em que o direito é produzido e
aplicado, isto é, o direito em movimento. Kelsen observa que o próprio direi-
1 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico – Lições de Filosofia do Direito. Tradu-
ção Márcio Pugliesi, Edson Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 1999, p.26.
2 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1985, p.1.
to regula o seu processo de produção e aplicação, por meio de leis constitu-
cionais e processuais.”3
Hans Kelsen desvincula o Direito da Moral. Para o jusfilósofo é necessá-
rio distinguir as normas jurídicas das normas morais. As normas jurídicas são
válidas não porque estão ligadas a elementos de natureza ética, mas porque
são estabelecidas por uma autoridade produtora de normas. Dessa maneira,
uma norma jurídica é válida somente porque foi criada por uma autoridade
instituída por uma norma “superior”. É um sistema axiologicamente neutro.
O estudo kelseniano, portanto, apresenta uma hierarquização das nor-
mas. Aurélio Wander Bastos ensina que “esta percepção linear e vertical das
relações das normas entre si é que caracteriza a hierarquia das normas: sobre
a norma inferior prevalece sempre a norma superior. Se houver contradição
entre uma e outra, a autoridade deverá sempre, no caso, optar pela superior
e, em gênero, presumir a revogação ou modificação da inferior. O princípio
da hierarquia das normas é que resguarda o princípio da coerência, e os dois,
combinadamente, a teoria da validez”.4
Dessa maneira, o fundamento do controle de constitucionalidade é o de
que nenhum ato normativo, decorrente da Constituição, pode contrariá-la,
modificá-la ou suprimi-la. A Constituição representa, pois, “o escalão de Di-
reito positivo mais elevado,”5 sendo necessária a existência de mecanismo de
controle de sua efetividade. É assim que a supremacia constitucional ganha
relevo nos Estados Democráticos de Direito, cujo respeito ao texto constitu-
cional é de fundamental importância. O controle de constitucionalidade é,
pois, um mecanismo de verificação da compatibilidade entre uma lei ou ato
normativo e a própria Constituição.
O controle de constitucionalidade está intimamente relacionado não só
a ideia de supremacia constitucional, como também a rigidez constitucional.
A Constituição é considerada rígida uma vez que veda sua modificação pela
legislação ordinária. De acordo com J.J.Gomes Canotilho, rigidez “é sinôni-
mo de garantia contra mudanças constantes, frequentes e imprevistas ao sa-
bor das maiorias legislativas transitórias. A rigidez não é um entrave ao de-
senvolvimento constitucional, pois a constituição deve poder ser revista
sempre que a sua capacidade reflexiva para captar a realidade constitucional
se mostre insuficiente.”6
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3 GOMES, Alexandre Travessoni. O Fundamento de Validade do Direito: Kant e Kel-
sen. 2.ed. Belo Horizonte: Mandamentos Editora, 2004, p. 223.
4 BASTOS, Aurélio Wander. Introdução à Teoria do Direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Lu-
men Juris, 1999, p. 134.
5 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1985, p.240.
6 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed.
Coimbra: Almedina, 2003, p. 216.
Vale destacar que o controle de constitucionalidade visa, também, prote-
ger os direitos fundamentais contra as maiorias parlamentares. O termo “di-
reitos fundamentais” é encontrado na dogmática jurídica em várias expres-
sões, tais como: “direitos humanos”, “direitos do homem”, “direitos subjeti-
vos públicos”, “liberdades públicas”, “direitos individuais”, “liberdades fun-
damentais” e “direitos humanos fundamentais”.7 Gregorio Peces-Barba
Martínez ensina que “en los derechos fundamentales el espíritu y la fueza, la
moral y el Derecho están entrelazados y la separación los mutila, los hace in-
comprensibles. Los derechos fundamentales son una forma de integrar justi-
cia y fuerza desde la perspectiva del individuo propio de la cultura antropo-
céntrica del mundo moderno”.8
Não obstante o insucesso de consenso conceitual e terminológico relati-
vo aos direitos fundamentais9, alguns pontos de encontro entre tantos con-
ceitos elaborados podem nos fazer chegar a uma conceituação aceitável,
onde os direitos fundamentais são prerrogativas/instituições (regras e princí-
pios) que se fizeram e se fazem necessárias ao longo do tempo, para forma-
ção de um véu protetor das conquistas dos direitos do homem (que com-
preendem um aspecto positivo, a prestação, e um negativo, a abstenção) po-
sitivados em um determinado ordenamento jurídico, embasados, em espe-
cial, na dignidade da pessoa humana, tanto em face das ingerências estatais,
quanto, segundo melhor doutrina, nas relações entre particulares (seja esta
proteção positivada ou não, é inegável a constitucionalização do direito pri-
vado, e, por consequência, a força normativa da constituição nestas rela-
ções), onde, em ambos os casos podem possuir eficácia imediata (chamada
eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações privadas), ou imediata
no primeiro caso e mediata no segundo (chamada eficácia indireta dos direi-
tos fundamentais nas relações privadas), ou, ainda só possuindo eficácia no
primeiro caso (não aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações pri-
vadas) conforme o ordenamento no qual se encontram os referidos direitos.
Na precisa lição de José Afonso da Silva10 qualificar tais direitos como
fundamentais é apontá-los como situações jurídicas essenciais sem as quais o
homem “não se realiza, não convive e, às vezes nem sobrevive; fundamentais
do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas for-
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7 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2003, p. 31.
8 MARTÍNEZ, Gregorio Peces-Barba. Lecciones de Derechos Fundamentales. Madrid:
Dykinson, 2004, p. 31.
9 José Afonso da Silva entende que são “aqueles que reconhecem autonomia aos parti-
culares, garantindo a iniciativa e a independência aos indivíduos diante dos demais mem-
bros da sociedade política e do próprio Estado”. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito
Constitucional Positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 191.
10 SILVA, José Afonso da, Op. cit., p. 178.

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