Cooperação e interação: visão da 'judicialização' do setor elétrico brasileiro sob a perspectiva institucional
Autor | Maria João C. P. Rolim e Alice de Siqueira Khouri |
Ocupação do Autor | Doutora em Direito de Energia pelo Centre for Energy, Petroleum and Mineral Law and Policy (CEPMLP) da Universidade de Dundee/Escócia/Doutoranda em Direito e Economia na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) |
Páginas | 258-280 |
258 COOPERAÇÃO E INTERAÇÃO: VISÃO DA “JUDICIALIZAÇÃO” DO SETOR ELÉTRICO...
1. INTRODUÇÃO
O aumento exponencial do n’mero de demandas judiciais envolvendo temas
direta ou indiretamente afetos ao Setor Elétrico tem sido retratado como
um processo negativo intitulado de Judicialização do Setor Elétrico Refe
rido processo tem gerado discussão acalorada sobre os limites do Poder
Judiciário em matéria regulatória especialmente quanto aos casos que
envolvem questões que em princípio seriam objeto de regulação setorial
É fato que houve nos ’ltimos anos um aumento incontestável dos lití
gios judiciais envolvendo questões do Setor Elétrico afetas à regulação
e que seja pelo excesso ou ausência desta não foram resolvidos extraju
dicialmente Enquanto muito se tem discutido acerca das consequências
da referida judicialização setorial existe um hiato no debate em relação à
investigação das causas do processo de judicialização
No presente artigo ainda que de forma incipiente pretendemos
contribuir para o debate analisando o processo do aumento dos litígios
judiciais envolvendo matérias do Setor Elétrico sob uma perspectiva institu
cional O que encontramos como se verá é uma ausência de efetiva coorde
nação e cooperação institucional desconsiderandose assim o que enten
demos ser parte dos princípios norteadores da regulação eicaz
De plano destacamos que a judicialização do Setor Elétrico é motivo de várias
manchetes e notícias sendo palco de notável polêmica Sem a pretensão de colocar
im ao multifacetado debate que envolve as consequências do processo contencioso
instalado no setor o objetivo deste artigo é antes o de destacar a importância do
estudo sobre as causas do processo de judicialização em uma tentativa de contribuir
para o avanço da discussão de soluções plausíveis
Recentemente e certamente em resposta às grandes críticas da judicialização a Asso
ciação dos Juízes Federais do Brasil AJUFE emitiu novas orientações e recomenda
ções aos magistrados no Fórum Nacional da Concorrência e da Regulação Fonacre
visando nortear o controle judicial sobre matéria afeta a setores regulados e prestigiar
o debate democrático Alguns destes enunciados são direcionados especiicamente
ao Setor Elétrico e podem potencialmente afetar o posicionamento judicial referente
às demandas afetas ao setor considerando o peso dos precedentes em nosso sistema
jurídico apesar de classiicado como civil law O efetivo efeito destes contudo só poderá
ser apreciado após algum tempo considerando que sua publicação é extremamente
recente para concluir algo neste sentido Os enunciados podem ser acessados em
wwwajufeorgbrfonacre
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Uma perspectiva histórica do arcabouço legislativo do Setor Elétrico
indica uma inegável opção pela adoção de cooperação entre os agentes
institucionais atuantes no setor bem como pela complementariedade de
suas funções
Com inalidades distintas e igualmente importantes as instituições
atuantes no Setor Elétrico orbitam ou deveriam em torno de um obje
tivo comum contribuir e propiciar uma regulação eiciente atendendo às
diretrizes econômicas políticas e sociais que emanam do Ministério de
Minas e Energia Este ’ltimo por sua vez também deve atuar em coorde
nação e cooperação com os demais ministérios em particular o de Meio
Ambiente de modo que se consiga atender o interesse p’blico levandose
em consideração os diversos aspectos e objetivos que devem ser conciliados
A ausência desta integração como aqui se detalha alimenta o processo de
questionamento judicial de matérias afetas à regulação setorial prejudi
cando em ’ltima análise a segurança energética
O argumento inicial e ponto que justiica a linha deste artigo é que
apesar de a evolução legislativa setorial estabelecer a necessária cooperação
e coordenação institucional entre os entes tanto os dispositivos regulamen
tares destinados a regular o setor quanto à aplicação destes desconsidera
ou dedica pouca atenção à interação institucional Referida desarticulação
conduz a nosso ver a um processo de procura do Poder Judiciário não
somente para que este arbitre sobre a questão controversa mas principal
mente para que a esfera judicial funcione como um fórum de discussão e
busca de interação entre os diversos entes que participam do setor dinâmica
que não se fez possível na esfera administrativa ou extrajudicial latu sensu
As discussões judiciais em determinados temas por vezes tomam considerável tempo
e a ausência de decisões efetivas neste interstício acaba por reletir em atrasos impac
tantes nos empreendimentos do setor (á um preocupante diagnóstico dos atrasos
para a entrada em operação dos empreendimentos do setor realizado pelo TCU em
épocas diferentes e depois Os dados são alarmantes e em i no
segmento de geração dos empreendimentos tinham atraso nas obras e ii em
transmissão o n’mero dos empreendimentos atrasados chegava a Em ambos os
segmentos as principais causas para o atraso estavam ligadas a questões ambientais
como diiculdades no licenciamento ambiental e o prazo exíguo deinido pela ANEEL
para a entrada em operação aspectos altamente levados para discussão judicial
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