Norma Constitucional

AutorGuilherme Sandoval Góes/Cleyson de Moraes Mello
Páginas121-159
Capítulo 5
Norma Constitucional
5.1. Introdução
Tradicionalmente a doutrina costuma fazer a classificação e a estrutura
da Constituição, dividindo-a em três partes: preâmbulo, corpo permanente
ou parte dogmática (texto articulado com seus nove títulos) e o ato das
disposições constitucionais transitórias (ADCT).
Não resta nenhuma dúvida de que tanto a parte permanente, quanto o
ato das disposições constitucionais transitórias são normas jurídicas, portan-
to, normas dotadas de imperatividade (caráter obrigatório da norma) e da
garantia de que serão executadas, seja pela existência de mecanismos insti-
tucionais que obriguem os destinatários a cumprirem as normas, seja pela
existência de sanções externas e institucionalizadas nas hipóteses de seu des-
cumprimento.
Nesse sentido, todas as normas que integram o corpo permanente da
Constituição (do art. 1º ao art. 250, da CRFB/88) são normas jurídicas de
referência para o controle de constitucionalidade, independentemente, de
seu conteúdo material, não importando se são:
a) normas constitucionais originárias, normas constitucionais derivadas
(emendas constitucionais) ou normas constitucionais implícitas/decorrentes
da assimilação de Tratados e Convenções Internacionais sobre Direitos Hu-
manos, aprovadas com o rito especial, mais rigoroso, previsto no art. 5º, § 3º,
da CRFB/88;
b) normas-regras ou normas-princípios;
c) normas programáticas ou não;
d) normas de eficácia plena, contida ou limitada; e
e) normas materialmente constitucionais (que versam sobre as organiza-
ção do Estado e as normas garantidoras de Direitos fundamentais) ou nor-
mas formalmente constitucionais (as demais normas, que não deveriam es-
tar na Constituição, mas, estão).
Com relação ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
(ADCT), vale destacar que também são normas jurídicas, muito embora al-
gumas delas sejam normas necessárias para a transição da ordem constitucio-
nal de 1969 para o novo modelo constitucional de 1988. Um bom exemplo
desse tipo de norma é o art. 16, do ADCT, da CRFB/88, que conferiu com-
petência temporária para o Presidente da República indicar o Governador e
o Vice-Governador do Distrito Federal, até que fosse realizada a primeira
eleição direta naquela entidade federativa, bem como a competência, tam-
bém, provisória, do Senado Federal para a aprovação dessa indicação feita
pelo Chefe do Poder Executivo.
É bem de ver que uma norma integrante do ADCT se caracteriza pela
existência de eficácia jurídica somente até o momento em que ocorre a si-
tuação nela prevista, daí sua natureza de norma transitória que perde eficácia
jurídica por exaurimento de seu próprio conteúdo. Outro tipo de norma do
ADCT que também segue essa ideia de transitoriedade, ou seja, uma vez
cumprida, torna-se norma de eficácia jurídica exaurida, é o caso já estudado
e importante do art. 3º, do ADCT, da CRFB/88, que estabeleceu as regras
para a realização da revisão constitucional após o decurso do prazo de cinco
anos contado a partir da promulgação da Constituição de 1988. Uma vez
realizada a revisão constitucional (em 1993/1994), o art. 3º, do ADCT, da
CRFB/88, passou a ser norma de eficácia exaurida.
Além disso, impende, ainda, salientar que as normas integrantes do
ADCT somente poderão ser modificadas por intermédio de emendas à
Constituição, que possuem a mesma dignidade constitucional, podendo-se
citar como exemplo a emenda n. 37/2002 que inovou na matéria de caráter
transitório, no caso da extinta contribuição provisória sobre movimentação
ou transmissão de valores e de créditos e Direitos de natureza financeira
(CPMF), cujo prazo limite de vigência foi alterado para o dia 31 de dezem-
bro de 2004.
Outro dado importante a observar é o fato de que as normas integrantes
do ADCT têm a mesma dignidade constitucional das demais normas, sejam
as normas formalmente constitucionais, sejam as normas materialmente
constitucionais.
Assim sendo, é valido relembrar que são normas dotadas de eficácia ne-
gativa paralisante que suscitam a declaração de inconstitucionalidade de
quaisquer normas infraconstitucionais que sejam com elas verticalmente in-
compatíveis.
Da mesma forma, é correto afirmar que também podem ser normas do-
tadas de eficácia positiva ou simétrica, que garante Direitos fundamentais
violados por omissão inconstitucional do legislador ordinário, como é o
exemplo da proteção à relação de emprego diante da despedida arbitrária ou
sem justa causa, insculpida no art. 10, inciso I, do ADCT, da CRFB/88, que
continua válido porque ainda não foi editada a lei complementar prevista na
norma constitucional de eficácia limitada (art. 7º, inciso I, da CRFB/88),
cuja dicção prevê a indenização compensatória, dentre outros Direitos.
Já o preâmbulo de uma Constituição pode ser definido como um texto
introdutório, não articulado, anteposto à Carta Magna, que serve como cer-
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tidão de origem do nascimento jurídico de um novo Estado, em virtude da
ruptura jurídica com a Constituição anterior. Muito embora se trate de um
documento que projete valores axiológicos, grandes objetivos e finalidades
do novo Estado, não é considerado parâmetro de controle de constituciona-
lidade, uma vez que não é norma jurídica, de acordo com a jurisprudência do
STF.
Com efeito, sua natureza jurídica seguiu a tese da irrelevância jurídica,
qual seja: o preâmbulo situa-se no domínio da política ou da história, não
participando das características jurídicas da Constituição, ou seja, serve,
apenas, como um vetor exegético, uma diretriz ou norte interpretativo, útil
no esclarecimento do sentido ideológico ou axiológico de determinada
Constituição escrita.
Assim, muito embora seja considerado um genuíno subsídio à herme-
nêutica constitucional, na medida em que expressa anseios e aspirações do
legislador constituinte originário, o preâmbulo, no Direito brasileiro, não
tem caráter obrigatório ou vinculativo, o que evidentemente significa dizer
que não é uma norma jurídica, não sendo, portanto, norma de reprodução
obrigatória nos Estados-membros. Além disso, como já dito, o preâmbulo
não pode servir como paradigma de controle de constitucionalidade, uma
vez que não tem relevância jurídica.
Tal tipo de intelecção foi confirmado por ocasião da ADI 2.076, na qual
o STF entendeu que o preâmbulo da Constituição de 1988 não é norma ju-
rídica, logo não é de norma de observância obrigatória em âmbito estadual,
não sendo, pois, parâmetro para o controle de constitucionalidade de normas
infraconstitucionais. No caso em tela, o STF examinava se o preâmbulo da
Constituição do Acre teria violado o preâmbulo da Constituição de 1988,
por não ter reproduzido, na literalidade, a expressão “sob a proteção de
Deus”, trocando-a pela expressão “inspirada nos Heróis da Revolução Acrea-
na”, cujo desfecho foi a improcedência da referida ADI, isto é, a Constitui-
ção do Acre não violou o preâmbulo da Constituição de 1988, que não é con-
siderada norma jurídica, dotada de imperatividade e caráter obrigatório.
Em suma, o preâmbulo da Constituição de 1988 revela expressamente o
anseio do legislador constituinte originário na construção de um Estado De-
mocrático de Direito, edificado na consagração de valores supremos demo-
cráticos e pluralistas, aí incluídos, os Direitos individuais, a liberdade, a se-
gurança e a igualdade, bem como a indicação expressa de que o Estado venha
a promover os Direitos sociais, bem-estar geral, desenvolvimento, justiça,
numa perspectiva eclética ou compromissória que mescla, a um só tempo, o
liberalismo político de cunho garantista e o intervencionismo estatal de viés
social e dirigente.
Sem embargo dessa importante e clássica abordagem sobre a estrutura
tópica da Constituição de 1988, considerando-se a existência de três catego-
rias de disposições integrantes de seu texto (preâmbulo constitucional, cor-
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